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Enfrentando a epidemia com divertimento

Enfrentando a epidemia com divertimento

Trago do passado mais alguns exemplos de negacionismo em relação a epidemias e pestes que poderiam ser aplicados tranquilamente nos dias de hoje, ante a teimosia das pessoas em insistir em se aglomerar em eventos públicos. Conta o grande historiador francês Jean Delumeau que houve um tempo, e ele o situa entre os séculos XIV e XVII, que setores importantes da sociedade consideravam que o medo e o abatimento ajudavam a pessoa a se contaminar com as doenças.

Já mostramos em comentário anterior que as religiões condenavam os fiéis que fugiam das pestes. Mas não eram só os clérigos. Alguns médicos diziam que somente o ar corrompido não teria capacidade de sozinho causar o contágio, ele precisava combinar-se com o “fermento do pavor”. O cirurgião francês Ambroise Paré dizia que nos períodos de epidemia “é preciso manter-se alegre, em boa e pequena companhia e às vezes ouvir cantores e instrumentos musicais”. Será que foi com esse espírito de Paré que milhares de pessoas foram às festas de final de ano nas praias de Pipa e São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, ou em Porto Seguro na Bahia ou vão assistir ao pôr do sol, diariamente, no Farol da Barra?

Outra autoridade médica do século XVII garantia que era preciso enfrentar as pestes “sem medo, sem temor e sem emoção”, sentenciando que tão somente o pavor desse mal é capaz de provocá-lo em um ar suspeito. Isso porque o coração apavorado fica tão fraco que não resiste ao veneno da epidemia.

Até no século XX, um estatístico que compilava dados sobre epidemia de cólera na Europa escreveu que as emoções da alma podiam agravar o estado dos doentes e por essa razão a epidemia pode ter se espalhado naquela ocasião pelo excesso de trabalho, os assomos da raiva e sobretudo o medo.

Essa concepção geral sobre as epidemias levou os magistrados da cidade francesa de Metz, por ocasião de uma peste no século XVII, a ordenar divertimentos públicos a fim de devolver a coragem e o ânimo aos habitantes dizimados pelo contágio. Nos dias de hoje não temos juízes ordenando as pessoas a saírem as ruas para se divertir. No entanto, algumas autoridades conseguem provocar estragos maiores negando o perigo da epidemia de covid.

 

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Biaggio Talento é jornalista, e colaborador do O Jornal da Cidade.

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