Prática do nepotismo será julgada pelo STF

Prática do nepotismo será julgada pelo STF

Considerado por muitos porta para a corrupção na esfera pública e retrato de uma sociedade patrimonialista que remonta às Capitanias Hereditárias – onde as províncias eram distribuídas entre membros de uma mesma família –, o nepotismo voltou a ser pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Há cerca de dez dias, o ministro Marco Aurélio de Mello suspendeu a nomeação de Marcelo Hodge Crivella, filho do prefeito do Rio de Janeiro – Marcelo Crivella (PRB) – para o cargo de secretário-chefe da Casa Civil da prefeitura.

Marco Aurélio entendeu que a nomeação feriu a Súmula Vinculante nº 13, baixada em 2008 pelo próprio STF, que vedou o nepotismo em todas as esferas da administração pública (direta e indireta) de todo o País.

A redação da Súmula Vinculante nº 13 proíbe a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente das autoridades responsáveis pelas nomeações, até o terceiro grau, ou dos servidores com cargo de chefia no mesmo órgão em que a vaga será preenchida.

O que significa que maridos, esposas, companheiros, pais, avós, bisavós, irmãos, filhos, netos, bisnetos, sobrinhos, tios, sogros, sogras, cunhados, genros e noras, na condição de parente até terceiro grau de gestores, estão impedidos de exercer cargo em comissão, de confiança e, também, de função gratificada na administração pública, direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Freio de arrumação

Nos últimos anos, porém, o Supremo Tribunal Federal vinha flexibilizando na interpretação da súmula e passou a admitir a nomeação de parentes para os chamados cargos políticos, como o de ministro e de secretário de estado ou município.

A decisão do ministro Marco Aurélio Mello ainda será submetida ao plenário do STF. Mas se for acatada pelos demais ministros, será um freio de arrumação no preenchimento de cargos políticos no serviço público por parentes de gestores Brasil afora.

Favorável a esta tese, o Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou, na terça-feira da semana passada, que irá ao Supremo pedir a ampliação do alcance da Súmula Vinculante nº 13.

“O Direito está na direção de evoluir nas (interpretações e adequação das leis) e esta é uma oportunidade de corrigir a prática do nepotismo, uma realidade em grande parte dos municípios brasileiros”, afirma o advogado baiano Fabrício de Castro.

Conselheiro federal da OAB, Castro deu voto favorável à proposta do conselheiro Flávio Pansieri (PR) de vedar a prática do nepotismo nos chamados cargos de natureza política.

Fabrício de Castro assinala que o nepotismo e seus privilégios infringem o princípio de que todos são iguais perante a lei, além de se contrapor à meritocracia. “Nós estamos num momento no País em que o administrador público não basta ser honesto, tem que parecer honesto”, compara o conselheiro federal da OAB-BA.

Em seu voto, o conselheiro federal e relator Silvio Pessoa de Carvalho Júnior (PE) acata a tese do colega Pansieri e afirma, em sua conclusão, o seguinte: “Tais atributos demonstram que não se pode tolerar o nepotismo em todo e qualquer cargo, emprego ou função públicos. Por esta razão, é irretorquível a necessidade de se elastecer a compreensão do enunciado sumular para alcançar ocupantes de cargos políticos, em prol dos postulados republicanos da igualdade e ainda dos princípios da moralidade, da eficiência e da impessoalidade administrativas”.

Cruzado

No site do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da Uniâo (CGU) é informado que além do nepotismo direto – aquele em que a autoridade nomeia seu próprio parente –, há o chamado nepotismo cruzado.

Neste caso, explica a CGU, o agente público nomeia pessoa ligada a outro agente público, enquanto a segunda autoridade nomeia uma pessoa ligada por vínculos de parentescos ao primeiro agente, como troca de favores.

Para tentar coibir esta prática, a administração pública federal baixou, em 2010, o Decreto nº 7.203, que veda tanto o nepotismo direto, quanto o cruzado. Mas atire a primeira pedra quem não conhecer ao menos um caso de nepotismo cruzado, inclusive entre os vários Poderes.

Denúncias

Na Bahia, o combate ao nepotismo de um modo geral também está na mira do Ministério Público Estadual (MPE). Segundo o promotor de Justiça Valmiro Macedo, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Proteção da Moralidade Administrativa (Caopam), de janeiro até agora, com a posse dos novos prefeitos, o MP já recebeu mais de 15 representações encaminhadas por cidadãos de vários municípios, denunciando a prática de nepotismo nas prefeituras municipais.

Em 2016, mais de 65 municípios baianos receberam recomendações para exonerar parentes até o terceiro grau, de prefeitos, vice-prefeitos, secretários municipais e de vereadores, ocupando cargos comissionados ou funções de confiança nos órgãos públicos.

Em Eunápolis, o promotor de Justiça Dinalmari Messias recomendou ao prefeito Robério Oliveira (PSD) a exoneração de Rodrigo Baioco, irmão do vice-prefeito e secretário de Governo Flávio Baioco, do cargo em comissão de superintendente de gestão administrativa.

O chefe do Caopam, promotor Valmiro Macedo, diz que se o Supremo ampliar o alcance da Súmula Vinculante nº 13, como defende a OAB, muitos casos que hoje “escapam” da legislação e que também configuram nepotismo terão de ser revistos pelos gestores.

A própria mãe

Um desses casos ocorre em Morro de Chapéu, onde o prefeito Leonardo Rebouças Dourado Lima (PR) nomeou a própria mãe, Ana Lúcia Dourado, como secretária de Educação, e Catarina Dourado, prima em primeiro grau do gestor, como titular da Secretaria de Governo.

O site Morro Notícias Sem Censura afirma, ainda, que José Ricardo Pinheiro Gomes, que está à frente da secretaria de Serviços Públicos, Obras e Transportes, é esposo de Catarina, prima do prefeito.

O promotor Fábio Nunes Bastos Leal Guimarães recomentou ao prefeito de Morro do Chapéu, no início deste mês, anular as respectivas nomeações. O juiz deu prazo de 20 dias.

O promotor Valmiro Macedo explicou que o MP tem adotado uma postura de “recomendar” e “orientar” os gestores públicos a revisão dos casos que configurem nepotismo, com o intuito de evitar, no futuro, ações de responsabilidade civil e administrativa.

“Há distorções políticas no país todo, uma cultura patrimonialista de usar o serviço público para beneficiar familiares. É uma lógica perversa que tem que ser combatida”, diz o promotor de Justiça.

Fonte: A Tarde

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