Arroz, farinha e alguma carne. É assim que se preenche o prato daqueles que têm dificuldade de acesso ao alimento em todo país. Na Bahia, faltou comida em quase um de cada cinco lares entre 2017 e 2018. Na prática, isso significa que o problema atingiu 18,8% (922 mil) dos lares do estado e afetou quase 3 milhões de pessoas. Se nesses lares, a comida foi escassa, em outros 310 mil (6,3% do total) a situação foi mais crítica: 987 mil pessoas podem ter passado até fome. Os dados são da “Análise da Segurança Alimentar no Brasil”, da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, divulgados nesta quinta-feira pelo Instituto Braisleiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Nas casas onde a fome pode ter batido à porta, as famílias experimentam a chamada insegurança alimentar grave, que ocorre quando faltam alimentos para todos os moradores, inclusive crianças, podendo haver fome. Nesses lares, dados nacionais do próprio IBGE mostram que o pouco dinheiro investido na alimentação doméstica vai para farinhas de diversos tipos (R$ 24, 42 mensais) e para o arroz (R$ 15,01 mensais). Outra parcela grande do recurso é destinada as carnes (R$ 65,12 mensais).

Essas são, justamente, as prioridades na casa da auxiliar de serviços gerais Neuza Santos, 44 anos. Sem emprego fixo há mais de um ano e vivendo com algumas diárias de faxina por mês ela diz que doações na comunidade onde mora fazem a diferença.

“Aqui onde moro às vezes acontece distribuição de cesta básica e aí eu consigo uma alimentação melhor. Quando não tem, preciso escolher o que comprar e aí prefiro comprar o que rende mais’, explica ela que mora com dois filhos.

Já a autônoma Liu Santos, 38 anos, conta com benefícios do governo para complementar a renda. Ela faz parte de uma das 1.840.192 famílias possuem o benefício do Bolsa Família ativos no Estado. Segundo dados da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), apenas no último mês de agosto, foram repassados R$ 347.957.588,00. “O dinheiro que eu recebo da bolsa família é o que faz a gente conseguir ter uma alimentação mais completa. Não chega a faltar o básico, mas muitas vezes eu preciso controlar quantidade pra chegar no fim do mês”, comenta.

Segundo o IBGE, a insegurança alimentar experimentada pelas famílias baianas interfere diretamente na forma de se consumir o alimento em casa. Quanto maior a gravidade da Insegurança Alimentar, menor é a compra de hortaliças, frutas, de produtos panificados, de carnes, aves, ovos, produtos derivados do leite, dentre outros. Além da insegurança grave, onde pode existir a fome, existem os níveis leve e moderado.

O nível leve acontece quando não há efetivamente escassez de alimentos nem fome, mas uma preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos, e as famílias chegaram a comprometer a qualidade da alimentação para que não faltasse comida. Já no grau moderado as famílias já enfrentam redução na quantidade de alimentos e pode faltar comida para os adultos.

Comparativo
Olhando para o histórico baiano da insegurança alimentar, foi a primeira vez que o número apresentou aumento depois de quedas sucessivas entre 2004 e 2013, chegando a 45,3% do total de residências em 2017 e 2018. Na comparação com outros estados, a pesquisa divulgada pelo IBGE, aponta que entre 2017-2018 a Bahia era o segundo estado com mais lares ameaçados pela fome. Ficava atrás apenas de São Paulo.

Se considerados todos os níveis de insegurança, no entanto, apesar do significativo, o crescimento da insegurança alimentar, o aumento baiano foi um dos mais baixos do país. Em 2013, a Bahia tinha o maior número absoluto de domicílios com algum grau de insegurança alimentar (1,823 milhão) e o 5o maior percentual (37,8%). Em 2017-2018, o estado foi superado, em termos absolutos, por São Paulo (4,808 milhões de domicílios em algum grau de insegurança alimentar) e Minas Gerais (2,228 milhões de domicílios) e caiu, em termos percentuais - quando consideradas os tamanhos das populações dos estados - para a 14ª posição do ranking nacional .

Solidariedade e auxílios
Quando as dificuldades chegam a gerar fome, muitas das famílias baianas precisam contar com o apoio de quem compartilha o que tem. Em algumas regiões da cidade, são projetos sociais que ajudam a garantir a comida na mesa de todos. É esse também o trabalho do Padre Renato Minho, que há 17 anos faz questão de ajudar as comunidades por onde passa.

Desde o ínicio do ano, o pároco está instalado na comunidade do Pilar, no bairro do Comércio, e mesmo com o isolamento social não foi diferente. “Desde março já distribuímos mais de 400 cestas básicas aqui na comunidade. Temos vários outros projetos também para ajudar a comunidade, mas que precisam esperar a pandemia passar”, conta ele.

Padre Renato acredita que, neste período de isolamento, as dificuldades de quem vive com menos não devem ter atingido o nível da fome. “Com a pandemia, existem vários auxílios disponíveis, o federal, do governo e prefeitura. Auxílios que também entregam cestas, projetos fazendo trabalhos, então pelo menos aqui na comunidade acredito que não faltou comida para ninguém”, explica ele, que hoje é administrador da Igreja Nossa Senhora do Pilar e Santa Luzia

Nos 17 anos como pároco, o padre já passou por bairros como Nordeste de Amaralina, Vale das Pedrinhas, Saramandaia e Santa Cruz. Sempre realizando as doações, ele conta que a realidade é comovente. “As pessoas são realmente muito carentes. Muitas vezes não tem trabalho. E o emprego é dignidade. O emprego é o que dá a garantia da comida, e se não tem emprego, a pessoa fica sempre dependente de doações. Muitas vezes famílias e idosos que não têm também qualquer garantia trabalhista, uma realidade que atinge a barriga, causa fome”.

Onde atua, o religioso se instala também para morar e ajudar de forma mais próxima. “Não quero ser apenas um passante, que dá às coisas e vai embora, eu quero morar aqui para conhecer a realidade, as demandas e dificuldades e ajudar a comunidade a crescer. E vivo feliz, é um lugar que precisa ser valorizado”.

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Toda semana é uma preocupação nova para a feira do soteropolitano. Depois do aumento expressivo no preço do arroz, agora, os cidadãos estão com a pulga atrás da orelha por outro motivo: a limitação da venda de arroz, óleo e leite, que passam por racionamento nas unidades dos grandes mercados de Salvador. Na maioria desses estabelecimentos, só se pode comprar até 10kg de arroz, 12 unidades de garrafas de óleo de soja, 10 unidades do leite de caixa e 5 pacotes do leite em pó de 200g. Em alguns casos, até o feijão, que está com os preços nas alturas, passa por racionamento de vendas.

O CORREIO foi às lojas para conferir onde a limitação ocorre, a causa do racionamento e o que os soteropolitanos acham do caso. Os entrevistados contaram que já tinham percebido as alterações nas prateleiras e, em sua maioria, afirmaram estar preocupados com a possibilidade da escassez dos itens nos estoques ser a causa para a imposição do limite de compras. Um cliente, que não quis se identificar, opinou que os mercados estão fazendo isso para evitar que as pessoas extrapolem nas compras do que já está em falta. "Provavelmente, tem algo em falta pra eles fazerem isso. O povo é todo desordenado e, quando vê um negócio em falta, corre todo afobado pra estocar. O que faz o mercado tomar esse tipo de atitude. Aqui, as pessoas levam a sério o 'farinha pouca, meu pirão primeiro", diz.

Limitar a comercialização desses produtos não é uma ação ocasionada apenas pela escassez como se pode imaginar. Entre os produtos com venda racionada, só o óleo de soja não está largamente disponível nas distribuidoras. Para os outros, existem fatores diferentes que influenciam no processo de limitação de venda nas grandes redes. É o que garante Joel Feldman, presidente da Associação Bahiana de Supermercados (Abase). "Em alguns casos, a limitação pode acontecer por conta de promoções para que a maioria dos clientes possam ter acesso às ofertas. Normalmente, a limitação está ligada a essa tentativa de evitar que o comerciante de mercados menores leve todos os produtos em promoção, por exemplo", explica.

Fator promocional
No caso do Extra, na Vasco da Gama, é justamente essa a justificativa que se vê nos cartazes que informam a limitação de compra: "Para que todos aproveitem essa oferta". O problema é que a oferta informada não é percebida, de fato, nos preços dos produtos. No local, encontra-se o preço das marcas de óleo de soja praticamente tabelado: a maioria saindo por R$ 6,99. Esse é o maior preço entre os mercados visitados pela reportagem do CORREIO, que passou por Big Bompreço, Rede Mix e teve acesso aos valores do Bompreço. O arroz, que não está barato em nenhum lugar, lá, não sai por menos de R$ 4,79, enquanto, em outros estabelecimentos como o Big Bompreço, é possível encontrar o arroz da mesma marca por menos de R$ 3,99. No caso do feijão, que também tem venda limitada, só dá pra sair com um quilo do produto ao desembolsar, no mínimo, R$ 6,89.

O Extra foi procurado pela nossa reportagem para explicar quais motivos levaram a rede a limitar a venda desses produtos e confirmar se isso estaria associado a uma promoção por parte da empresa. Por meio de assessoria, a rede informou que a limitação ocorre para que todos possam adquirir arroz, óleo, feijão, leite em caixa e leite em pó, que são os produtos limitados pelo mercado. "O Extra informa que, para que um maior número de clientes possa se abastecer, a rede está limitando a compra dos produtos em lojas por tempo indeterminado", declara.

Sobre o arroz, Joel acredita que a ação de limitar esteja ligada diretamente ao preço do grão, o que faz com que o mercado tenha menos do produto em estoque e queira distribuir de maneira mais uniforme o que se tem para comercialização. "O arroz subiu muito de preço porque há uma preferência pela exportação do produto, que é algo mais rentável, neste momento, para o produtor. Então, os mercados daqui têm menos potencial de adquirir esse item para comercializar", declara.

O que acham os clientes
Cláudia Alves, 35 anos, cuidadora de idosos, acredita que a limitação do arroz, por exemplo, em nada significa uma preocupação com o consumidor. "Isso aí é pressão deles pro povo achar que o arroz tá acabando e comprar mesmo com o preço nas alturas. Pra mim, não cola. Eles estão é exportando tudo e, no pouco que fica aqui, botam pra lenhar nos preços. Todos esses limitados aí subiram. Eu mesmo que não compro. Sei substituir, optar por outra coisa. Não tem arroz, vai macarrão e tá tudo em ordem", fala.

Quem também tem evitado adquirir os itens em limitação é Regina da Silva, 52, dona de casa que afirma que vai esperar o preço cair para voltar a tomar leite, mas admite que, ao saber da limitação, ficou com receio que estes itens fiquem em falta por muito tempo. Segundo ela, só não se rendeu e comprou bastante para não atrapalhar os outros. "Engraçado que limitaram o que mais subiu de preço. Achei estranho e logo pensei que estivesse acabando. O que mais seria, né? Mas não saí comprando desesperada com medo de acabar não. A gente fica naquela dúvida, mas não vou fazer isso e pensar só em mim porque, se eu fizer isso, tem gente que não vai conseguir comprar", conta.

Outra cliente, que preferiu não revelar sua identidade, não teve a mesma resiliência de Regina. Foi ao mercado sem pensar em óleo, mas, ao ver a limitação, quis garantir a presença do produto na sua residência por um tempo, mesmo com o preço acima do normal. "Eu nem ia comprar, falando a verdade. Não uso muito o óleo de soja. Mas tô vendo esse negócio de limitação. Vai que acaba, né? Então, vou garantir dois ou três pra não ter problema. Melhor prevenir do que remediar", argumenta.

Preços
A reportagem do CORREIO registrou os valores dos produtos em racionamento no Walmart, localizado na Joana Angélica, no Extra, da Vasco da Gama e no Rede Mix, da Rua Amazonas, na Pituba, que não estipulou nenhuma limitação para arroz, feijão, óleo, leite em pó ou de caxia. Apesar disso, a rede informou, através de nota, que está limitando a venda de óleo de soja, sendo permitida a compra de cinco unidades nos supermercados e dez unidades nos atacados. A seguir, os preços de cada um dos mercados visitados:

Big Bompreço
Arroz:

Emoções, R$ 3,99,

Cammil, R$ 4,29

Pop, R$ 3,75

Óleo:

Soya, R$ 5,99

Liza, R$ 6,49

Primor R$ 5,99

Leite de caixa:

Piracanjuba, R$ 5,39

Betânia, R$ 4,19

Damare, R$ 4,39

Extra
Arroz:

Emoções, R$ 4,79

Cammil, R$ 4,99

Tio João, R$ 4,99

Feijão:

Kicaldo, R$ 6,89

Cammil, R$ 9,49

Líder, R$ 6,89

Óleo:

Soya, R$ 6,99

Liza, R$ 6,99

ABC, R$ 6,99

Leite em pó (200g):

CCGL, R$ 5,99

Regina, R$ 5,99

La Serenissima, R$ 6,99

Rede Mix
Arroz:

Emoções, R$ 4,29

Cammil, R$ 4,29

Tio João, R$ 6,99

Óleo:

Soya, R$ 5,69

Primor R$ 5,69

Leite em pó (800g):

Itambé, R$ 20,98

Camponesa, R$ 21,98

Betânia, R$ 20,98

 

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