Imagine o trânsito no horário de pico, as avenidas, o metrô lotado e os ônibus cheios. Pode parecer estranho, mas a população de Salvador encolheu -9,6% nos últimos 12 anos. Dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), divulgados nesta quarta-feira (28), revelam que a cidade perdeu 257 mil moradores, entre 2010 e 2022, sendo esta a maior queda dentre as capitais e a segunda maior em todo o Brasil.
O único município que teve redução populacional absoluta maior que Salvador foi São Gonçalo (RJ), com -10,3%. Até 2010, a capital baiana era a 3ª cidade mais populosa do Brasil, atrás apenas de São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). Agora, foi ultrapassada por Brasília (DF) e Fortaleza (CE). São 2,4 milhões de soteropolitanos. O superintendente do IBGE, André Urpia, conta que é preciso observar o contexto para entender os números.
“Enquanto Salvador teve redução populacional, cidades vizinhas como Lauro de Freitas e Camaçari registraram crescimento no número de moradores e de domicílios. Nesses últimos 12 anos, foram construídos muitos empreendimentos nessas cidades. Além disso, a pandemia possibilitou o home office, que pessoas pudessem trabalhar de qualquer lugar mesmo atuando em Salvador”, disse.
Ele acredita que esse processo migratório foi responsável também pelo aumento populacional em seis dos dez municípios da Região Metropolitana que fazem parte da Grande Salvador. Os números mais expressivos foram em Lauro de Freitas (24,4%), Camaçari (23,3%) e São Francisco do Conde (13,7%), mas também houve crescimento em Dias D’Ávila, Madre de Deus e Mata de São João.
Estudante de Medicina Veterinária, Maria Eduarda Gomes, 23, foi uma das pessoas que deixaram a capital para buscar novos rumos na RMS, mais especificamente em Abrantes, distrito do município de Camaçari. A escolha pelo novo local de morada se deu em consenso com a família, que à época havia decidido se mudar do apartamento que a estudante morava desde que nasceu.
"O custo de moradia em Salvador está muito alto, então, na Região Metropolitana, consigo morar melhor pagando muito menos. Quando digo morar melhor, quero dizer com mais segurança, em bairros mais tranquilos e casas maiores", esclarece a jovem.
Na contramão do aumento populacional entre as cidades da RMS, ficaram Salvador, São Sebastião do Passé, Simões Filho e Candeias, onde ocorreram reduções. Os recenseadores identificaram 3,3 milhões de pessoas vivendo nos dez municípios citados, o que representou queda de 4,7% na comparação com 2010.
Mesmo com a capital reduzindo o número de moradores, a população da Bahia aumentou. Segundo o Censo do IBGE, o crescimento foi de 10 mil novos habitantes por ano (119 mil, no total). Em geral, os baianos estão fugindo dos grandes centros urbanos e buscando cada vez mais o interior.
O doutor em Ciências Sociais e professor titular do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Unifacs, Laumar Neves, explica que fatores relacionados a mortalidade e fecundidade também estão relacionados a essa mudança de comportamento.
“Historicamente, Salvador foi uma cidade que atraiu a população do interior que se deslocava para a capital em busca de novas oportunidades de trabalho e melhores condições de vida. Nos últimos anos, as cidades da Região Metropolitana deixaram de ser atrativas, a taxa de desemprego é alta e as condições de vida não são fáceis”, disse.
O professor lembrou que os grandes centros enfrentam problemas sociais, como maior insegurança e dificuldade de acesso a serviços, e que o custo de vida e do solo são mais caros. No caso de Salvador, melhorias no transporte público facilitaram a integração com regiões como Lauro de Freitas e Camaçari, onde o preço de casas e apartamentos são mais baixo. Além disso, a mortalidade é maior nas metrópoles, seja pela violência, seja por questões de saúde.
“Salvador e outros centros urbanos registraram muitas mortes na pandemia, e muita gente mudou para o interior. O crescimento das cidades de pequeno e médio porte traz um desafio para o poder público que será como ordenar o solo e melhorar a prestação de serviços nesses locais, porque no Brasil o crescimento populacional se faz acompanhar pela desigualdade social e aumento da pobreza”, afirmou.
A oferta de políticas públicas, como construção de universidades em municípios do interior e incentivos ficais para o agronegócio, atraem investimentos privados e mais pessoas para essas cidades. Um exemplo é Luís Eduardo Magalhães, no Oeste do estado. Em 2010, a cidade tinha 60,1 mil habitantes. Em 2022, contabilizou 107,9 mil moradores, um aumento proporcional de 79,5% da população.
O crescimento é visto positivamente pelo prefeito de Luís Eduardo Magalhães, Junior Maraba (DEM. Ele atribui a alta populacional não só à força do agronegócio, mas também ao planejamento municipal. "Atrás dessa máquina do agro, existe toda uma operação de um município. [...] Hoje, além da melhoria na prestação dos serviços públicos e do grande programa de urbanização que estamos realizando, nós focamos na qualificação da mão de obra da população para que ela receba esse impacto, transformando isso em oportunidades de negócios e na qualidade do serviço ofertado. Uma coisa é fato: aonde existe emprego, existe crescimento. Ninguém se muda para uma cidade que não tem trabalho", frisa.
Já Vitória da Conquista, no Sudoeste do estado, foi o município que mais cresceu em termos absolutos. Segundo o IBGE, em 2010, a cidade tinha 306 mil habitantes. Em 2022, são 370 mil, aumento de 64 mil pessoas ou 20,9% a mais da população. Em seguida, aparecem Feira de Santana, com 59 mil moradores a mais, e Camaçari, com 56 mil.
Para a prefeitura do município, o crescimento é puxado pelas oportunidades de investimento. “A nossa cidade é polo e atrai um quantitativo importante de pessoas de toda a região, inclusive do norte de Minas, que buscam serviços aqui”, afirma a gestão municipal. Apesar do crescimento ser visto com bons olhos, a prefeitura admite que ela sobrecarrega a malha viária, o sistema de saúde pública e de transporte público.
“Com o novo levantamento, esperamos que os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e das outras rubricas tenham a mesma proporção de crescimento. De nossa parte, vamos continuar o trabalho para organizar e planejar a urbanização, o saneamento, os serviços de educação, saúde e desenvolvimento social, além de criar um ambiente permeável para as atividades econômicas”, destaca.
Também no Sudoeste do Estado foi registrado outro destaque no levantamento feito pelo Censo 2022. O município de Caatiba, que antes era um povoado denominado Riachão, apresentou a menor redução proporcional de sua população, encolhendo -45,7%. A reportagem tentou entrar em contato com a prefeitura através dos canais oficiais disponibilizados no site do munícipio, mas não obteve sucesso.
Moradia
O número de moradores por domicílio também reduziu em todo o país, incluindo a Bahia e Salvador. A pedagoga Michele Santos, 29 anos, sempre viveu em uma casa com muita gente, mas, em 2017, resolveu deixar a residência dos familiares, em Santa Luzia do Lobato, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, onde vivia com mais cinco pessoas. Primeiro, ela dividiu apartamento com uma amiga, e depois, passou a morar sozinha.
“A mudança foi por questões pessoais e de necessidade. Sempre tive a meta de que quando conseguisse um emprego legal e a grana permitisse morar sozinha, ainda que de aluguel, faria isso. Tirando alguns perrengues, a gente aprende a administrar nossa própria vida, cresce diante das dificuldades, traça planos para buscar sempre oportunidades melhores e vive em paz”, conta.
Na capital baiana, a média é de 2,5 moradores por imóvel, no estado o percentual é de 2,8 habitantes. Os especialistas afirmam que esse cenário é resultado de várias escolhas. Em geral, as famílias têm optado por ter menos filhos. Segundo o Banco Central, a taxa de fecundidade, que mede a quantidade de nascimentos de crianças por mulher, está em 1,65 no Brasil, menor que a de países como México (1,90) e Argentina (1,91).
A redução de filhos é percebida em todas as camadas sociais, está decrescendo desde a década de 1960 e diretamente ligada aos métodos contraceptivos e a mudança do papel da mulher na sociedade. A participação feminina no mercado de trabalho, movimentos de conscientização e novos objetivos profissionais e acadêmicos têm levado às famílias a postergar a chegada e a quantidade de bebês.
Em termos de moradias, o estado registrou crescimento nos três modelos pesquisados. Dos 6.873.605 domicílios visitados pelos recenseadores na Bahia, o número de ocupados aumentou 23,9%, o de vagos cresceu 78,1% e o de uso ocasional pouco mais que dobrou, aumentando 102,3%. Os modelos vagos, ou seja, sem moradores, e os de uso ocasional, como casas de praia e veraneio, foram os que mais aumentaram.
Censo sofreu com corte de recursos, paralisações e resistência de moradores
O Censo Demográfico de 2022 está sendo divulgado com atraso. A pesquisa deveria ter sido feita em 2020, mas foi protelada, primeiro, por conta da pandemia, e depois, por falta de recursos. O Governo Federal adiou por duas vezes alegando não ter dinheiro. Quando o levantamento finalmente começou, a previsão era concluir tudo até dezembro de 2022, mas houve paralisações de recenseadores e resistência de moradores.
Ainda assim, na Bahia apenas 2,28% dos domicílios não responderam, percentual abaixo da média nacional de 4,24%. O recenseador Carlos Gama, 31 anos, foi matéria no CORREIO depois de entregar 82 bilhetes nos apartamentos da Pituba e do Itaigara para tentar sensibilizar os moradores.
“Deu muito certo. Inclusive facilitou muito o acesso aos condomínios após a publicação da matéria. Deu maior credibilidade na hora de convencer administradores e síndicos dos condomínios”, conta.
Na Bahia, foram recenseados 5.086.813 domicílios. Em Salvador, houve crescimento de 25,9% no número de moradias pesquisadas, na comparação com 2010, foram 1.212.328 imóveis. Carlos disse estar orgulhoso do resultado.
“É gratificante demais. Não tem outra palavra melhor. Espero agora que com as informações captadas tenhamos as devidas melhorias em educação, segurança pública, saúde e saneamento básico. Agora a torcida é para que todas as informações sejam utilizadas de maneira a ajudar a população efetivamente”, afirma.
‘Confesso esperava um aumento’, diz prefeito de Salvador
O prefeito Bruno Reis (União Brasil) foi questionado sobre a redução populacional registrada pelo IBGE em Salvador e comentou, durante o lançamento de um programa municipal para pessoas em situação de rua, que ainda precisa avaliar os números com calma, e afirmou que o resultado foi uma surpresa.
“Confesso que imaginava que tivesse um crescimento da população de Salvador. É comum termos uma migração das cidades do interior para a capital por conta da crise social e das consequências da pandemia. Preciso avaliar esses números, mas confesso que minha expectativa era que tivesse algum aumento”, afirmou.
Bruno Reis disse que as equipes da prefeitura vão se debruçar sobre os dados, fazer comparativos e análises, mas frisou que confia no levantamento do IBGE.
“Preciso analisar mais friamente esses números, ver se eles efetivamente correspondem aos números que nós temos, principalmente o de pessoas que são atendidas no Sistema Único de Saúde, e verificar os dados de toda a nossa rede social para fazer esse cruzamento, mas é óbvio que o IBGE é um Instituto extremamente confiável, não dá para questionar”, disse.
SEI vai atualizar estudos econômicos e sociais após resultados do Censo 2022
A Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI-BA), órgão responsável pela elaboração de estudos e pesquisas para subsidiar o planejamento do Governo do Estado, deve atualizar em breve os estudos sobre o Fundo de Pactuação dos Municípios, que vai definir se os municípios que tiveram populacional vão receber mais verbas após os resultados divulgados pelo Censo 2022.
“O Fundo de Pactuação dos Municípios, hoje, é a principal fonte de renda da maioria dos municípios, principalmente dos menores. O Fundo depende de um rateio com todos os municípios do Brasil, então vamos entender melhor essa dinâmica ao longo dos próximos dias, semanas e meses para saber os impactos mais imediatos”, afirma Rodrigo Cerqueira, economista e técnico da SEI.
Antes mesmo da atualização do estudo ser feito, Cerqueira adianta que já são esperadas mudanças no planejamento de políticas públicas, perpassando decisões sobre creches, escolas e hospitais públicos. Para ele, há muito trabalho a ser feito porque houve, ao longo dos últimos 12 anos, uma discrepância entre as projeções realizadas anualmente pelo IBGE e os resultados preliminares do Censo 2022.
“Comparando esses resultados que saíram do Censo 2022 com os resultados das estimativas e projeções, nós vemos uma discrepância muito grande, porque, entre 2010 e 2020, não teve o Censo. Tínhamos que ter em 2020 e também não teve, não havendo a contagem populacional no meio da década. Essa contagem é extremamente importante para fazer a calibração das estimativas e projeções”, ressalta Rodrigo.
Ainda segundo o técnico, haverá um estudo da SEI sobre os números populacionais de Salvador, única surpresa para o órgão entre os dados divulgados pelo IBGE. A pasta se surpreendeu porque esperava uma população parecida com a de 2010 na capital baiana. Por outro lado, alegou já esperar o baixo crescimento populacional da Bahia e preferiu, ao ser questionado, não associar o fato à pandemia de covid-19 por enquanto. “Precisamos nos debruçar ainda sobre esses dados para fazer uma leitura assertiva”, finalizou.
Confira os cinco municípios que mais cresceram a população em termos absolutos:
1. Vitória da Conquista – 64 mil habitantes a mais
2. Feira de Santana – 59,6 mil habitantes a mais
3. Camaçari – 56,6 mil habitantes a mais
4. Luís Eduardo Magalhães – 47,8 mil habitantes a mais
5. Porto Seguro – 41 mil habitantes a mais
Confira os cinco municípios que reduziram a população em termos absolutos:
• Salvador (-257,6 mil)
• Itabuna (-17,9 mil)
• Candeias (-10,7 mil)
• Camacan (-8,8 mil)
• Ubatã (-8,8 mil)
Confira os cinco municípios que cresceram a população em termos proporcionais:
• Luís Eduardo Magalhães – 79,5% de crescimento
• Nordestina – 48,8%
• Rodelas – 32,6%
• Porto Seguro – 32,3%
• Catolândia – 31,5%
Confira os cinco municípios que reduziram a população em termos proporcionais:
• Caatiba (-45,7%)
• Ubatã (-35,6%)
• Gongogi (-33,6%)
• Santa Cruz da Vitória (-29,9%)
• Novo triunfo (29,2%)
Veja os dez municípios brasileiros com maior população:
• São Paulo (SP) – 11,4 milhões
• Rio de Janeiro (RJ) – 6,2 milhões
• Brasília (DF) – 2,8 milhões
• Fortaleza (CE) – 2,4 milhões
• Salvador (BA) – 2,4 milhões
• Belo Horizonte (MG) – 2,3 milhões
• Manaus (AM) – 2 milhões
• Curitiba (PR) – 1,7 milhão
• Recife (PE) – 1,4 milhão
• Goiânia (GO) – 1,4 milhão
Confira os estados que tiveram menos crescimento populacional:
• Alagoas (0,2%)
• Rio de Janeiro (0,4%)
• Bahia (0,9%)
• Rondônia (1,2%)
• Rio Grande do Sul (1,7%)