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A vantagem de virar bicho

A vantagem de virar bicho

Lendas de homens e deuses que se transformam em bichos povoam várias mitologias. Na grega, esse era um dos recursos preferidos de Zeus para seduzir suas conquistas. Algumas escapadas do chefe do olimpo mostram esse artifício como no episódio em que ele virou um touro para atrair Europa e num Cisne para seduzir Leda.

Noutra ocasião, transformou a amante em carneiro parta escondê-la da esposa, Hera. Certa feita Zeus também se apaixonou por Ganimedes, príncipe troiano e se metamorfoseou em uma águia para raptá-lo. Na Amazônia, a lenda do boto rosa trata de estratégia semelhante. A entidade sobrenatural do rio se transforma em homem para engravidar as mulheres ou aparece em forma de mulher para levar os homens a uma aldeia no fundo das águas.

Existem duas lendas desse tipo de transformação originária do período da escravidão que não tratam de sedução. Ao contrário reforçam o caráter infame do comércio de seres humanos. O historiador português Antonio de Oliveira Cadornega, radicado em Angola no século 17, conta que nas veredas do reino do Congo, na África, havia uma raça de macacos que procurava mulheres para se acasalar e dessa união nascia um ser híbrido, com mais característica de humano que de animal, inclusive com a habilidade de falar. No entanto, ao perceber que se começasse a falar seria capturado, transformado em escravo e deportado para o Brasil, essa raça permaneceu calada, fingindo ser macaco para escapar da escravidão.

Um padre se refere a lenda semelhante, um século depois, que ocorreria na Amazônia. Tribos da região garantiam que existiam macacos amazonenses semelhantes a pessoas e, do mesmo modo como seus parentes do Congo, não falavam justamente para escapar da escravidão evitando atuar num trabalho compulsório e penoso existente na região, realizado pelos índios: ser remador nas canoas dos homens brancos.

O grande jurista Sobral Pinto nos deu exemplo significativo de que às vezes é vantajoso o homem virar bicho. Embora crítico do regime comunista, aceitou ser o advogado dos comunistas Luiz Carlos Prestes e Harry Berger, presos pela ditadura de Getúlio Vargas. Como Berger tinha sido barbaramente torturado, apresentou uma petição no Tribunal de Segurança Nacional exigindo a aplicação do artigo 14 da Lei de Proteção aos Animais para que o prisioneiro tivesse um tratamento minimamente adequado.

 

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Biaggio Talento é jornalista, e colaborador do O Jornal da Cidade.

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