Quem morrer pelo coronavírus terá os pecados perdoados

Quem morrer pelo coronavírus terá os pecados perdoados

O católico que morrer vítima do novo coronavírus terá todos os seus pecados perdoados e sua alma estará numa posição privilegiada para entrar no paraíso, sem passar pelo Purgatório. É o que estabelece um Decreto de Indulgência plenária da Penitenciaria Apostólica do Vaticano, publicado no dia 20 de março, em Roma.

A Igreja flexibilizou as regras da indulgência, reduzindo as exigências aos fiéis para obter o benefício. Normalmente, o fiel teria que realizar peregrinações e visitar alguma igreja determinada pelo Vaticano, confessar os pecados, assistir missa contrito e prometer não pecar mais. Pelo novo decreto o doente acamado precisa apenas formular um sincero pedido de perdão, rezar o Credo, o Pai-Nosso e uma oração dedicada à Virgem Maria. Assim, a indulgência passa uma borracha numa vida pecaminosa acreditando que o sofrimento pelo coronavírus já seria uma penitência suficientemente pesada para absolver o pecador.

Vamos recuar um pouco no tempo e analisar o complexo sistema de salvamento da alma pela Igreja Católica. No começo, só havia duas opções de destino para o espírito de quem morria. Se o fiel não cometesse faltas e tivesse uma vida santa, ia pro céu. Para o pecador contumaz, a direção era o inferno. No entanto, ao longo dos séculos, teólogos e padres da Igreja passaram a refletir certas passagens bíblicas que indicariam a possibilidade de a alma do católico, com pecados veniais, que são mais leves, passar por um período de limpeza com vistas a entrar no céu. Daí, no final do século XII, o Purgatório se consolida como dogma. Nesse sistema é permitido aos vivos ajudarem as almas presas e torturadas no Purgatório, abreviando as penas desses sofredores através da celebração de missas, orações, esmolas e jejuns em intenção dos mortos.

A indulgência foi criada nessa mesma linha e usada pela primeira vez para beneficiar quem participasse de cruzadas católicas. Pra quem acredita, a indulgência surgiu a partir da doutrina do Tesouro da Igreja, que acumula as bondades praticadas por Jesus Cristo e os santos ao longo de suas vidas terrenas. Essa espécie de poupança de bondades em relação à Humanidade, juntadas por Deus, é administrada pela Igreja, que pode distribuí-la a seus fiéis através da indulgência. As indulgências são polêmicas desde a sua criação. Houve um tempo em que eram vendidas para a renda ser usada na construção da Basílica de São Pedro em Roma. Assim, se você fosse um pecador contumaz na Idade Média, só precisava ter dinheiro pra comprar uma indulgência plenária e poderia morrer tranquilo, acreditando que escaparia do inferno e do purgatório, sem cumprir qualquer penitência ou pena espiritual.

A indulgência é apontada como uma das causas do grande cisma da Igreja ocorrida no século XVI, quando o monge agostiniano Martinho Lutero publicou suas 95 teses contra vários dogmas católicos, dando início à Reforma Protestante.

Desmoralizada, a indulgência saiu de cena durante séculos e foi retirada da prática religiosa pelo Concílio Vaticano Segundo na década de 1960. No entanto, retornou pelo papa João Paulo II que autorizou os bispos a oferecerem essa anistia no ano 2000, como parte das comemorações do milênio da igreja. Nesse caso era necessário passar pelas portas da Basílica de São Pedro, em Roma. Depois, o papa Bento XVI tornou as indulgências plenárias usáveis em datas religiosas como o jubileu da Igreja. Em 2015, ocorreu mais uma flexibilização: uma indulgência plenária beneficiou os que passassem pelas Portas da Misericórdia, instaladas simbolicamente em basílicas de todas as partes do mundo. Na Bahia, a escolhida foi a Basílica do Bonfim. Milhares de baianos passaram pela porta da misericórdia no ano em que ela ficou aberta para limpar os pecados. Resta saber se essas pessoas voltaram a acumular pecados desde a data que foram beneficiadas pela indulgência porque, pelas regras da Igreja, o benefício não garante perdão para as futuras faltas.

 

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Biaggio Talento é jornalista, e colaborador do O Jornal da Cidade.

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