Censo incluirá comunidades quilombolas pela primeira vez em 150 anos

Censo incluirá comunidades quilombolas pela primeira vez em 150 anos

A quilombola Floriceia Carvalho, 64 anos, era menina quando ouviu pela primeira vez as histórias de negros escravizados que fugiam de Salvador para buscar abrigo nos quilombos que ficavam na Ilha de Maré, na Baía de Todos os Santos. Histórias de como eles chegavam exaustos depois de fazer a travessia a nado e dos muitos que morriam tentando. Os descendentes desses sobreviventes ainda moram nessas localidades.

Agora, pela primeira vez em 150 anos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) vai incluir essa população no censo. Nesta quarta-feira (17), uma equipe desembarcou na Praia Grande, na ilha, para conversar com as lideranças sobre a pesquisa. Os coletes azuis atraíram a atenção de homens e mulheres que tratavam peixes e faziam cestos artesanias na porta das casas da pequena vila. Floriceia participou do encontro.

“Nos últimos anos tivemos algumas melhorias, a população cresceu bastante, mas ainda existem muitos problemas e sentimos a ausência de políticas públicas, em todas as esferas. Então, essa pesquisa pode ajudar nesse sentido, precisamos ser vistos. Sou quilombola e tenho muito orgulho disso”, afirmou.

Segundo o IBGE, a Bahia é o estado com o maior número de comunidades quilombolas do Brasil, em casa dez municípios, seis tem algum quilombo. São 1.046 localidades, entre formalizadas e não formalmente reconhecidas. Em Salvador, a maior concentração está na Ilha de Maré, onde cinco recenseadores começaram a visitar os 640 domicílios. O pescador Antônio Santana, 54, respondeu ao questionário nesta quarta-feira e se autodeclarou quilombola antes mesmo de a pergunta ser concluída.

“Essa foi a primeira vez que participei [do censo do IBGE] e me sinto muito honrado em função de uma luta que a gente faz há muito tempo. Vivemos em um país onde não somos reconhecidos, onde a nossa identidade é extremamente massacrada, mas a gente vai conseguindo e sobrevivendo na luta”, disse.

São sete quilombos reconhecidos na ilha, além de Praia Grande, existem Bananeiras, Botelho, Itamoabo Neves, Maracanã, Porto das Caravelas e Santana. No interior, os municípios com mais territórios são Vitória da Conquista (28 quilombos), Campo Formoso (25), Bom Jesus da Lapa (23) e América Dourado, Bonito e Seabra (19 cada).

Mudanças
As lideranças frisaram que ser quilombola é antes de tudo reconhecer a identidade negra e as opressões e resistências vividas pelos antepassados, e se queixaram que a juventude está esquecendo a história. O supervisor dos recenseadores na ilha de Maré é William Neves, um jovem de 21 anos que contou que durante muitos anos não se identificava como quilombola, porque a palavra era associada apenas a sofrimento.

“Minha família não falava muito sobre isso, quando falava era sempre com um olhar negativo. Diziam que quilombola era aquele que sofreu, que penou, e ninguém queria se identificar como quilombola. Hoje, com os novos movimentos, as pessoas mudaram de opinião e estão se reconhecendo como quilombola, como identidade negra”, disse.

Além da autodeclaração, o censo demográfico investiga como vivem os moradores dessas comunidades. Durante a reunião lideranças destacaram problemas em infraestrutura, poluição ambiental e ausência de políticas públicas. A pesquisadora do Grupo de Trabalho de Povos e Comunidades Tradicionais do censo 2022, Daiane Ciriaco, destacou que a inclusão dos quilombolas amplia a diversidade do censo e torna a pesquisa mais completa, e se emocionou durante a reunião.

“O censo vai a todas a áreas desde sempre, mas será a primeira vez que terá perguntas direcionadas para pessoas quilombolas, em 150 anos. Com isso, essa população vai deixar de ser invisível aos olhos do estado. Se você não é contado, você não existe para as políticas públicas e para as estatísticas oficiais. Além disso, é uma forma de retratar o Brasil o mais próximo possível da sua realidade”, afirmou.

Os recenseadores estarão nas ruas até outubro e os primeiros resultados da pesquisa serão divulgados a partir de dezembro. No caso da Ilha de Maré os cinco trabalhadores moram na comunidade. Os agentes estão identificados com colete, crachá com foto e o dispositivo móvel de coleta. Eles carregam no peito um QR Code que aponta para um site no qual é possível confirmar a identidade dessas pessoas. Além disso, é possível também ter essa confirmação pelo 0800 721 8181 ou pelo site respondendo.ibge.gov.br

Visibilidade
O censo demográfico de 2022 é o 13º do país, mas o 1º a trazer informações específicas sobre pessoas que se auto identificam como quilombolas e sobre as comunidades em que elas vivem. A quilombola Maricélia Lopes, 52 anos, sempre viveu e ainda mora na Ilha de Maré, e usou uma camiseta em referência ao Quilombo Rio dos Macacos, que fica no continente, para cobrar políticas públicas para essa população e dados mais detalhados.

“Saímos da invisibilidade do IBGE, e isso é um direito, ninguém está fazendo um favor. Se tem informações e dados sobre o agronegócio, feita com dinheiro público, por que não fazer da gente também? Queremos saber quantas marisqueiras, pescadores e artesãos existem nos quilombos. Somos potência [econômica] também, afinal quem alimenta os mercados? Conseguir essa visibilidade no censo foi uma vitória”, afirmou.

As negociações com o IBGE para inclusão dessa população na pesquisa começaram em 2015. O coordenador nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais (Conaq), José Ramos, também destacou a importância dessa mudança.

“É um sentimento de luta e de referência aos nossos ancestrais. É através desse reconhecimento que podemos cobrar mais ações. É preciso se auto identificar para poder lutar pelos nossos direitos, e esse é o ponto fundamental dentro das nossas comunidades quilombolas, o trabalho de conscientização”, disse.

Quase a totalidade das comunidades quilombolas existentes na Bahia (96,2%) não são oficialmente delimitadas. No Brasil, apenas 6,8% das localidades são legalizadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Os dados são do IBGE, que além da Bahia, nesta quarta-feira, fez mobilizações pelo censo quilombola também em Goiás, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

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  • Após 50 anos, IBGE volta a usar o termo favela no Censo

    O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou nesta terça-feira (23) que voltará a usar o termo "favelas e comunidades urbanas brasileiras" para se referir a esses locais no Censo.

    A mudança acontece após 50 anos em que o IBGE usou as expressões "aglomerados urbanos excepcionais" e "setores especiais de aglomerados urbanos" e "aglomerados subnormais" como o termo principal para se referir a esses locais.

    A alteração decorre, entre outros fatores, da demanda dos moradores de favelas e comunidades urbanas. Segundo o IBGE, o termo favela está vinculado à reivindicação histórica por reconhecimento e identidade de movimentos populares .

    Segundo o IBGE, o complemento "comunidades urbanas" foi acrescentado pois, em muitos locais, o termo "favela" não é o mais utilizado – há, por exemplo, áreas chamadas de comunidades, quebradas, grotas, baixadas, alagados, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, loteamentos informais e vilas de malocas.

    O Brasil tem mais de 10 mil favelas e comunidades urbanas, em que vivem 16,6 milhões de pessoas (8% da população brasileira), segundo a prévia do Censo de 2022.

    “O reconhecimento das favelas pelo IBGE é um marco histórico para a população brasileira. É um reconhecimento da existência das favelas, da nossa força, da nossa potência", completa Kalyne Lima, presidente da Central Única das Favelas (CUFA Brasil).

    Como favelas foram descritas pelo IBGE no Censo

    Edição do Censo Termo para descrever território
    1950 Favelas
    1960 Favelas
    1970 Aglomerados urbanos excepcionais
    1980 Setores especiais de aglomerado urbano
    1991 Aglomerados subnormais (favelas e similares)
    2000 Aglomerados subnormais (favelas e similares)
    2010 Aglomerados subnormais
    Fonte: IBGE

    O que são favelas e comunidades urbanas?
    Para o IBGE, favelas e comunidades urbanas são regiões em que há

    Domicílios com graus diferenciados de insegurança jurídica da posse;
    Ausência ou oferta incompleta e/ou precária de serviços públicos, como iluminação, água, esgoto, drenagem e coleta de lixo por parte de quem deveria fornecer esses serviços;
    Predomínio de edificações, arruamento e infraestrutura geralmente feitos pela própria comunidade e seguem parâmetros diferentes dos definidos pelos órgãos públicos;
    Localização em áreas com restrição à ocupação, como áreas de rodovias e ferrovias, linhas de transmissão de energia e áreas protegidas, entre outras; ou de risco.
    De 'ocupação irregular' para 'insegurança jurídica

    As definições acima também são diferentes das que eram utilizadas anteriormente para definir favelas e comunidades urbanas.

    Por exemplo, antes, em vez de dizer que as favelas e comunidades urbanas são caracterizadas por locais em que a população não tem segurança jurídica da posse de seus imóveis, o instituto dizia que eram locais em que "ocupação irregular de terra em propriedades alheias (pública ou privada)".

    O IBGE destaca que há diversos níveis de insegurança jurídica, e que cabe ao Estado proteger contra despejos arbitrários.

    Outro que mudou é o que trata da falta de serviços públicos. Antes, o IBGE a descrevia como "precariedade de serviços públicos essenciais". Agora, a descrição descata o papel das instituições competentes na oferta desse serviços de forma adequada.

    "[Isso] Evita rotular favelas como intrinsecamente carentes, alertando para a necessidade de focar na oferta precária de serviços públicos essenciais, em vez de qualificar as comunidades como deficientes por si mesmas", diz o IBGE.
    Também foi alterada a forma de se referir aos padrões de construção do que existe nas favelas. Antes, por exemplo, dizia-se que as comunidades eram caracterizadas por calçadas de "largura irregular" por construções não regularizadas pelo poder público. Agora, fala-se na existência majoritária de imóveis, ruas e infraestrutura construídos pela própria população com parâmetros distintos dos estabelecidos pelos órgãos públicos.

    "Buscou-se evitar a estigmatização das favelas e comunidades urbanas com essa mudança (...) Essas populações desenvolveram lógicas próprias de organização espacial, que exigem reconhecimento de suas especificidades", informa o IBGE.

    A maior favela do Brasil é a Sol Nascente, que fica no Distrito Federal, segundo dados da prévia do Censo 2022. A região ultrapassou a Rocinha, no Rio de Janeiro, em número de domicílios (32 mil ante 31 mil).

    Veja, abaixo, a lista das maiores favelas e comunidades urbanas do Brasil, segundo a prévia do Censo do IBGE

    Sol Nascente, Brasília: 32.081
    Rocinha, Rio de Janeiro: 30.955
    Rio das Pedras, Rio de Janeiro: 27.573
    Beiru, Tancredo Neves: Salvador: 20.210
    Heliópolis, São Paulo: 20.016
    Paraisópolis, São Paulo: 18.912
    Pernambués, Salvador: 18.662
    Coroadinhoa, São Luís: 18.331
    Cidade de Deus/Alfredo Nascimento, Manaus: 17.721
    Comunidade São Lucas, Manaus: 17.666
    Baixada da Estrada Nova Jurunas, Belém: 15.601
    Alto Santa Teresina - Morro de Hemeterio - Skylab-Alto Zé Bon, Recife: 13.040
    Assentamento Sideral, Belém: 12.177
    Jacarezinho, Rio de Janeiro: 12.136
    Valéria, Salvador: 12.072
    Baixadas da Condor, Belém: 11.462
    Bacia do Una-Pereira, Belém: 11.453
    Zumbi dos Palmares/Nova Luz, Manaus: 11.326
    Santa Etelvina, Manaus: 10.460
    Cidade Olímpica, São Luís: 10.378
    Colônia Terra Nova, Manaus: 10.036

  • Censo 2022: Brasil tem 1,69 milhão de indígenas

    O Censo Demográfico 2022 mostrou que 1.693.535 pessoas se declaram indígenas no Brasil, correspondendo a 0,83% da população residente do país, distribuídas por 4.832 municípios. Os dados do Censo 2022 Indígenas: Primeiros resultados foram divulgados nesta segunda-feira (7) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    No Censo de 2010, o IBGE contou 896.917 pessoas indígenas, o que correspondia a 0,47% da população residente no país, revelando que a população indígena variou 88,82% em 12 anos. O Censo 2022 encontrou um maior número de terras indígenas oficialmente delimitadas passando de 501 em 2010 para 573 no ano passado.

    Segundo o instituto, entre os motivos para esse aumento figuram o aperfeiçoamento do mapeamento de localidades indígenas em todo o país, inclusive nas cidades e em áreas remotas; a inserção de procedimentos operacionais padronizados de abordagem às lideranças indígenas; utilização de guias institucionais da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) ou da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai); preparação das equipes regionais e locais da Funai e Sesai para o apoio à operação censitária; incorporação da figura do guia comunitário indígena; treinamento diferenciado das equipes censitárias, além do monitoramento em tempo real da cobertura da coleta censitária e as adaptações metodológicas para facilitar a compreensão do questionário.

    “Em cada aldeia contamos com o apoio de pelo menos uma liderança indígena. Nossos agradecimentos a todas as lideranças que assumiram o Censo como uma política de Estado mas também como um direito dos povos indígenas de serem recenseados da melhor forma possível”, disse Marta Antunes, responsável pelo Projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE.

    A Região Norte destaca-se como aquela que concentra 44,48% da população indígena do país, com 753.357. A Região Nordeste reúne 31,22% da população indígena, com 528.800. As duas regiões somam 75,71% da população indígena do Brasil.

    Duas unidades da federação concentram 42,51% da população indígena residente no país: o Amazonas, com 490.854, correspondendo a 28,98% da população indígena, e a Bahia, com 229.103 13,53% do total. Mato Grosso do Sul apresenta o terceiro maior quantitativo, com 116.346, seguido de Pernambuco, com 106.634, e Roraima, com 97.320. Estes cinco estados contabilizam 61,43% da população indígena.

    Em 2022, Manaus era o município brasileiro com maior número de pessoas indígenas, com 71,7 mil. A seguir, vinham São Gabriel da Cachoeira (AM), com 48,3 mil habitantes indígenas, e Tabatinga (AM), com 34,5 mil. Já as maiores proporções de população indígena estavam em Uiramutã (RR), onde 96,60% dos habitantes eram indígenas, Santa Isabel do Rio Negro (AM) (96,17%) e São Gabriel da Cachoeira (93,17%).

    Terras indígenas

    A população residente em terras indígenas somava 689,2 mil pessoas, sendo 622,1 mil indígenas (90,26%) e 67,1 mil não indígenas (9,74%). Quase metade dessa população (49,12%) está no Norte, onde as terras indígenas tinham 338,5 mil habitantes, sendo 316,5 mil (93,49%) indígenas.

    A Terra Indígena Yanomami (AM/RR) tem o maior número de pessoas indígenas (27.152), o equivalente a 4,36% do total em terras indígenas no país. O segundo maior número está na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), com 26.176, seguida pela Terra Indígena Évare I (AM), com 20.177.

    Dos 72,4 milhões domicílios particulares permanentes ocupados do Brasil, 630.041 tinham pelo menos um morador indígena, correspondendo a 0,87% do total de domicílios. Dos 630.041 domicílios com pelo menos um morador indígena, 137.256 estavam dentro de terras indígenas (21,79%) e 492.785 estavam localizados fora de terras indígenas (78,21%).

    A média de moradores nos domicílios onde havia pelo menos uma pessoa indígena era de 3,64. Dentro das terras indígenas, era de 4,6 pessoas e fora das terras indígenas, de 3,37 pessoas. Em todos os casos, foi mais alta do que no total de domicílios do país (2,79).

    Amazônia Legal

    Foram contadas 867.919 pessoas indígenas nos municípios da Amazônia Legal, o que representa 3,26% da população residente total da região, sendo 51,25% do total da população indígena residente no Brasil.

    Na Amazônia Legal, foram recenseados 403.287 indígenas residindo em terras indígenas, o que representa 64,83% da população indígena nacional residindo em terras indígenas.

    A presença da população indígena residente na Amazônia Legal nos territórios oficialmente delimitados é superior ao quadro nacional: enquanto na Amazônia Legal 46,47% da população indígena reside em terras indígenas, para o conjunto do país, esse percentual é de 36,73%.

    A liderança indígena Junior Yanomami reconhece que as equipes do IBGE enfrentaram muitas dificuldades para chegar a comunidades isoladas na Amazônia ameaçadas por garimpeiros e madeireiros. “Queremos viver em paz e ter a proteção real dos povos indígenas e da floresta com segurança, saúde e educação”, disse, reconhecendo a importância do censo para acesso a políticas públicas.

  • População de Salvador encolheu quase 10% nos últimos 12 anos

    Imagine o trânsito no horário de pico, as avenidas, o metrô lotado e os ônibus cheios. Pode parecer estranho, mas a população de Salvador encolheu -9,6% nos últimos 12 anos. Dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), divulgados nesta quarta-feira (28), revelam que a cidade perdeu 257 mil moradores, entre 2010 e 2022, sendo esta a maior queda dentre as capitais e a segunda maior em todo o Brasil.

    O único município que teve redução populacional absoluta maior que Salvador foi São Gonçalo (RJ), com -10,3%. Até 2010, a capital baiana era a 3ª cidade mais populosa do Brasil, atrás apenas de São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). Agora, foi ultrapassada por Brasília (DF) e Fortaleza (CE). São 2,4 milhões de soteropolitanos. O superintendente do IBGE, André Urpia, conta que é preciso observar o contexto para entender os números.

    “Enquanto Salvador teve redução populacional, cidades vizinhas como Lauro de Freitas e Camaçari registraram crescimento no número de moradores e de domicílios. Nesses últimos 12 anos, foram construídos muitos empreendimentos nessas cidades. Além disso, a pandemia possibilitou o home office, que pessoas pudessem trabalhar de qualquer lugar mesmo atuando em Salvador”, disse.

    Ele acredita que esse processo migratório foi responsável também pelo aumento populacional em seis dos dez municípios da Região Metropolitana que fazem parte da Grande Salvador. Os números mais expressivos foram em Lauro de Freitas (24,4%), Camaçari (23,3%) e São Francisco do Conde (13,7%), mas também houve crescimento em Dias D’Ávila, Madre de Deus e Mata de São João.

    Estudante de Medicina Veterinária, Maria Eduarda Gomes, 23, foi uma das pessoas que deixaram a capital para buscar novos rumos na RMS, mais especificamente em Abrantes, distrito do município de Camaçari. A escolha pelo novo local de morada se deu em consenso com a família, que à época havia decidido se mudar do apartamento que a estudante morava desde que nasceu.

    "O custo de moradia em Salvador está muito alto, então, na Região Metropolitana, consigo morar melhor pagando muito menos. Quando digo morar melhor, quero dizer com mais segurança, em bairros mais tranquilos e casas maiores", esclarece a jovem.

    Na contramão do aumento populacional entre as cidades da RMS, ficaram Salvador, São Sebastião do Passé, Simões Filho e Candeias, onde ocorreram reduções. Os recenseadores identificaram 3,3 milhões de pessoas vivendo nos dez municípios citados, o que representou queda de 4,7% na comparação com 2010.

    Mesmo com a capital reduzindo o número de moradores, a população da Bahia aumentou. Segundo o Censo do IBGE, o crescimento foi de 10 mil novos habitantes por ano (119 mil, no total). Em geral, os baianos estão fugindo dos grandes centros urbanos e buscando cada vez mais o interior.

    O doutor em Ciências Sociais e professor titular do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Unifacs, Laumar Neves, explica que fatores relacionados a mortalidade e fecundidade também estão relacionados a essa mudança de comportamento.

    “Historicamente, Salvador foi uma cidade que atraiu a população do interior que se deslocava para a capital em busca de novas oportunidades de trabalho e melhores condições de vida. Nos últimos anos, as cidades da Região Metropolitana deixaram de ser atrativas, a taxa de desemprego é alta e as condições de vida não são fáceis”, disse.

    O professor lembrou que os grandes centros enfrentam problemas sociais, como maior insegurança e dificuldade de acesso a serviços, e que o custo de vida e do solo são mais caros. No caso de Salvador, melhorias no transporte público facilitaram a integração com regiões como Lauro de Freitas e Camaçari, onde o preço de casas e apartamentos são mais baixo. Além disso, a mortalidade é maior nas metrópoles, seja pela violência, seja por questões de saúde.

    “Salvador e outros centros urbanos registraram muitas mortes na pandemia, e muita gente mudou para o interior. O crescimento das cidades de pequeno e médio porte traz um desafio para o poder público que será como ordenar o solo e melhorar a prestação de serviços nesses locais, porque no Brasil o crescimento populacional se faz acompanhar pela desigualdade social e aumento da pobreza”, afirmou.

    A oferta de políticas públicas, como construção de universidades em municípios do interior e incentivos ficais para o agronegócio, atraem investimentos privados e mais pessoas para essas cidades. Um exemplo é Luís Eduardo Magalhães, no Oeste do estado. Em 2010, a cidade tinha 60,1 mil habitantes. Em 2022, contabilizou 107,9 mil moradores, um aumento proporcional de 79,5% da população.

    O crescimento é visto positivamente pelo prefeito de Luís Eduardo Magalhães, Junior Maraba (DEM. Ele atribui a alta populacional não só à força do agronegócio, mas também ao planejamento municipal. "Atrás dessa máquina do agro, existe toda uma operação de um município. [...] Hoje, além da melhoria na prestação dos serviços públicos e do grande programa de urbanização que estamos realizando, nós focamos na qualificação da mão de obra da população para que ela receba esse impacto, transformando isso em oportunidades de negócios e na qualidade do serviço ofertado. Uma coisa é fato: aonde existe emprego, existe crescimento. Ninguém se muda para uma cidade que não tem trabalho", frisa.

    Já Vitória da Conquista, no Sudoeste do estado, foi o município que mais cresceu em termos absolutos. Segundo o IBGE, em 2010, a cidade tinha 306 mil habitantes. Em 2022, são 370 mil, aumento de 64 mil pessoas ou 20,9% a mais da população. Em seguida, aparecem Feira de Santana, com 59 mil moradores a mais, e Camaçari, com 56 mil.

    Para a prefeitura do município, o crescimento é puxado pelas oportunidades de investimento. “A nossa cidade é polo e atrai um quantitativo importante de pessoas de toda a região, inclusive do norte de Minas, que buscam serviços aqui”, afirma a gestão municipal. Apesar do crescimento ser visto com bons olhos, a prefeitura admite que ela sobrecarrega a malha viária, o sistema de saúde pública e de transporte público.

    “Com o novo levantamento, esperamos que os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e das outras rubricas tenham a mesma proporção de crescimento. De nossa parte, vamos continuar o trabalho para organizar e planejar a urbanização, o saneamento, os serviços de educação, saúde e desenvolvimento social, além de criar um ambiente permeável para as atividades econômicas”, destaca.

    Também no Sudoeste do Estado foi registrado outro destaque no levantamento feito pelo Censo 2022. O município de Caatiba, que antes era um povoado denominado Riachão, apresentou a menor redução proporcional de sua população, encolhendo -45,7%. A reportagem tentou entrar em contato com a prefeitura através dos canais oficiais disponibilizados no site do munícipio, mas não obteve sucesso.

    Moradia

    O número de moradores por domicílio também reduziu em todo o país, incluindo a Bahia e Salvador. A pedagoga Michele Santos, 29 anos, sempre viveu em uma casa com muita gente, mas, em 2017, resolveu deixar a residência dos familiares, em Santa Luzia do Lobato, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, onde vivia com mais cinco pessoas. Primeiro, ela dividiu apartamento com uma amiga, e depois, passou a morar sozinha.

    “A mudança foi por questões pessoais e de necessidade. Sempre tive a meta de que quando conseguisse um emprego legal e a grana permitisse morar sozinha, ainda que de aluguel, faria isso. Tirando alguns perrengues, a gente aprende a administrar nossa própria vida, cresce diante das dificuldades, traça planos para buscar sempre oportunidades melhores e vive em paz”, conta.

    Na capital baiana, a média é de 2,5 moradores por imóvel, no estado o percentual é de 2,8 habitantes. Os especialistas afirmam que esse cenário é resultado de várias escolhas. Em geral, as famílias têm optado por ter menos filhos. Segundo o Banco Central, a taxa de fecundidade, que mede a quantidade de nascimentos de crianças por mulher, está em 1,65 no Brasil, menor que a de países como México (1,90) e Argentina (1,91).

    A redução de filhos é percebida em todas as camadas sociais, está decrescendo desde a década de 1960 e diretamente ligada aos métodos contraceptivos e a mudança do papel da mulher na sociedade. A participação feminina no mercado de trabalho, movimentos de conscientização e novos objetivos profissionais e acadêmicos têm levado às famílias a postergar a chegada e a quantidade de bebês.

    Em termos de moradias, o estado registrou crescimento nos três modelos pesquisados. Dos 6.873.605 domicílios visitados pelos recenseadores na Bahia, o número de ocupados aumentou 23,9%, o de vagos cresceu 78,1% e o de uso ocasional pouco mais que dobrou, aumentando 102,3%. Os modelos vagos, ou seja, sem moradores, e os de uso ocasional, como casas de praia e veraneio, foram os que mais aumentaram.

    Censo sofreu com corte de recursos, paralisações e resistência de moradores

    O Censo Demográfico de 2022 está sendo divulgado com atraso. A pesquisa deveria ter sido feita em 2020, mas foi protelada, primeiro, por conta da pandemia, e depois, por falta de recursos. O Governo Federal adiou por duas vezes alegando não ter dinheiro. Quando o levantamento finalmente começou, a previsão era concluir tudo até dezembro de 2022, mas houve paralisações de recenseadores e resistência de moradores.

    Ainda assim, na Bahia apenas 2,28% dos domicílios não responderam, percentual abaixo da média nacional de 4,24%. O recenseador Carlos Gama, 31 anos, foi matéria no CORREIO depois de entregar 82 bilhetes nos apartamentos da Pituba e do Itaigara para tentar sensibilizar os moradores.

    “Deu muito certo. Inclusive facilitou muito o acesso aos condomínios após a publicação da matéria. Deu maior credibilidade na hora de convencer administradores e síndicos dos condomínios”, conta.

    Na Bahia, foram recenseados 5.086.813 domicílios. Em Salvador, houve crescimento de 25,9% no número de moradias pesquisadas, na comparação com 2010, foram 1.212.328 imóveis. Carlos disse estar orgulhoso do resultado.

    “É gratificante demais. Não tem outra palavra melhor. Espero agora que com as informações captadas tenhamos as devidas melhorias em educação, segurança pública, saúde e saneamento básico. Agora a torcida é para que todas as informações sejam utilizadas de maneira a ajudar a população efetivamente”, afirma.

    ‘Confesso esperava um aumento’, diz prefeito de Salvador

    O prefeito Bruno Reis (União Brasil) foi questionado sobre a redução populacional registrada pelo IBGE em Salvador e comentou, durante o lançamento de um programa municipal para pessoas em situação de rua, que ainda precisa avaliar os números com calma, e afirmou que o resultado foi uma surpresa.

    “Confesso que imaginava que tivesse um crescimento da população de Salvador. É comum termos uma migração das cidades do interior para a capital por conta da crise social e das consequências da pandemia. Preciso avaliar esses números, mas confesso que minha expectativa era que tivesse algum aumento”, afirmou.

    Bruno Reis disse que as equipes da prefeitura vão se debruçar sobre os dados, fazer comparativos e análises, mas frisou que confia no levantamento do IBGE.

    “Preciso analisar mais friamente esses números, ver se eles efetivamente correspondem aos números que nós temos, principalmente o de pessoas que são atendidas no Sistema Único de Saúde, e verificar os dados de toda a nossa rede social para fazer esse cruzamento, mas é óbvio que o IBGE é um Instituto extremamente confiável, não dá para questionar”, disse.

    SEI vai atualizar estudos econômicos e sociais após resultados do Censo 2022

    A Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI-BA), órgão responsável pela elaboração de estudos e pesquisas para subsidiar o planejamento do Governo do Estado, deve atualizar em breve os estudos sobre o Fundo de Pactuação dos Municípios, que vai definir se os municípios que tiveram populacional vão receber mais verbas após os resultados divulgados pelo Censo 2022.

    “O Fundo de Pactuação dos Municípios, hoje, é a principal fonte de renda da maioria dos municípios, principalmente dos menores. O Fundo depende de um rateio com todos os municípios do Brasil, então vamos entender melhor essa dinâmica ao longo dos próximos dias, semanas e meses para saber os impactos mais imediatos”, afirma Rodrigo Cerqueira, economista e técnico da SEI.

    Antes mesmo da atualização do estudo ser feito, Cerqueira adianta que já são esperadas mudanças no planejamento de políticas públicas, perpassando decisões sobre creches, escolas e hospitais públicos. Para ele, há muito trabalho a ser feito porque houve, ao longo dos últimos 12 anos, uma discrepância entre as projeções realizadas anualmente pelo IBGE e os resultados preliminares do Censo 2022.

    “Comparando esses resultados que saíram do Censo 2022 com os resultados das estimativas e projeções, nós vemos uma discrepância muito grande, porque, entre 2010 e 2020, não teve o Censo. Tínhamos que ter em 2020 e também não teve, não havendo a contagem populacional no meio da década. Essa contagem é extremamente importante para fazer a calibração das estimativas e projeções”, ressalta Rodrigo.

    Ainda segundo o técnico, haverá um estudo da SEI sobre os números populacionais de Salvador, única surpresa para o órgão entre os dados divulgados pelo IBGE. A pasta se surpreendeu porque esperava uma população parecida com a de 2010 na capital baiana. Por outro lado, alegou já esperar o baixo crescimento populacional da Bahia e preferiu, ao ser questionado, não associar o fato à pandemia de covid-19 por enquanto. “Precisamos nos debruçar ainda sobre esses dados para fazer uma leitura assertiva”, finalizou.

    Confira os cinco municípios que mais cresceram a população em termos absolutos:

    1. Vitória da Conquista – 64 mil habitantes a mais

    2. Feira de Santana – 59,6 mil habitantes a mais

    3. Camaçari – 56,6 mil habitantes a mais

    4. Luís Eduardo Magalhães – 47,8 mil habitantes a mais

    5. Porto Seguro – 41 mil habitantes a mais

    Confira os cinco municípios que reduziram a população em termos absolutos:

    • Salvador (-257,6 mil)

    • Itabuna (-17,9 mil)

    • Candeias (-10,7 mil)

    • Camacan (-8,8 mil)

    • Ubatã (-8,8 mil)

    Confira os cinco municípios que cresceram a população em termos proporcionais:

    • Luís Eduardo Magalhães – 79,5% de crescimento

    • Nordestina – 48,8%

    • Rodelas – 32,6%

    • Porto Seguro – 32,3%

    • Catolândia – 31,5%

    Confira os cinco municípios que reduziram a população em termos proporcionais:

    • Caatiba (-45,7%)

    • Ubatã (-35,6%)

    • Gongogi (-33,6%)

    • Santa Cruz da Vitória (-29,9%)

    • Novo triunfo (29,2%)

    Veja os dez municípios brasileiros com maior população:

    • São Paulo (SP) – 11,4 milhões

    • Rio de Janeiro (RJ) – 6,2 milhões

    • Brasília (DF) – 2,8 milhões

    • Fortaleza (CE) – 2,4 milhões

    • Salvador (BA) – 2,4 milhões

    • Belo Horizonte (MG) – 2,3 milhões

    • Manaus (AM) – 2 milhões

    • Curitiba (PR) – 1,7 milhão

    • Recife (PE) – 1,4 milhão

    • Goiânia (GO) – 1,4 milhão

    Confira os estados que tiveram menos crescimento populacional:

    • Alagoas (0,2%)

    • Rio de Janeiro (0,4%)

    • Bahia (0,9%)

    • Rondônia (1,2%)

    • Rio Grande do Sul (1,7%)

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