O consumidor baiano continua sofrendo com os preços dos alimentos. Dessa vez, a grande vilã é a cenoura. O produto acumula alta de 50% em Salvador e região metropolitana, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), medido pelo IBGE. A quebra de safra devido às questões climáticas é o principal motivo para o quilo do produto custar cerca de R$ 8 na capital baiana.

Já há baiano que diga que os coelhos da Páscoa não devem aparecer para as crianças neste mês, o motivo seria a greve por conta da inflação que afeta o seu alimento preferido. Brincadeiras à parte, o custo da cenoura escalou nas últimas duas semanas no estado. A saca com 20 quilos comercializada pela Ceasa subiu de R$100 para R$150 em catorze dias, segundo boletim divulgado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia (SDE).

Para quem compra em pequenas quantidades no varejo, ou seja, o consumidor final, as notícias não são boas: o preço só deve diminuir na próxima safra, em julho. A analista do IBGE, Mariana Viveiros, explica que não só a cenoura, mas os itens de hortifrutis em geral estão com preço acima do normal devido às mudanças climáticas. Importantes regiões produtoras de cenoura no Alto Parnaíba (MG), São Paulo e Irecê (BA) sofreram com fortes chuvas este ano, o que acabou impactando a colheita.

“Esses produtos são muito sensíveis aos efeitos climáticos. É importante lembrar que o aumento dos alimentos nessa prévia de março foi o maior em dois anos e que eles são o grupo de maior peso no índice de inflação”, explica. A variação acumulada dos alimentos em domicílio nos últimos 12 meses é de 15,79% em Salvador e RMS, segundo o IBGE.

Outros produtos que tiveram alta mensal e estão atrapalhando o orçamento das famílias são: batata inglesa (27%), cebola (11%), ovo de galinha (5%) e feijão carioca (5%). Além deles, outros itens que são comercializados por produtores fora do país sofrem alteração por conta da guerra entre Ucrânia e Rússia, como explica o economista Edval Landulfo.

“Os alimentos ligados às commodities internacionais, como o café, o trigo e a soja, têm subido de preço por conta do enfraquecimento da nossa moeda. Fica muito mais vantajoso vender no mercado internacional a vender no mercado interno, devido ao pagamento em dólar”. Segundo Edvaldo, cerca de 40% da produção do trigo é feita nos países envolvidos no conflito. Internamente, uma das consequências é o pão mais caro, a variação mensal chega a 2,72%.

O aumento dos combustíveis também é um dos fatores que contribuem para o mercado ficar mais caro, de acordo com o economista. Como no país o transporte de alimentos é feito majoritariamente por caminhões nas estradas, o preço do diesel tem como reflexo a alta do frete. “Isso impacta principalmente os produtos perecíveis, como frutas e legumes”, diz Edvaldo.

Impactos no dia a dia

Leila Carreiro, chef à frente do tradicional restaurante Dona Mariquita, conta que os alimentos mais caros têm tornado a manutenção do negócio mais difícil. Evitando repassar o aumento de preços aos clientes, com receio de que o movimento diminua, a chef já teve que demitir quatro funcionários nos últimos meses.

Apesar da cenoura não ser item tão essencial no cardápio do restaurante que serve comida baiana, Leila diz que alimentos como tomate, cebola e pimentão tem sido os grandes vilões do estabelecimento. “Os preços estão absurdos, sacas que custavam R$30 agora estamos pagando R$80. Eu não pude repassar nada ainda para os clientes, mas estamos organizando para mudar o cardápio todo para ir até junho pelo menos”, conta.

Com mais de 80 mil seguidores nas redes sociais, a comunicóloga Carla Candece, 28, trabalha com o Instagram desde 2018, quando começou a produzir conteúdo sobre como a alimentação vegana pode ser acessível. Mesmo assim, ela conta que a inflação tem tornado mais difícil a manutenção dos hábitos saudáveis e que para driblar a crise diminuiu a variedade dos alimentos comprados.

Realizar pesquisas de preços também tem sido um caminho para a economia. “O que eu tenho feito é comprado uma parte da minha feira em cada lugar. Aqui tem só cinco supermercados grandes, então eu vou em todos com a minha lista, listo o que é mais barato em cada um deles e aí volto indo em cada um, comprando um pouco de cada coisa”, relata.

Outra dica para pagar mais barato, dessa vez dada pela presidente do movimento das Donas de Casa e Consumidoras da Bahia, Selma Magnavita, é substituir os alimentos que estão mais caros no mercado. Uma boa opção é comprar a abóbora no lugar da cenoura, enquanto os preços não diminuírem, segundo ela. "A substituição dribla a carestia", diz.

Salário mínimo deveria ser cinco vezes maior

Para que uma família de quatro pessoas possa se manter confortavelmente no país em meio ao cenário de alta de preços, o valor do salário mínimo deveria ser R$6.394,76. Ou seja, 5,2 vezes mais do que o mínimo atual, que é de R$1.212. O cálculo foi feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Diesee) e tem como base o valor da cesta básica, que custa até R$560 na capital baiana.

A supervisora técnica do escritório do Diesee na Bahia, Ana Georgina Dias, explica que para chegar a esse valor, o estudo leva em consideração o que é previsto na Constituição Federal. “A Constituição diz que o salário mínimo tem que ser suficiente para suprir todas as despesas do trabalhador e da sua família [...] Quem é remunerado com um salário mínimo gasta em torno de 30% com alimentação, então pegamos a cesta mais cara e colocamos como sendo esses 30%, a partir daí chegamos no valor do salário”, acrescenta.

Como o cálculo de qual deveria ser o mínimo é feito todos os meses, é possível ter noção de como o aumento de preços está impactando o cotidiano dos brasileiros. Entre janeiro e março, esse valor sofreu um reajuste de 7% - no primeiro mês do ano era de R$5.997. Nesse meio tempo, o salário mínimo nacional não aumentou.

A alta no preço dos alimentos, para piorar, é sentida mais nas classes menos favorecidas, que acabam demandando maior parte do seu orçamento para fazer as compras dos itens básicos. O economista Edval Landulfo lembra ainda que a inflação brasileira que hoje está em 10,7% no acumulado dos últimos doze meses, é sentida de forma diferente para cada família.

“Quando falamos sobre os índices oficiais, a percepção do governo tem como base os alimentos que compõem a cesta básica. Mas cada família tem um peso maior dependendo do tipo de consumo, por isso a sensação das pessoas de que não é só 10%. Os itens que elas mais consomem tiveram um impacto maior no bolso”, explica.

Box para o impresso:

Para comprar uma cesta básica de 13 itens, o soteropolitano deve trabalhar em média 101 horas mensais (Dieese)

Alimentos que mais subiram de preço: cenoura (50%), batata inglesa (27%), cebola (11%), ovo de galinha (5%) e feijão carioca (5%) (IBGE)

Nacionalmente, a cenoura acumula alta de 121% em 12 meses (IBGE)

Publicado em Bahia