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Manchas de óleo encontradas em praia de Ondina têm origem diferente das de 2019

Manchas de óleo encontradas em praia de Ondina têm origem diferente das de 2019

A novela das manchas de óleo encontradas no litoral brasileiro ganhou mais um capítulo. Desde o fim do mês passado, o reaparecimento desse tipo de resíduo tem sido observado em praias localizadas no Nordeste do país. Em Salvador, os primeiros fragmentos foram identificados pela Empresa de Limpeza Urbana do município (Limpurb) no dia 26, nos trechos de Jaguaribe, Piatã, Farol de Itapuã, Stella Maris e Praia do Flamengo. Nos dias 1º e 2, outros fragmentos foram encontrados em trechos da Boca do Rio e da Pituba. De lá pra cá, a Limpurb coletou, ao todo, cerca de 26 quilos do material. Inicialmente, autoridades acreditavam se tratar apenas do mesmo óleo derramado em 2019, mas análises químicas divulgadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações na sexta-feira (9) indicam a ocorrência de um novo evento.

Uma nota técnica assinada, também, pela Marinha, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e por universidades afirma que “a hipótese mais provável aponta para um incidente envolvendo petróleo cru, proveniente do descarte de água oleosa lançada ao mar após a lavagem de tanques de navio petroleiro em alto mar”. Ainda segundo a nota, os biomarcadores, ou indicadores de origem, sugerem que o petróleo tenha sido produzido no Golfo do México, conclusão obtida por meio da análise de amostras coletadas, especificamente, nas praias de Boa Viagem, Paiva e Quartel, em Pernambuco, e de Ondina, na capital baiana — na qual, de acordo com a Limpurb, a quantidade presente foi “bem menos de 1 quilo”.

Sem a mesma precisão em suas análises, outras coletas foram feitas nas praias de Casa Caiada, Cupe, Catuama, Maria Farinha, Rio Doce, Bairro Novo e Milagres, também naquele estado; Pitimbu e Jacarapé, na Paraíba; e Carro Quebrado, em Alagoas. Todas as avaliações foram conduzidas pelo Laboratório de Compostos Orgânicos em Ecossistemas Costeiros e Marinhos (OrganoMAR), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); pelo Centro de Excelência em Geoquímica, Petróleo, Energia e Meio Ambiente (Lepetro/Igeo), da Universidade Federal da Bahia (Ufba); e pelo Laboratório de Geoquímica Ambiental Forense (LGAF), do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM), vinculado à Marinha e responsável por investigar a origem de tais incidentes.

Além disso, o documento informa que as pelotas de óleo ficaram à deriva no oceano durante mais de duas semanas antes de terem encalhado na praia, já que, em algumas delas, foram encontradas, num estágio avançado de desenvolvimento, crostas formadas por organismos conhecidos como “cracas” (crustáceos) e cuja espécie vive em águas abertas.

Origens distintas, preocupação igual — O Instituto de Geociências da Ufba (Igeo) ficou encarregado de analisar, por meio de “equipamentos de ponta, altamente especializados” disponíveis no Lepetro, as amostras coletadas na praia de Ondina, bem como nas de Itapuã, em Salvador, e de Itacimirim, em Camaçari, na região metropolitana. Diferentemente da primeira, as duas últimas continham material similar àquele já visto antes. “Verificou-se boa semelhança entre as amostras coletadas nas praias de Itacimirim e Itapuã com o óleo que surgiu nas praias do Nordeste em 2019, sendo que os resultados da amostra de Itapuã sugerem ainda uma mistura de óleo venezuelano com petróleo do Golfo do México”, diz um resumo das análises.

Isso, no entanto, não significa que houve um novo derramamento do mesmo óleo daquele incidente, e sim a existência de resíduos do material, que continuou nas areias das praias ou fixado em rochas e recifes de coral próximos ao litoral, os quais, por sua vez, se desprenderam devido à ação de ventos mais fortes e de ressacas, que, normalmente, acontecem na região durante essa época do ano.

Já a primeira amostra, como consta na nota técnica, se parece com as de praias pernambucanas e tem características semelhantes a um dos tipos de petróleo produzidos no Golfo do México.

“Além disso, a amostra da praia de Ondina [aos pesquisadores] nos parece se tratar de óleo resultante de lavagem de tanques de navio petroleiro, uma vez que se sabe que, nas paredes dos tanques dos navios petroleiros, podem ficar resíduos de parafinas pesadas, as quais devem ser retiradas periodicamente, após o descarregamento, através de lavagens com uso de detergentes ou dispersantes”, continua o texto.

Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Marinha, o projeto de pesquisa intitulado “Rede Cooperativa de Desenvolvimento de Protocolos para Avaliação de Zonas Costeiras Impactadas por Derramamento de Óleo e Aplicação de Biotecnologias para Remediação (Rebicop)” atua nessa temática de pesquisa desde 2019. Segundo a professora e coordenadora de Pesquisa Olívia Oliveira — que lidera o projeto com o professor Antônio Fernando Queiroz —, embora tenha sido encontrado em menores proporções, o novo óleo também causa preocupação. “Em qualquer quantidade, um derrame de óleo preocupa uma comunidade/sociedade. Mesmo em menor quantidade que o de 2019, trata-se de impacto ambiental, além de não saber exatamente se mais material pode chegar à costa.”

A afirmação é reiterada pelo diretor do Instituto de Biologia da Ufba (Ibio), Francisco Kelmo. De acordo com ele, os impactos desse novo evento são os mesmos para os animais marinhos. “O contato direto com o óleo ou a ingestão acidental pelos invertebrados coloca em risco a vida desses organismos, contribuindo para a perda de biodiversidade e o desequilíbrio na teia alimentar”, explica Kelmo. “Felizmente, esse material foi encontrado em pequena quantidade no nosso litoral e, até o momento, nenhum impacto significativo foi registrado”, ameniza.

O especialista, que esteve à frente da investigação sobre os impactos biológicos das manchas de óleo três anos atrás, diz que, ainda que a lavagem de tanques dos navios petroleiros seja necessária, o lançamento de resíduos no mar deve ser evitado.

“O ideal é que toda a água de lastro e os resíduos das lavagens dos tanques sejam retidos a bordo e transferidos para instalações de recepção, para que tenham um destino apropriado, evitando danos ao meio ambiente”, detalha.

“A descarga desse tipo de material no mar só deve ser realizada quando for para garantir a segurança da embarcação ou salvar vidas humanas, contudo existem protocolos estabelecidos para que tal procedimento possa acontecer”, conclui.

Nesse sentido, a nota técnica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marinha, Ibama e universidades considera os derramamentos de óleo no mar um problema complexo, “cujo enfrentamento requer vigilância e esforços constantes, os quais vêm sendo continuamente empreendidos pela comunidade científica brasileira, em distintos laboratórios do País, juntamente com os órgãos governamentais envolvidos com o tema”. Procurados, nem a Marinha nem o Ibama deram retorno à reportagem até o fechamento desta matéria.

Os primeiros vestígios de petróleo cru foram identificados pelo instituto em 30 de agosto de 2019, nos municípios de Conde e Pitimbu, na Paraíba. O óleo chegou à Bahia em outubro, por Mangue Seco, no norte do estado, e atingiu Salvador no dia 10 daquele mês.

Até fevereiro de 2020, conforme o próprio Ibama, mais de 459 mil toneladas do material foram removidas de praias baianas — 14 delas, na capital, de onde foi retirada uma quantidade superior a 139 mil toneladas, segundo a Limpurb.

O que fazer ao se deparar com o óleo — Francisco Kelmo dá orientações de como proceder caso encontre ou até tenha contato com pelotas ou manchas de óleo nas praias:

1. Caso as encontre, acione alguma das autoridades competentes, como a Limpurb, pelo telefone 156, e reporte o caso, para que elas façam a remoção do resíduo com segurança;

2. Caso tenha contato direto com o petróleo cru ou seus derivados, remova o material e lave a área com água e sabão. Se ainda houver resíduo na pele, use algum óleo mineral ou, até mesmo, óleo de cozinha.

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