Bahia tira zero em ensino na pandemia

Bahia tira zero em ensino na pandemia

A pandemia do novo coronavírus pegou de surpresa todo mundo, nas mais diversas áreas de atuação social. De uma hora para outra, no primeiro semestre de 2020, atividades que eram exercidas presencialmente tiveram que ser modificadas para ter continuidade. Foi o caso de Salvador, capital brasileira que recebeu a melhor nota num estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre a eficiência dos programas de educação pública remota dos estados e capitais brasileiros, durante a pandemia.

Na ponta inversa do ranking, entre os estados, a Bahia surge em último, com nota zero, pois não apresentou nenhum plano para o ensino médio no primeiro ano da pandemia, aponta o estudo. Sheylly Louise, 18 anos, estudante da rede estadual, lembra que no início, a rotina foi bastante complicada. Mesmo quando houve a oferta de aulas online, em 2021, o processo de aprendizagem foi difícil. “Muitos alunos não tinham celulares, mas a gente conseguiu aprender um pouco com as explicações dos professores”, lembra. “A situação de saúde foi realmente muito crítica e nós acabamos ficando sem aulas quase dois anos”, lembra.

Por mais que tenha tentado manter a mesma rotina de sempre, de acordar, estudar e cuidar das outras coisas do dia a dia, Daniel Pereira, 18, conta que a pandemia também afetou a sua rotina. Ele lembra que em 2020, mesmo sem aulas presenciais ou online, a escola em que ele estudava encaminhava atividades para os alunos. Dadas as circunstâncias, com todas as dificuldades, o estudante que sonha em estudar Ciências da Computação, acredita ter se saído bem no período, apesar ter ido para recuperação pela primeira.

O problema, complementa, é que ele viu diversos colegas enfrentarem dificuldades maiores que as dele. “Muita gente em minha turma não tinha acesso à internet. Eu não tive problema porque tenho um Wi-Fi bom”, lembra. Entre as principais dificuldades, comenta, estava a necessidade de se manter focado para aprender. “Você precisa se manter focado para o ensino à distância funcionar. É funcional, mas depende muito do aluno. No meu caso, o foco era mantido pela necessidade”, explica.

Segundo ele, outro aspecto que fez bastante diferença foram os professores. Alguns tinham mais familiaridade com a tecnologia, enquanto outros, não. “Em alguns casos, houve uma grande mudança, com professores que dizem que até preferem o ensino à distância, mas outros ainda se sentem à vontade ensinando presencialmente”, ressalta.

Maria Graziele, 19, já concluiu o ensino médio. Ela trabalha como vendedora atualmente. Em 2020, ela estava cursando o terceiro ano. “A suspensão das aulas foi uma coisa complicada porque fomos informados de que passaríamos uma semana em casa e depois retornaríamos”, lembra. “A escola fazia parte da minha rotina há muitos anos, então ficar afastada por tanto tempo foi bastante difícil”, explica.

Em 2020, durante o período sem aulas, o jeito foi passar o tempo nas redes sociais, lendo e assistindo. “Chegou um momento em que ficou entediante porque eram sempre as mesmas coisas, então ficou claro o quanto o colégio fazia parte da minha vida e o quanto ele fazia falta”, lembra.

“Eu acho que o EAD deixou muito a desejar, mas não por falta de vontade de professores ou alunos, mas pelo momento mesmo. A gente estava em casa, todo mundo assustado, não sabíamos mexer direito nos aplicativos, apesar de ter tido uma aula ensinando, era tudo muito diferente”, lembra. Ela conta que manter a atenção era um desafio no ensino remoto. Além disso, a falta de acesso à tecnologia acabou afastando colegas das aulas. “Eu acredito ter aprendido 10% do que poderia com o ensino presencial, meus amigos também, porém tivemos que concluir desta forma mesmo. Muitos colegas acabaram desistindo”, conta.

A explicação das notas
No levantamento publicado pela FGV, os pesquisadores Lorena G. Barberia, Luiz G. R. Cantarelli e Pedro Henrique De Santana Schmalz, todos do Departamento de Ciência Política, Universidade de São Paulo (USP), construíram um indicador baseado em quatro componentes: meios de transmissão, formas de acesso, supervisão dos alunos e os níveis de ensino cobertos pelo EAD. Questionados pela reportagem, os pesquisadores responderam em nota que o zero recebido pela Bahia se deveu ao fato de o estado “não instituiu ensino remoto em 2020, permitindo, de maneira livre, que municípios e escolas adotassem iniciativas próprias”.

“A prefeitura da capital, por outro lado, apresentou plano que, apesar de bastante limitado, estava acima da média daqueles implementados em outras capitais, que por diversos motivos enfrentaram dificuldades na implementação inicial dos planos”, ponderaram os autores da pesquisa. A capital baiana aparece com uma nota de 5,09684, enquanto a média entre as cidades foi de 1,59.

Segundo os pesquisadores, houve uma grande heterogeneidade quanto à adoção de planos de ensino a distância, já que não houve coordenação do Ministério da Educação nesse sentido. “Percebemos que, em 2020, diversos estados e capitais apresentaram planos insatisfatórios ou nem mesmo apresentaram plano para o ensino remoto. Alguns programas levaram mais de 100 dias para serem implementados”, destacam.

Plano municipal
De acordo com a Secretaria Municipal da Educação (Smed), a Prefeitura de Salvador procurou agir com “bastante rapidez e buscando o resultado mais eficiente possível desde o início da pandemia”. Segundo a Smed, em nota, enquanto as equipes técnicas providenciavam soluções digitais para garantir o ensino, foi criado o Canal Smed no YouTube, com videoaulas produzidas pelos professores da rede. Também foram distribuídos materiais impressos, entregues e devolvidos no momento em que um representante da família ia até a unidade de ensino buscar a cesta de alimentos – iniciativa que visou garantir a segurança alimentar dos alunos. Uma parceria com a Escola Mais, de São Paulo, ofertou de forma gratuita aulas virtuais diárias, através da plataforma Canvas. A ação beneficiou mais de 33 mil alunos do Ensino Fundamental Anos Finais e da EJA II.

De acordo com a secretaria municipal, as aulas da TV ainda estão em exibição e vão se transformar em vídeo aulas a serem exibidas no Canal da Smed no YouTube.

A Secretaria de Educação do Estado da Bahia foi procurada através da sua assessoria de imprensa para comentar os resultados da pesquisa da FGV e para falar sobre os planos pós-pandemia, mas não retornou o contato até o fechamento desta edição.

Professores e alunos ainda sofrem efeitos
Professor em escolas das redes privada e pública, Marcus Reis, 34, ensinava apenas em escolas particulares em 2020. Só a partir de 2021 passou a dar aulas na rede estadual. Para ele, o que mais chamou atenção no momento inicial da pandemia foi a velocidade com que as escolas particulares se adaptaram à nova realidade. “Tenho colegas que estavam dando aulas em escolas públicas em 2020 e o que nos passavam era que todos tinham vontade de fazer alguma coisa, mas ninguém sabia muito bem o que”, diz.

No ano passado, já como professor em escolas públicas estaduais, Marcus Reis conta que presenciava de perto a realidade de dificuldades no acesso ao ensino remoto. Ele mesmo teve que se readaptar à nova realidade. “Para nós professores, a dificuldade é muito grande porque a gente não tinha a interação que temos nas salas de aulas. Numa aula presencial, você tem a reação do aluno, se ele não interage, você pode ver que algo não está funcionando”, diz.

Online, a realidade era de microfones e câmeras desligados o tempo inteiro e quase nenhuma interação. “Às vezes eu tinha a sensação de que estava dando aulas só pra mim”, lembra.

“A gente sofreu muito, ficou cansativo”, reconhece. “Eu vi colegas de profissão caindo emocionalmente, e a gente pedindo forças a Deus para encarar este contexto”.

Mesmo agora, após a retomada das aulas presenciais, o tempo sem aulas ou com o ensino remoto segue cobrando um alto preço, destaca o professor. “A dificuldade agora é equilibrar o conteúdo que eles não pegaram no ano passado. Eu estou com uma turma de terceiro ano que não tem interação no conteúdo”, afirma.

“Quando a gente vai colocar na balança, desgasta até um pouco a gente, percebendo que os meninos estão cansados de ouvir sermões ou discursos moralistas, eu evito este desgaste. Eu prefiro ter uma boa relação com eles, diminuo o tom de sermão”, conta. Segundo ele, tem sido comum ver alunos chorando

O coordenador-geral da APLB-Sindicato, Rui Oliveira, lembra que todo o planejamento que existia para a educação no Brasil estava voltado para o ensino presencial. Para ele isto explica as dificuldades enfrentadas na Bahia e em outros estados. “No primeiro momento, na rede estadual, falou-se em ter uma interatividade com os alunos. O problema é que no Brasil 60% dos estudantes não tem acesso à internet”, lembra.

Após estes dois anos, em 2022, o desafio é lidar com um “lapso temporal de dois anos” no processo de aprendizagem, destaca Rui Oliveira. Para ele, o impacto do momento na educação só será devidamente conhecido mais adiante.

Para Gabriel Corrêa, líder de políticas educacionais do Todos pela Educação, o impacto da pandemia na educação brasileira é tão grande que a nação ainda não percebeu sequer o tamanho do problema. “Nós achamos que a população ainda não se deu conta da magnitude destes efeitos, que começam levando à evasão escolar”, diz. Ou seja, muitos não voltarão para as salas de aulas, ou retornaram e não conseguirão permanecer.

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  • Chuva: 41 municípios em situação de emergência, 380 desabrigados e 2.227 desalojados

    Com base em informações recebidas das prefeituras, a Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) atualizou, nesta quarta-feira (28), os números referentes à população atingida pelas enchentes que ocorrem em municípios baianos.

    Até a situação presente, são 380 desabrigados e 2.227 desalojados em decorrência dos efeitos diretos do desastre. Segundo a Sudec, foram contabilizados seis óbitos. Os números correspondem às ocorrências registradas em 76 municípios afetados. É importante destacar que, desse total, 41estão com decreto de Situação de Emergência.

    O Governo do Estado segue mobilizado para atender as demandas de emergência, a fim de socorrer a população atingida pelas fortes chuvas em diversas regiões da Bahia.

  • Empresa brasileira vira concorrente da BYD pela antiga fábrica da Ford em Camaçari

    A BYD ganhou um concorrente pelo complexo da Ford nos minutos finais do prazo para a manifestação de interessados em comprar a antiga fábrica da montadora americana em Camaçari, fechada em janeiro de 2021 e que hoje pertence ao governo da Bahia. O empresário brasileiro Flávio Figueiredo Assis entrou na disputa para erguer ali a fábrica da Lecar e construir o futuro hatch elétrico da marca, que, diz, deve ter preço abaixo de R$ 100 mil.

    Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, Assis já tem um projeto de carro elétrico em fase de desenvolvimento, mas ainda procura um local para produzir o veículo. Em visita às antigas instalações da Ford para comprar equipamentos usados, como robôs e esteiras desativadas deixadas ali pela empresa americana, descobriu que o processo que envolve o futuro uso da área ainda estava aberto, já que o chamamento público feito pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado da Bahia (SDE) só se encerraria nessa quarta (28).

    O documento da SDE, ainda segundo a Folha, diz que a BYD havia apontado interesse no complexo industrial de Camaçari, mas outros interessados também poderiam "manifestar interesse em relação ao imóvel indicado e/ou apresentar impedimentos legais à sua disponibilização, no prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir desta publicação".

    A montadora chinesa anunciou em julho passado, em cerimônia com o governador Jerônimo Rodrigues no Farol da Barra, um investimento de R$ 3 bilhões para construir no antigo complexo da Ford três plantas com capacidade de produção de até 300 mil carros por ano.

    A reportagem da Folha afirma que a BYD já está ciente da proposta e prepara uma resposta oficial a Lecar. E que pessoas ligadas à montadora chinesa acreditam que nada irá mudar nas negociações com o governo baiano porque Assis estaria atrás apenas de uma jogada de marketing. O empresário, por sua vez, disse ver uma oportunidade de bom negócio, pois os valores envolvidos são atraentes.

    Procurada pelo CORREIO, a BYD afirmou que não vai se pronunciar sobre o assunto, e que o cronograma anunciado está mantido.

    Em nota, a SDE apenas confirmou que a Lecar encaminhou e-mail ontem afirmando ter interesse na área da antiga Ford. A secretaria, diz a nota, orientou a empresa sobre como proceder, de acordo com as regras do processo legal de concorrência pública em curso.

    Entre as perguntas não respondidas pela pasta na nota estão o prazo para a conclusão da definição sobre a área e o impacto que a concorrência entre BYD e Lecar traz para a implantação de uma nova fábrica de veículos no estado.

  • Bahia adere ao Dia D de mobilização nacional contra a Dengue

    Em um esforço para combater a crescente ameaça da Dengue, o estado da Bahia se junta ao Dia D de mobilização nacional, marcado para o próximo sábado (2). A informação é da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, que está em Brasília nesta quarta-feira (28) para uma reunião do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Esta iniciativa sublinha a necessidade de uma ação coletiva diária e destaca o papel vital que cada indivíduo desempenha na prevenção da doença. Com o apoio do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde da Bahia (Cosems-BA), da União dos Municípios da Bahia (UPB) e do Conselho Estadual de Saúde (CES), os municípios farão mutirões de limpeza, visitas aos imóveis nas áreas de maior incidência e distribuição de materiais informativos.

    A Bahia registra um aumento significativo de casos de Dengue, com 16.771 casos prováveis até 24 de fevereiro de 2024, quase o dobro em comparação ao mesmo período do ano anterior. Atualmente, 64 cidades estão em estado de epidemia, com a região Sudoeste sendo a mais afetada. Além disso, foram confirmados cinco óbitos decorrentes da doença nas localidades de Ibiassucê, Jacaraci, Piripá e Irecê.

    De acordo com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o cenário nacional é particularmente desafiador devido ao impacto das condições climáticas adversas e ao aumento exponencial dos casos de Dengue, incluindo a circulação de novos sorotipos (2 e 3), que exigem uma atenção mais integrada.

    Na avaliação da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, o momento é de unir esforços para conter o aumento do número de casos e evitar mortes. "O Governo do Estado está aberto ao diálogo e pronto para apoiar todos os municípios, contudo, cada ente tem que fazer a sua parte. As prefeituras precisam intensificar as ações de atenção primária e limpeza urbana, a fim de eliminar os criadouros, e fortalecer a mobilização da sociedade, antes de recorrer ao fumacê. A dependência excessiva do fumacê, como último recurso, pode revelar uma gestão reativa em vez de proativa no combate à doença", afirma a secretária.

    A titular da pasta estadual da Saúde pontua ainda que o Governo do Estado fez a aquisição de novos veículos de fumacê e distribuirá 12 mil kits para os agentes de combate às endemias, além de apoiar os mutirões de limpeza urbana com o auxílio das forças de segurança e emergência. "Além disso, o Governo do Estado compartilhou com os municípios a possibilidade de adquirir bombas costais, medicamentos e insumos por meio de atas de registro de preço", ressalta Roberta Santana.

    Drones

    O combate à Dengue na Bahia ganhou mais uma aliada: a tecnologia. O Governo do Estado deu início ao uso de drones como nova estratégia para identificar em áreas de difícil acesso focos do mosquito Aedes aegypti, vetor de transmissão de Dengue, Zika e Chikungunya. As imagens capturadas pelos equipamentos são analisadas pelos agentes de endemias, que conseguem identificar locais com acúmulo de água parada e possíveis criadouros do mosquito, facilitando a ação das equipes e tornando o combate mais eficaz.

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