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Professor da Ufba é acusado de assédio em processo seletivo de pós-graduação

Professor da Ufba é acusado de assédio em processo seletivo de pós-graduação

Desde a formação em física na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), Mariana** se interessou em investigar o papel das mulheres nas diversas atividades científicas. Para aprimorar o conhecimento sobre gênero e ciência, se inscreveu no processo seletivo da Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia (Ufba). No entanto, onde buscou progresso, a potencial mestranda conta que sofreu, junto a ao menos duas candidatas ao doutorado, uma série de ofensas e tentativas de descredibilização por parte de um docente durante entrevista avaliativa em maio.

“O primeiro parecerista [profissional com respaldo para análise] fez perguntas técnicas sobre meu projeto. O segundo fez avaliação tentando descredibilizar, anular meu conhecimento. Chegou em um ponto que ele começou a falar que eu não gostava de homem. Começou a falar ‘você odeia homens’. Falou de uma forma tão ruim ao ponto do outro parecerista intervir. Ele falou que eu era nova para entender essas coisas, foram muitos comentários ruins”, denuncia.

Por o processo ter sido online, a entrevista está gravada. A Associação de Pós-Graduandos/as das Universidade Federal da Bahia (APG/Ufba) solicitou a gravação e apuração das provas orais por parte do Programa da pós-graduação (PPGEFHC). Mariana lembra que o vídeo também é prova para dar seguimento à denúncia. O advogado, que pediu para não ser identificado, e tem orientado a candidata afirma que seguirá a linha de assédio moral e discriminação com base no gênero.

Conforme consta na cartilha de assédio moral, sexual e discriminação da Defensoria Pública da Bahia, a vítima pode desenvolver estresse, esgotamento profissional e fadiga crônica.

"Depois fiquei mal, sem dormir direito. Desenvolvi refluxo. Fiquei com enxaqueca. Muito angustiada em saber o quanto nós mulheres somos barradas de ocupar esses espaços em pleno 2022 e dentro da universidade”, conta.

Segundo a física, uma das colegas que passou pela mesma situação “ficou chorando, tremendo sem conseguir levantar da cama”.

A fim de preservar as identidades, Mariana e outras duas candidatas levaram a situação até a APG para representação no caso. A entidade de base enviou a carta com posicionamento e cobrança de averiguação para o PPGEFHC. O texto ainda questiona a capacidade avaliativa do docente acusado, uma vez que as estudantes optaram pela linha da História das Mulheres nas Ciências, enquanto o posicionamento do avaliador vai de encontro com as teses defendidas.

“Estamos tomando providências quanto ao ocorrido. Vamos formar uma comissão para averiguar o problema e entrar em contato com o presidente da associação de pós-graduandos para indicar um representante discente para fazer parte da comissão”, afirmou o programa em nota. Coordenadora do PPGEFHC, Fabiana Hussein afirmou que teve acesso à carta apenas na última sexta-feira (03), portanto, ainda está averiguando o caso. Com relação ao compartilhamento do áudio, Fabiana diz que ainda está avaliando as possibilidades, pois a divulgação poderia invalidar toda a seleção.

A APG tem atuado no acolhimento e orientação de procedimentos de assédio, como o de Mariana. Para evitar mais casos, está cobrando da Ufba a criação de comissão com representantes de estudantis, técnicos administrativos e professores. O grupo teria como objetivo implementar protocolos específico de casos de assédio moral e sexual e propor medidas normativas educativas coibir o assédio na universidade.

Em apoio à carta, assinaram a APG, Movimento Sociais da Associação Nacional de Pós-graduandos/as (ANPG), Sindicato Dos trabalhadores do Poder Judiciário Federal da Bahia (SINDJUFE-BA), Movimento Nacional Quilombo Raça & Classe, Associação do Quilombo Quingoma, Movimento Aquilombar, Movimento de Mulheres em Luta Nacional, CSP Conlutas Nacional, setor de mulheres, Laboratório de Estudos e Pesquisas Marxistas (LeMarx) e representações estudantis da Ufba.

Assédio moral

Mestre em direito e advogada trabalhista, Cinzia Carvalho define o assédio moral como constrangimento, violência psicológica que atinge a dignidade da pessoa. A violência não se dá por um ato isolado, mas repetitivo e prolongado, como uma “jornada de humilhação” até a vítima duvidar de sua competência. O assédio se faz comum em, sobretudo, estruturas de hierarquia, nas quais quem está em posição superior consegue projetar articulações sobre pessoas em cargos inferiores.

Segundo o advogado consultado por Mariana, a definição se enquadra no que ocorreu durante o processo seletivo. A estudante ainda lembra que, durante apresentação das colegas, o professor questionou até mesmo as referências utilizadas para a tese apresentada.

“Em um processo seletivo, seja acadêmico, seja de trabalho, a pessoa que se candidata normalmente expõe suas ideias e intenções futuras naquele ambiente. A pessoa responsável pela seleção está ocupando um espaço de poder, ao menos durante o processo seletivo, e pode tecer comentários jocosos e desqualificadores do trabalho ou mesmo da pessoa da vítima”, explica a juíza do trabalho e pesquisadora em direito antidiscriminatório com foco em gênero e sexualidade Adriana Manta.

Machismo

A violência se torna ainda mais comum quando se fala do gênero feminino. Os alvos mais frequentes nas condutas de assédio são mulheres, servidoras, terceirizadas e estagiárias, aponta a cartilha da Defensoria. Dentro da universidade e no mercado de trabalho, o preconceito também é fruto do sexismo histórico que gera estranheza a ver mulheres ocupando espaços acadêmicos, explicam especialistas.

Mariana acredita que a discriminação aconteceu como consequência do machismo e intolerância do professor em questões de igualdade de gênero. “Ele falou que eu estava querendo criar um conflito de mulheres contra homens. Mas o que a gente quer é igualdade. Homens e mulheres ocupando os mesmos espaços”, esclarece.

“Não por acaso, as mulheres são as maiores vítimas de assédio moral no ambiente de trabalho. Uma pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, aponta que, para 92% das pessoas que trabalham, as mulheres sofrem mais constrangimento e assédio no mercado de trabalho”, salienta Adriana.

A juíza do trabalho orienta que a denúncia seja feita às ouvidorias das instituições e também às instâncias superiores. É possível buscar canais de denúncia internos, a depender do local do ocorrido. Além disso, havendo provas do assédio, existe a possibilidade de ajuizar ação buscando indenização por danos morais e reparação material com eventuais tratamentos psiquiátricos ou psicológicos.

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