A corrida dos féretros

A corrida dos féretros

Mesmo nos momentos difíceis, como dizia o slogan de conhecida funerária baiana, era possível manter um certo ar de humor, relembrando passagens engraçadas na vida de algum parente ou amigo morto, cujo corpo estávamos velando. Como sabemos, a epidemia de coronavírus nos tirou até esse momento do adeus a algum conhecido que parte. Mas, em passado recente, quando os ritos funerários seguiam sua normalidade, abrindo espaço inclusive para algumas bizarrices, sepultamentos eram acontecimentos que poderiam lembrar ou repetir a vida divertida de certas pessoas.

Vou contar tradição burlesca, que ocorria com frequência entre as décadas de 1950 e 60 num dos cemitérios mais tradicionais de Salvador, o Quinta dos Lázaros. Quando só era possível chegar ao Quinta a pé, não era raro o encontro de dois ou mais cortejos fúnebres, na parte baixa da ladeira que dá acesso ao cemitério, e onde funcionava um buteco. Ali surgiu uma estranha competição, certamente incentivada pelo dono do estabelecimento pra estimular suas vendas, aproveitando o espírito debochado do baiano: uma corrida de féretros. Os participantes dos cortejos fúnebres apostavam um engradado de cerveja pra ver quem chegava primeiro na porta do cemitério, ladeira acima, levando os respectivos caixões. Havia juízes, linha de partida e tudo que caracteriza uma corrida tradicional.

O morto que aguentasse o balanço podia partir desta vida, por assim dizer, com a derradeira vitória terrena. Os que seguravam o féretro vencedor ganhava a “grade” de cerveja pra refrescar. Esse episódio foi relatado por um antigo administrador do Quinta dos Lázaros a um repórter da sucursal do jornal O Estado de São Paulo, nos anos 70, órgão de comunicação onde trabalhei por duas décadas.

 

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Biaggio Talento é jornalista, e colaborador do O Jornal da Cidade.

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