O lobisomem recenseado

O lobisomem recenseado

O próximo censo do IBGE que começaria este ano foi adiado em função da pandemia. Provavelmente só em 2021 atualizaremos o número de brasileiros. Munidos agora de tablets, em vez de bloco de notas, os recenseadores devem descortinar milhões de histórias interessantes nos lares brasileiros, mesmo fora do questionário padrão do censo.

Talvez encontrem resquícios de seres fantásticos a recensear nos grotões mais afastados do país ou nas capitais, como ocorreu no censo de 1960, no bairro da Liberdade, em Salvador, à época em que ainda havia muitas áreas com maciços florestais. Deu-se que após coletar os dados de uma senhora, o agente do IBGE perguntou se ela conhecia o morador de uma choupana vizinha, localizada entre bananeiras.

- O senhor pode encontrar ele à noite. Mas não venha em noite de lua porque ele é zumbi e vira lobisomem ficando perigoso, disse a mulher para desdém do recenseador. Imagine se encontraria um lobisomem…

Por precaução, no entanto, voltou num noite de quarto crescente e achando a choupana com a porta aberta e velas acessas entrou pé ante pé.

-Ô de casa! Ninguém respondeu. A choupana estava vazia. O agente olhou para o lado e viu um gato malhado que o observava, silenciosamente. Quando o gato miou, os vizinhos avistaram o funcionário do IBGE correndo mais que um atleta de 100 metros livres, deixando pra trás, caneta, bloco de anotações, cadernos. O resultado é que naquele ano, não se soube realmente o número exato de lobisomens no país.

Bem antes desse episódio verídico, o relato de um folhetim do século XIX apresentou a aventura do tintureiro de cidade do interior de São Paulo, que conseguiu provar que o vizinho era um lobisomem. Em noite de lua cheia, sabendo do costume da entidade de circular por seu sítio para beber o sangue das galinhas, o tintureiro preparou um caldeirão com tinta azul e pediu ajuda do caseiro do sítio, para agarrar e jogar o lobisomem na armadilha.

Morto de medo, mas ameaçado de demissão, o caseiro não teve como escapar da empreitada. Os dois procuraram um canto escuro próximo ao caldeirão e, quando o lobisomem apareceu, se atracaram ao bicho, conseguindo jogá-lo na tinta. Assustado, o lobisomem fugiu, encharcado.

No dia seguinte, o irmão da aparição foi ao sítio do tintureiro pedindo ajuda para limpar a tinta que não saía de jeito nenhum.

- Então era ele que andava matando minhas galinhas, né?
- Sim. Sabe, moço, ele é um lobisomem. Está disposto a pagar pelas galinhas, mas tire a tinta.
O tintureiro retrucou.

- Lamento, essa tinta é muito resistente. O máximo que posso fazer é jogá-lo num caldeirão com outra cor. Acho que o pardo é mais adequado para um lobisomem. E assim, durante vários dias, o lobisomem permaneceu em casa esperando a tinta azul sair do seu corpo.

 

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Biaggio Talento é jornalista, e colaborador do O Jornal da Cidade.

 

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