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Especialistas temem sequelas deixadas pela covid-19 em pacientes recuperados

Especialistas temem sequelas deixadas pela covid-19 em pacientes recuperados

Pouco mais de um mês e meio depois de receber alta do hospital, em 15 de junho, a farmacêutica Mariana Brizeno, 42, ainda convive com os resquícios da Covid-19. Depois de 28 dias internada — 14 deles na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, destes, 11 sob intubação —, a dormência na lateral das pernas e no dorso do pé ainda está presente. Uma inflamação também ainda causa dores no ombro e limita o movimento do braço.

Depois de sair da UTI e ir para a enfermaria, Mariana passou por episódios de delírio persecutório por conta de medicações utilizadas. "Me assustou muito, me causou muito sofrimento, porque para mim era tudo real. Eu não dormia porque achava que, porque estavam querendo me matar, se eu dormisse, não acordaria mais. Então, não conseguia dormir, tinha muito medo do escuro", relata.

Outra sensação marcante para ela, após a volta para casa, foi um cansaço extremo. Caminhar do quarto ao banheiro e, em seguida, voltar ao quarto já era o suficiente para se sentir "exausta". Essa fadiga incompatível com a atividade realizada, em pacientes que tiveram Covid-19, tem chamado atenção de profissionais do Centro de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

"Alguns chegam realmente bastante debilitados, com necessidade de uma terapia inicial para reaprender a ficar de pé e conseguir dar os primeiros passos. Mas a grande maioria, aqui, está saindo em outra fase, em que a fadiga é o principal (problema)", afirma Luciana Janot, cardiologista da instituição. O Centro de Reabilitação recebe pacientes que ficaram em estado grave, mas a médica explica que esse cansaço está presente inclusive naqueles casos mais leves da doença.

Ele é um dos sinais de uma síndrome que pode acometer os pacientes que necessitam da UTI de forma geral, não só pela Covid-19. A Síndrome Pós-Terapia Intensiva (SPTI), ou Síndrome do Doente Crítico, envolve sintomas cognitivos, psiquiátricos e clínicos e acontece por conta de intervenções como sedação, intubação e aplicação de medicamentos.

"Elas são necessárias, mas não são inócuas, não são isentas de algumas consequências", afirma o médico intensivista Paulo César de Souza, diretor de ensino e pesquisa da UnitedHealth Group (UHG) Brasil. Muitas das alterações surgem ainda durante a internação, e Luciana Janot acrescenta que o comprometimento no pós-alta também está relacionado à reabilitação intra-hospitalar.

Dores neuropáticas, por disfunção do sistema nervoso, também são comuns em pacientes acometidos pelo novo coronavírus. Elas dizem respeito, por exemplo, a uma sensação de dormência e uma fraqueza muscular nos membros — podendo gerar dificuldade para sentar ou caminhar. "Isso pode ser revertido, mas é importante entender que alguns pacientes vão necessitar de reabilitação ampla e prolongada", aponta o hematologista Paulo Roberto Souza, médico do Sistema Único de Saúde (SUS) e integrante do Coletivo Rebento, Médicos em Defesa da Ética, da Ciência e do SUS.

O médico aponta que pode haver sequelas em vários sistemas. O funcionamento dos rins, por exemplo, pode ser comprometido e, assim, ser necessária a realização de hemodiálise por um período. "O pulmão pode sofrer sequelas pelo tempo que o paciente passou intubado e/ou sedado. Pode haver também pioras funcionais em pacientes que já lidavam cronicamente com outras patologias antes de adoecerem de Covid-19", acrescenta.

Esses cuidados necessários com o paciente após a alta preocupam Paulo César de Souza em relação à capacidade do sistema de saúde de lidar com eles. "Meu foco é organizar um sistema capaz de dar conta delas (as alterações de saúde) após a alta e evitar que um paciente fique mais tempo no hospital de agudos porque o sistema fora do hospital não está organizado."

Cinco meses depois do primeiro caso confirmado de Covid-19 no Brasil, alguns aprendizados já tiveram impacto positivo também no estado de saúde posterior dos pacientes que sobrevivem aos casos mais graves da doença. Entre eles estão a mudança na orientação sobre quando buscar o serviço de saúde; os novos conhecimentos sobre a necessidade de intubação; e a realização precoce de fisioterapia.

"O tratamento convencional das insuficiências respiratórias era intubação rápida e ventilação mecânica, e essa doença tinha uma característica diferente que demorou um tempo para ser descrita. Então, criou-se tratamentos como cateter nasal de alto fluxo e botar o doente de barriga para baixo, o que chamamos de prona ativa", exemplifica Souza. "A chance de reabilitação, hoje, de um paciente grave de Covid-19 é muito maior do que era por causa dessas pequenas coisas."

ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR

Entre as áreas que podem atuar na reabilitação do paciente após a Covid-19 — sempre com atenção ao olhar individualizado para a realidade de cada um — podem estar:

Fisioterapia: de forma geral, o pilar da reabilitação é a fisioterapia motora e, se necessário, a respiratória;

Terapia ocupacional: os pacientes podem ter comprometimento da coordenação motora fina, necessitando de atividades para mãos e pés, para dessensibilizar as dores neuropáticas

Psicologia: distúrbios psicológicos são comuns em casos de Síndrome Pós-Terapia Intensiva (SPTI), como ansiedade, depressão e desordem do estresse pós-traumático;

Fonoaudiologia: alguns pacientes podem não conseguir alimentar-se por via oral, precisando de avaliação de um fonoaudiólogo.

ENTRE AS MAIORES SEQUELAS DA SPTI ESTÃO:

- Distúrbios cognitivos

Memória, atenção, visão espacial, alterações psico-motoras e impulsividade;

- Distúrbios psiquiátricos

Ansiedade, depressão, desordem de estresse pós-traumático

- Distúrbios clínicos

Dispnéia, alterações da função pulmonar, dor, disfunção sexual, redução da tolerância ao exercício, neuropatias, fraqueza muscular, paresias e fadiga importante.

 

Fontes: Luciana Janot, médica cardiologista do Centro de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein; Paulo César de Souza, médico intensivista e diretor de ensino e pesquisa da UnitedHealth Group (UHG) Brasil; e Yara Pessoa, fisioterapeuta intensivista adulto

Matéria originalmente publicada em O Povo

Pouco mais de um mês e meio depois de receber alta do hospital, em 15 de junho, a farmacêutica Mariana Brizeno, 42, ainda convive com os resquícios da Covid-19. Depois de 28 dias internada — 14 deles na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, destes, 11 sob intubação —, a dormência na lateral das pernas e no dorso do pé ainda está presente. Uma inflamação também ainda causa dores no ombro e limita o movimento do braço.

Depois de sair da UTI e ir para a enfermaria, Mariana passou por episódios de delírio persecutório por conta de medicações utilizadas. "Me assustou muito, me causou muito sofrimento, porque para mim era tudo real. Eu não dormia porque achava que, porque estavam querendo me matar, se eu dormisse, não acordaria mais. Então, não conseguia dormir, tinha muito medo do escuro", relata.

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Outra sensação marcante para ela, após a volta para casa, foi um cansaço extremo. Caminhar do quarto ao banheiro e, em seguida, voltar ao quarto já era o suficiente para se sentir "exausta". Essa fadiga incompatível com a atividade realizada, em pacientes que tiveram Covid-19, tem chamado atenção de profissionais do Centro de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

"Alguns chegam realmente bastante debilitados, com necessidade de uma terapia inicial para reaprender a ficar de pé e conseguir dar os primeiros passos. Mas a grande maioria, aqui, está saindo em outra fase, em que a fadiga é o principal (problema)", afirma Luciana Janot, cardiologista da instituição. O Centro de Reabilitação recebe pacientes que ficaram em estado grave, mas a médica explica que esse cansaço está presente inclusive naqueles casos mais leves da doença.

Ele é um dos sinais de uma síndrome que pode acometer os pacientes que necessitam da UTI de forma geral, não só pela Covid-19. A Síndrome Pós-Terapia Intensiva (SPTI), ou Síndrome do Doente Crítico, envolve sintomas cognitivos, psiquiátricos e clínicos e acontece por conta de intervenções como sedação, intubação e aplicação de medicamentos.

"Elas são necessárias, mas não são inócuas, não são isentas de algumas consequências", afirma o médico intensivista Paulo César de Souza, diretor de ensino e pesquisa da UnitedHealth Group (UHG) Brasil. Muitas das alterações surgem ainda durante a internação, e Luciana Janot acrescenta que o comprometimento no pós-alta também está relacionado à reabilitação intra-hospitalar.

Dores neuropáticas, por disfunção do sistema nervoso, também são comuns em pacientes acometidos pelo novo coronavírus. Elas dizem respeito, por exemplo, a uma sensação de dormência e uma fraqueza muscular nos membros — podendo gerar dificuldade para sentar ou caminhar. "Isso pode ser revertido, mas é importante entender que alguns pacientes vão necessitar de reabilitação ampla e prolongada", aponta o hematologista Paulo Roberto Souza, médico do Sistema Único de Saúde (SUS) e integrante do Coletivo Rebento, Médicos em Defesa da Ética, da Ciência e do SUS.

O médico aponta que pode haver sequelas em vários sistemas. O funcionamento dos rins, por exemplo, pode ser comprometido e, assim, ser necessária a realização de hemodiálise por um período. "O pulmão pode sofrer sequelas pelo tempo que o paciente passou intubado e/ou sedado. Pode haver também pioras funcionais em pacientes que já lidavam cronicamente com outras patologias antes de adoecerem de Covid-19", acrescenta.

Esses cuidados necessários com o paciente após a alta preocupam Paulo César de Souza em relação à capacidade do sistema de saúde de lidar com eles. "Meu foco é organizar um sistema capaz de dar conta delas (as alterações de saúde) após a alta e evitar que um paciente fique mais tempo no hospital de agudos porque o sistema fora do hospital não está organizado."

Cinco meses depois do primeiro caso confirmado de Covid-19 no Brasil, alguns aprendizados já tiveram impacto positivo também no estado de saúde posterior dos pacientes que sobrevivem aos casos mais graves da doença. Entre eles estão a mudança na orientação sobre quando buscar o serviço de saúde; os novos conhecimentos sobre a necessidade de intubação; e a realização precoce de fisioterapia.

"O tratamento convencional das insuficiências respiratórias era intubação rápida e ventilação mecânica, e essa doença tinha uma característica diferente que demorou um tempo para ser descrita. Então, criou-se tratamentos como cateter nasal de alto fluxo e botar o doente de barriga para baixo, o que chamamos de prona ativa", exemplifica Souza. "A chance de reabilitação, hoje, de um paciente grave de Covid-19 é muito maior do que era por causa dessas pequenas coisas."

ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR
Entre as áreas que podem atuar na reabilitação do paciente após a Covid-19 — sempre com atenção ao olhar individualizado para a realidade de cada um — podem estar:

Fisioterapia: de forma geral, o pilar da reabilitação é a fisioterapia motora e, se necessário, a respiratória;

Terapia ocupacional: os pacientes podem ter comprometimento da coordenação motora fina, necessitando de atividades para mãos e pés, para dessensibilizar as dores neuropáticas;

Psicologia: distúrbios psicológicos são comuns em casos de Síndrome Pós-Terapia Intensiva (SPTI), como ansiedade, depressão e desordem do estresse pós-traumático;

Fonoaudiologia: alguns pacientes podem não conseguir alimentar-se por via oral, precisando de avaliação de um fonoaudiólogo.

ENTRE AS MAIORES SEQUELAS DA SPTI ESTÃO:

- Distúrbios cognitivos
Memória, atenção, visão espacial, alterações psico-motoras e impulsividade;

- Distúrbios psiquiátricos
Ansiedade, depressão, desordem de estresse pós-traumático

- Distúrbios clínicos
Dispnéia, alterações da função pulmonar, dor, disfunção sexual, redução da tolerância ao exercício, neuropatias, fraqueza muscular, paresias e fadiga importante.

Fontes: Luciana Janot, médica cardiologista do Centro de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein; Paulo César de Souza, médico intensivista e diretor de ensino e pesquisa da UnitedHealth Group (UHG) Brasil; e Yara Pessoa, fisioterapeuta intensivista adulto

Matéria originalmente publicada em O Povo