No cemitério municipal de Plataforma, coveiros limpam uma área. Em breve, ali vai abrir espaço para novos corpos. É que, com o crescente número de mortes pela covid-19, a prefeitura decidiu criar 1.125 novas vagas. Os números não param de crescer. Fevereiro foi o segundo mês com mais mortes na Bahia. E, se continuar nesse ritmo, março pode ultrapassá-lo.

A média histórica de sepultamentos anterior a pandemia era em torno de 12 por dia. Agora, 17 pessoas chegam a ser enterradas diariamente em Salvador. Marise Chastinet, secretária Municipal de Ordem Pública (Semop), avalia que esse é o pior momento da pandemia no ponto de vista funeral, pois o número de mortes está crescendo e de forma acelerada. No entanto, ela garante que a capital não corre o risco de colapso na rede.

“Estamos nos planejando justamente para isso não ocorrer. Aumentou muito o quantitativo de mortes, tanto por covid-19 como por mortes naturais. Mas a gente escolheu o cemitério de Plataforma por lá ser o único local que tem área disponível para construir novas gavetas. A entrega deve acontecer em torno de 60 a 90 dias. A gente vai tentar acelerar para qualquer eventualidade”, diz.

Nesse momento, os cemitérios municipais de Salvador têm apenas 1.050 vagas disponíveis para o mês de março. Dessas, 750 são gavetas já prontas para utilização imediata. As outras 300 são de covas rasas liberadas mensalmente por conta de exumações dos corpos. “A exumação acontece após três anos e meio do enterro. A família é chamada nesse momento para destinar o corpo a um lugar específico e apropriado”, explica Chastinet.

Dor
Nos cemitérios públicos, os coveiros não são autorizados a dar entrevista, mas um deles aceitou falar com a reportagem sem ser identificado. “São muitas as mortes por covid-19 que temos que lidar e já passaram para a gente para nos prepararmos para um aumento. É triste, pois esse tipo de enterro é o mais difícil. Temos que usar todo o equipamento de proteção e lidar com a família que muitas vezes não aceita ou entende”.

No momento em que o CORREIO esteva no local, uma mulher identificada apenas como Jucilene, vítima da covid-19, foi enterrada. Sua mãe, esposo e filhos acompanharam o sepultamento. Eles afirmaram à reportagem que a causa da morte não foi essa e não quiseram passar mais informações. Mesmo assim, os coveiros garantiram que tinha sido o vírus e o sepultamento teve que ser realizado com todas as restrições: sem velório, com caixão lacrado e em apenas dois minutos de duração, divididos em duas partes.

Na primeira, o caixão foi transportado do carro da funerária até a gaveta. Nesse momento, o choro e palavras de lamentações dos familiares começam a ser ouvidos. “Eu quero minha mãe”, disse uma filha. “Eu não vou conseguir”, afirmou outra pessoa, virando-se de costas e abraçando um rapaz. Ela preferiu não olhar o momento que os coveiros colocaram rapidamente a urna na gaveta. Uma música gospel começou a ser cantada. Outro familiar passou a andar de um lado para outro, balançando a cabeça em sinal negativo.

Depois, na segunda parte, os coveiros iniciam o fechamento da gaveta. Colocam uma placa e usam cimento para tapar. Um pastor interrompe a música para proferir uma mensagem de conforto.

Tudo isso durou dois minutos. Após fechar a gaveta, os coveiros são os primeiros a deixar o local. Vão direto lavar os equipamentos de proteção usados no enterro: luvas, botas, macacão, dentre outros. Os familiares começam a se dispersar logo depois. Eram 33 pessoas que acompanhavam o sepultamento, embora o permitido fosse apenas 10, para não gerar aglomeração. “A gente explica para eles a limitação, mas não podemos impedir das pessoas entrarem, pois não temos poder de polícia”, explica o coveiro.

Por mais que a família tenha negado que a causa seja covid-19, ela não reclamou pela forma como o enterro aconteceu, sem velório. Infelizmente, isso não é sempre o que acontece. “Alguns começam a questionar. Querem que seja mais demorado, que abra o caixão. Mas isso dentro do cemitério não acontece, pois é o nosso emprego que está em jogo. Tem gente que acha que nós que somos os culpados”, disse o coveiro, cujo salário é de R$ 1,1 mil. “Trabalhamos na linha de frente e expostos. Tive colegas que pegaram o vírus e ficaram afastados. Só Deus para proteger”, completou.

Enterros

Outra possibilidade de funeral pelo setor municipal é a cremação gratuita de corpos provenientes de mortes naturais. Isso acontece graças a um contrato firmado entre a Semop com o cemitério Jardim da Saudade. No entanto, a secretária Marise Chastinet afirma que essa opção é ainda pouco utilizada pelas pessoas. “O serviço é ofertado à medida que é solicitado. Acredito que falta divulgação”.

Salvador tem atualmente 10 cemitérios municipais e todos eles estão aptos a atender e realizar sepultamentos por covid-19. As unidades ficam nos bairros de Brotas, Itapuã, Pirajá, Plataforma, Periperi, Paripe e nas ilhas de Bom Jesus dos Passos, de Maré, Paramana e Ponta de Nossa Senhora. Segundo a Semop, em dias de sepultamento por covid-19, equipes realizam a desinfecção com hipoclorito de sódio.

Em nota, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) afirmou que administra apenas uma parte do cemitério Quinta dos Lázaros, onde só faz enterros de cova rasa para corpos de indigentes (pessoas que não tem família) encaminhados pela polícia, através do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. As outras áreas do cemitério são administradas por outras instituições.

Procurados, os cemitérios Jardim da Saudade, Bosque da Paz e Campo Santo, confirmaram o aumento no sepultamento de vítimas da covid-19.

Contêiner

Outro sinal que expressa o aumento de mortes por covid-19 na cidade é o aluguel de contêineres refrigerados para armazenar corpos em Salvador. O Governo da Bahia já realizou o aluguel de quatro desses equipamentos, que estão espalhados nos hospitais Instituto Couto Maia, Espanhol, Ernesto Simões Filho e o de Campanha da Arena Fonte Nova.

O CORREIO também esteve no estádio, mas não verificou o equipamento. O segurança informou que ele fica na parte de cima do local, não visível para as pessoas. Em nota, a Sesab explicou que esse contêiner é necessário pois a Fonte Nova não possui um necrotério.

“Por ser uma estrutura adaptada para funcionar como unidade hospitalar, não possui necrotério. Sendo assim, o contêiner funciona como tal. Os corpos só ficam o tempo de serem preparados e liberados para a família/serviço funerário. Para as demais unidades, os contêineres foram colocados para o caso de a capacidade do necrotério ser excedida”.

Como agendar sepultamentos e cremações em Salvador?
É só entrar em contato com a Central de Agendamento pelos telefones: (71) 3322-1037, 3266-2194, 3202-5429 ou 3202-5472. O serviço funciona diariamente das 8h às 16h30 e os documentos necessários são: RG, CPF, comprovante de residência do falecido e do familiar responsável, além de certidão de óbito e guia de sepultamento ou cremação, fornecidas pelos cartórios de registro civil.

Taxas:
Cova Rasa Adulto: R$36
Cova Rasa Criança: R$18
Gaveta: R$122
Cremação: Gratuita

 

 

Fonte: Correio24horas