Recado ao morto

Recado ao morto

Está no romance “A correspondência de Fradique Mendes”, de Eça de Queiroz, o relato de uma das práticas mais estranhas no campo das comunicações entre viventes e espíritos. É o recado ao morto. O escritor português usa o personagem Fradique para relatar, numa de suas cartas, o que diz ter presenciado num país da África. Mas o faz com seu conhecido estilo sarcástico.

Havia um soberano chamado Lubenga que estava prestes a declarar guerra a um reino vizinho. Mas antes, precisava consultar a divindade que cultuava, Mulungu. A consulta era secretíssima e Lubenga não poderia confiar nos seus feiticeiros. Então, ele chama um escravo, cochicho no seu ouvido o recado, pergunta se ele entendeu bem, e ante a resposta afirmativa pega um Machado e zás! Decepa a cabeça do escravo bradando, “Parte!”

No entender do rei, a alma do escravo seguiu direta para o céu levando o recado a Mulungu. Momentos depois, o malvado soberano bate com a palma da mão na testa e, aflito, chama às pressas outro escravo lhe diz rápidas palavras ao ouvido e novamente, “zás”, corta-lhe o pescoço gritando “Vai!”.

Eça explica a atitude de Lubenga:
“Esquecera-lhe algum detalhe no seu pedido a Mulungu. O segundo escravo era um P.S., um pós-escrito.”

Não pensem que esse episódio é uma invenção de Eça de Queiroz.

O nosso grande antropólogo franco-baiano Pierre Verger, coletou numa de suas inúmeras viagens de pesquisa na Europa e Africa uma carta do século XIX, de outro soberano africano, endereçada ao rei de Portugal, na qual ele informa ter mandado sacrificar 150 escravos com a incumbência de avisar o pai morto, de quem herdará o trono, que estava ratificando os acordos entre os dois países.

A tradição chegou ao Brasil, evidentemente, modificada. O folclorista Câmara Cascudo coletou alguns casos de pessoas no interior do Nordeste que costumavam frequentar velório, se aproximar do defunto e pedir para ele mandar algum recado a parente já falecido, caso o encontrasse no além.

Eu não duvido que algum leitor tenha conhecimento de caso semelhante na sua cidade. Se souber, por favor, mensagens para a redação.

 

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Biaggio Talento é jornalista, e colaborador do O Jornal da Cidade.

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