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Detento dava instruções sobre os locais que deveriam ser levados os carros roubados

Detento dava instruções sobre os locais que deveriam ser levados os carros roubados

Flagrado se comunicando por chamada de vídeo com um preso, um suspeito levou a polícia baiana a identificar uma quadrilha envolvida em pelo menos 30% dos roubos de veículos em Salvador e Região Metropolitana. No momento da ligação, o homem pegava instruções com o detento sobre para qual destino deveria levar o veículo roubado. O movimento foi visto por uma equipe da Polícia Militar, que trocou informações do ocorrido com a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), e cinco pessoas foram identificadas inicialmente.

Na noite desta terça-feira (15), policiais das forças da Secretaria de Segurança Pública e da própria Seap fizeram uma batida em três celas do prédio principal do Complexo Penitenciário da Mata Escura, numa operação batizada de ‘ZapCar’. A ação tinha como objetivo identificar dois líderes da suposta quadrilha e, com eles, acabaram sendo encontrados dez aparelhos telefônicos, duas baterias, seis fones de ouvido, cabos USB, cinco carregadores, uma faca e anotações diversas.

De acordo com o superintendente de gestão prisional, coronel Júlio César Ferreira, a ação de identificação do grupo foi resultado do trabalho de inteligência da Polícia Civil e da Polícia Penal. “As polícias foram até a cela do preso e nas outras duas laterais, fizeram uma abordagem e, enquanto eles estavam trancados, conseguiram encontrar o material”, conta.

Ainda segundo o coronel, dos cinco identificados, dois estavam presos no complexo e ao menos três atuavam do lado de fora, mas acredita-se que o número de participantes da quadrilha seja muito maior. Conforme apurado pelo CORREIO, um dos presos chama-se Alisson Matheus e é provável que ele seja o líder do bando. Os dois detentos são de meia idade, na faixa dos 30 anos, foram presos ainda esse ano e já possuem várias passagens por estelionato, receptação de veículos e formação de quadrilha. Ambos estão no presídio aguardando decisões da justiça e, por isso, a identidade deles não foi revelada.

O esquema
Mesmo presos, eles continuavam comandando roubos e vendendo carros pelo celular. Comandante da Operação Apolo da Polícia Militar, o major Elbert Vinhático, conta que a PM deu suporte à Seap na operação dentro e fora do presídio. O major explica que o esquema costumava funcionar da seguinte maneira: alguém ligava para os líderes presos e descrevia o modelo do carro que queriam, e os presos, por sua vez, acionavam os comparsas na rua para realizar o furto ou roubo do veículo encomendado.

“Daí, [depois do roubo], o comparsa retornava a ligação e buscava onde esse veículo deveria ser entregue. A rota mais comum desse mercado é Feira de Santana”, conta. No mês passado, inclusive, a polícia feirense flagrou um suspeito de 25 anos com um veículo modelo Corolla, roubado em Salvador em 2019, e já com placa clonada. Ao seguir o carro, a equipe ainda encontrou com ele 100 kg de drogas, fuzil, metralhadora e uma espingarda, num condomínio de classe média alta.

De acordo com o coordenador de Inteligência Prisional da Seap, Cyro Freitas, os veículos roubados são fraudados e depois comercializados como se fossem lícitos. Os presidiários foram transferidos para um setor com maior segurança para recebimento de presos de alta periculosidade, conforme informações da SSP.

Má conduta carcerária
Por causa do flagrante de objetos proibidos nas celas, a dupla presa sofrerá um processo administrativo disciplinar (PAD) e serão investigados num novo inquérito. Neste PAD, eles serão taxados como presos de má conduta carcerária e poderão perder o direito a progressão de regime, um benefício que permitiria, por exemplo, responder em liberdade. Por ser material de prova, os celulares encontrados no presídio serão periciados pela polícia técnica.

Presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários da Bahia (Sinspeb), Reivon Pimentel disse que a descoberta do esquema foi um desdobramento de uma operação realizada pelos policiais penais há cerca de quinze dias, quando um celular foi encontrado numa cela e enviado para verificação pelo Grupo de Segurança Institucional (GSI). Depois disso, foi feito um contato com o Serviço de Investigação da Polícia Civil, que deu início à apuração que rendeu nesta segunda revista na qual os dez aparelhos foram achados com Alisson.

Segundo Pimentel, as unidades prisionais não têm barreiras de contenção, bloqueadores de sinais telefônicos e nem mesmo câmeras de monitoramento. A ausência destes recursos facilita que comparsas arremessem não só celulares, mas uma diversidade de itens, dentro dos presídios. “Por falta de tecnologia, as prisões perdem para o escritório do crime”, aponta.

O número absoluto de furtos e roubos que podem ter sido cometidos pela quadrilha é uma estatística da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV) e o dado não foi informado. Responsável por boa parte da investigação que culminou na identificação dos cinco suspeitos, a unidade foi procurada pela reportagem, mas o delegado titular, Glauber Eiji Uchiyama informou não ter disponibilidade para esclarecer os fatos.

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