Maioria do STF decide que homofobia é crime

Maioria do STF decide que homofobia é crime

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) considera que a homofobia é crime, equiparando as penas por ofensas a homossexuais e a transexuais às previstas na lei contra o racismo. Uma das principais reivindicações de militantes LGBT no país, o tema chegou à Corte por meio de duas ações, movidas pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT) e o Partido Popular Socialista (PPS), em 2012 e 2013, respectivamente. O julgamento foi iniciado em fevereiro e, embora seis dos onze ministros já tenham votado pela penalização do crime com até três anos de prisão, a discussão foi suspensa antes de chegar ao fim, e deve ser retomada no próximo dia 5 de junho.

Num país clivado pela polarização política e pela "guerra cultural" entre progressistas e bolsonaristas, o debate no Supremo se transformou em mais um capítulo da disputa entre parte do Legislativo e a cúpula do Judiciário. Expoentes da bancada conservadora no Congresso, empoderados com a chegada do Governo ultradireitista de Bolsonaro ao Planalto, acusam a Corte de querer legislar em temas de costumes, sem ter poder para tal, enquanto os magistrados argumentam que têm independência para fazê-lo e que é dever do Judiciário proteger as minorias sociais. As ações em julgamento acabam tocando diretamente no ponto: elas pedem a fixação de um prazo para que seja criada uma lei específica para os crimes de homofobia. Ou seja, pedem que o STF inste o Parlamento a criar uma legislação e, até lá, estabeleça uma tipificação provisória. Apesar da maioria formada sobre o criminalização da homofobia, o STF ainda não deliberou sobre esse prazo.

A sessão desta quinta começou discutindo justamente se o Supremo deveria avançar no debate sobre a homofobia ou esperar pelo Parlamento. O motivo é que o julgamento ocorreu apenas um dia depois de avançar no Senado um projeto sobre o mesmo tema. Na quarta-feira, e tendo no horizonte a votação na Corte, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) o PL 672/2019, que prevê incluir na Lei de Racismo a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. Minutos antes da retomada da discussão no Supremo, o Senado enviou ao tribunal uma petição demonstrando que o tema já estava sendo apreciado no Congresso.

O presidente da Corte, Antonio Dias Toffoli, decidiu então colocar a questão em votação: julgar ou esperar os congressistas? "A preservação da integridade física e moral das pessoas não deve esperar", defendeu o ministro Luís Roberto Barroso. "Quem é atacado e discriminado tem pressa", completou. Já Toffoli, a favor da interrupção do julgamento, defendeu inclusive que a discussão sobre homofobia já havia causado efeito na redução da violência contra esse grupo. “Ao que tudo indica, já houve diminuição nas agressões e na violência”, afirmou, sem citar números. A tentativa de Toffoli de não acirrar ainda mais os ânimos com os conservadores do Congresso falhou. Por 9 a 2, o julgamento foi retomado.

Durante a sessão, o decano do STF, Celso de Mello, decidiu responder diretamente aos parlamentares conservadores que pedem seu impeachment justamente porque ele e outros três magistrados votaram para criminalizar a homofobia. O pedido de destituição foi feito pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), uma das entusiastas da mobilização pró-Governo Bolsonaro marcada para o próximo domingo e que tem como um alvo das críticas o próprio Supremo. Mello disse que o pedido de impeachment era "manifestação de superlativa intolerância por parte dos denunciantes". “Sem juízes independentes não há cidadãos livres", afirmou.

O embate está longe de ter fim. Além da questão LGBT, há ainda o tema da política antidrogas. Na semana passada, o Senado aprovou lei que endurece a política antidrogas, às vésperas de o Supremo retomar julgamento sobre a descriminalização do uso e porte de maconha, que está parado desde 2015. Tanto a criminalização da homofobia como o tema da maconha devem voltar ao plenário em 5 de junho.

Caminho no Senado e religião
Boa parte do movimento LGBT comemorou a formação de maioria no Supremo para criminalizar a homofobia —ainda que setores, especialmente ligados ao movimento negro, critiquem a abordagem "punitivista" da legislação proposta, pelo seu potencial de acabar levando à cadeia mais negros e pobres, como acontece em todos os demais crimes.

No Parlamento, como esperado, integrantes das bancadas mais conservadoras lamentaram em meio a expectativa de que o PL 672/2019 aprovado na CCJ siga tramitando. O texto deve passar novamente pela comissão antes de seguir para a Câmara dos Deputados, já que o projeto aprovado é diferente do original apresentado aos deputados.

De acordo com o texto aprovado na CCJ do Senado, estão sujeitos a punição de até cinco anos de prisão os crimes em decorrência de preconceito com identidade de gênero e/ou orientação sexual, igualando-os aos crimes por preconceito de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Também ficou estabelecida pena de um a três anos de reclusão para quem "impedir o acesso ou recusar o atendimento em restaurantes, bares, confeitarias ou locais semelhantes abertos ao público".

Às punições, foi acrescentada pena para quem impedir ou restringir "manifestação razoável de afetividade de qualquer pessoa em local público ou privado aberto ao público", com uma ressalva a templos religiosos. Mas não fica claro o que significa "manifestação razoável de afetividade".

A comunidade religiosa e principalmente a evangélica entrou na discussão argumentando temer pela liberdade de expressão. As lideranças dizem se preocupar com a possibilidade de que a eventual criminalização da homofobia os impeça de pregar que o relacionamento íntimo entre pessoas do mesmo sexo constitui pecado. Ou mesmo que sejam obrigados a celebrar a união homoafetiva.

Fonte: El País

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    Barroso também vai presidir o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O vice-presidente do STF será o ministro Edson Fachin.

    Perfil

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    O ministro nasceu em Vassouras (RJ), é doutor em direito público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e mestre em direito pela Yale Law School, nos Estados Unidos.

    Antes de chegar ao Supremo, atuou como advogado privado e defendeu diversas causas na Corte, entre elas a interrupção da gravidez nos casos de fetos anencéfalos, pesquisas com células-tronco, união homoafetiva e a defesa do ex-ativista Cesare Battisti.

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    O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para autorizar a cobrança de contribuição assistencial fixada em acordo coletivo mesmo de trabalhadores não sindicalizados. O julgamento foi retomado nesta sexta-feira, 1º de setembro, em sessão virtual que vai até o dia 11 de setembro. Até o momento, há seis ministros favoráveis à cobrança: o relator, Gilmar Mendes, e os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes.

    A contribuição assistencial é destinada ao custeio de atividades do sindicato, principalmente negociações coletivas. É diferente do imposto sindical, que era obrigatório a todos os trabalhadores e empresas, mas se tornou opcional em 2017, com a reforma trabalhista. O Supremo validou esse dispositivo da reforma em 2018.

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    A preocupação, de acordo com Zavanella, é que o ambiente para a discussão pode ser hostil e gerar constrangimentos, o que dificultaria o direito pleno à oposição. Além disso, o professor ressalta que não há delimitação do valor ou periodicidade da cobrança - pontos que são definidos em assembleia. O imposto sindical, que teve seu fim decretado pela reforma trabalhista, era correspondente a um dia de trabalho e era descontado uma vez por ano da folha de pagamento.

    Ainda segundo o especialista, há dúvidas sobre como a contribuição será operacionalizada pelas empresas, que precisarão lidar com dúvidas e questionamentos sobre o desconto verificado no salário. "O descontentamento das pessoas vai bater no RH", avalia.

    Na prática, os ministros formaram maioria para mudar entendimento anterior da Corte. Em 2017, o Supremo considerou inconstitucional a imposição de contribuição assistencial porque já existia o imposto sindical obrigatório. Agora, o STF julga recurso contra aquela decisão.

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  • STF retoma julgamento sobre marco temporal de terras indígenas

    O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (30) o julgamento do processo que trata da constitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

    Em junho deste ano, o julgamento foi suspenso após pedido de vista feito pelo ministro André Mendonça, que tinha até 90 dias para devolver o processo para julgamento, de acordo com as regras internas do Supremo.

    O placar do julgamento está em 2 votos a 1 contra o marco temporal. Edson Fachin e Alexandre de Moraes se manifestaram contra o entendimento, e Nunes Marques se manifestou a favor.

    Faltam os votos dos ministros André Mendonça, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e a presidente do tribunal, Rosa Weber.

    No julgamento, os ministros discutem o chamado marco temporal. Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época. Os indígenas são contra o entendimento.

    O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é questionada pela procuradoria do estado.

    Críticas

    O ministro Alexandre de Moraes proferiu o último voto sobre o marco temporal antes da interrupção do julgamento, em 7 de junho. Ele votou contra a tese do marco temporal. Para Moraes, o reconhecimento da posse de terras indígenas independe da existência de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988.

    Contudo, o ministro votou para garantir aos proprietários que têm títulos de propriedades localizadas em terras indígenas o direito de indenização integral para desapropriação.

    Moraes também definiu qu, se o governo federal não conseguir reaver a terra indígena, será possível fazer a compensação com outras terras equivalentes, "com expressa concordância" da comunidade indígena.

    O voto do ministro é criticado por organizações que atuam em defesa de indígenas. Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a tese é "desastrosa" e pode inviabilizar as demarcações.

    "Conclui-se que a proposta do ministro Alexandre de Moraes prejudica a proteção do direito constitucional indígena. Além do mais, coloca sobre os povos indígenas o peso de suportar os erros históricos cometidos pelo próprio Estado brasileiro, na medida em que a garantia dos direitos fundamentais sob suas terras de ocupação tradicional passará a depender da existência de recursos financeiros por parte do Estado brasileiro", declarou a entidade.

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também discordou do entendimento de Moraes. Para o Cimi, a possibilidade de indenização ou compensação de território vai aumentar os conflitos no campo.

    "Como poderia a União pagar, na forma de indenização, por uma terra que já é de sua propriedade? Respondemos: isso seria inimaginável, porque essa figura é inexistente e não há nenhuma margem para que o nosso universo jurídico constitucional a admita", afirmou o conselho.

    Mobilização

    A Apib convocou uma mobilização nacional para defender a derrubada da tese. Hoje e amanhã, a entidade pretende acompanhar o julgamento em Brasília.

    Na semana passada, coordenador jurídico da entidade, Maurício Terena, esteve em Genebra, na Suíça, e se reuniu com representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) para impedir retrocessos.

    "Solicitamos uma manifestação das Nações Unidas, para que qualquer tentativa de conciliação que restrinja o direito dos povos indígenas à terra seja considerada uma violação aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário", afirmou.

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