Imprimir esta página
Novas variantes do coronavírus assustam, mas não impedem aglomerações

Novas variantes do coronavírus assustam, mas não impedem aglomerações

Uma família ia rumo a uma missão que ninguém deseja - reconhecer o corpo morto de uma pessoa amada. As duas, filha e irmã da mulher de 42 anos vítima da covid-19, interromperam por dois minutos a caminhada ao avistar uma cena que, para elas, era um desrespeito. “E repetiam: não estou acreditando nisso”, recorda a psicóloga Larissa Lima, 44, que as acompanhava. O que viam era o Farol da Barra lotado. Estavam prestes a se despedir de uma vida enquanto viam uma multidão sem se importar.

O Laboratório Central de Saúde Pública Professor Gonçalo Muniz (Lacen) já sequenciou 225 genomas completos do Sars-Cov-2, que desencadeia a covid-19, e concluiu, depois de oito meses de estudos, que há 21 linhagens do vírus em circulação na Bahia. Entre elas, três variantes de atenção apontadas pelo Ministério da Saúde: a P.1, de Manaus, a P.2, do Rio de Janeiro, e B.1.1.7, do Reino Unido.

A divulgação da descoberta, no dia 24 de maio, veio acompanhada de um alerta do secretário de Saúde da Bahia, Fábio Villas Boas: “Existe um risco aumentado para a internação e rápido agravamento do quadro clínico”.

A cena do início desta reportagem aconteceu no último sábado (22), no Hospital Espanhol, de onde é possível avistar parte da orla e do Farol da Barra, e mostra que o alerta sobre as novas variantes é desrespeitado. Depois da filha e irmã enlutadas ficarem pasmas ao avistar a aglomeração, ao som de batucadas e música alta, a psicóloga Larissa precisou de um intervalo. “O que a gente vê é sinal de horror. É surreal”, define Larissa. “Surreal” é o adjetivo que não sai da boca dela. “Já usei mais durante a pandemia que em 44 anos”.

No ramo da virologia, são chamadas variantes, explica Ricardo Khoury, virologista e pesquisador da Fiocruz, um subtipo de um microrganismo, que é “geneticamente distinto de uma cepa principal”. Isso significa que todas as variantes do Sars-cov-2 são chamadas de variantes porque passaram por diferentes mutações que as diferem entre si, mas não o suficiente para formarem novos vírus.

A variante mais recente que desembarcou no Brasil é a indiana, chamada B.1.617. Os primeiros casos foram confirmados no dia 20 de maio, no estado do Maranhão, em pessoas que estavam a bordo de um navio atracado no litoral do estado. Agora, já são pelo menos 15 casos da viarante e o estado de saúde de um indiano de 54 anos, que está internado depois de ser infectado, piorou, segundo boletim divulgado no último final de semana, e ele foi intubado, na Unidade de Terapia Intensiva de um hospital privado de São Luís.

Chegada de novas variantes à Bahia é questão de tempo

Os vírus têm replicações consideradas “falhas”, das quais surgem novos microrganismos. São processos comuns a todos os vírus, não só ao Sars-Cov-2. O problema, no caso das variantes desse vírus, aliada a uma cobertura vacinal ainda baixa, é que as variantes geralmente são os “subprodutos” com mais capacidade de permanecerem vivas e, por isso, de gerarem quadros mais graves da covid-19.

Na Bahia, dos 14.9 milhões de habitantes apontados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1.445.489 milhão - ou seja, 9.7% - recebeu a segunda dose da vacina contra a doença, mostra painel da Sesab. Em Salvador, dos 2,8 milhoes de habitantes, apenas 342.458, ou 12%, já foram completamente imunizados .

“Essas mutações surgem espontaneamente e dentro desse contexto de surgir espontaneamente e as pressões geradas pela pressão imunológica, acabamos selecionamos as que tem mais capacidade de sobreviver”, explica Khoury.

As estatísticas oficiais de casos da doença não fazem distinção por variante. Mas, conta o virologista, os pesquisadores conseguem identificar grande predominância das variantes P.1, de Manaus, e da P.2, do Rio de Janeiro, em casos mais graves. Ambas chegaram à Bahia mais expressivamente em janeiro, o que comprova a necessidade de se preocupar com o que ocorre no Maranhão.

“A velocidade com que elas conseguem alcançar o mundo é grande e é muito difícil conter isso”, explica. Enquanto não há vacina para todos, os remédios, no entanto, já são conhecidos, e não dependem só “de políticas públicas de afastamento", frisa Khoury. “Se a população não conseguir se controlar, com o mínimo de segurança, vai ficar muito difícil”, avisa.

O uso de máscara deve acontecer sempre, inclusive durante a prática de exercícios físicos. “Em qualquer atividade que você fale mais, fique mais ofegante, há produção maior de gotículas de ar e, sem saber, você pode estar doente e transmitir para alguém”, alerta.

Final de semana termina com UTIs e ruas lotadas

Entre o Porto e o Farol, o caminho estava tão cheio na manhã do último domingo (23) que era preciso desviar de ciclistas e corredores - quase nunca com máscaras, que estão quase sempre sob o queixo. As praias estavam fechadas, mas, segundo moradores, uma corrida foi realizada logo no início do dia.

Na área do Porto da Barra, mais de 30 pessoas deram as mãos, também sem máscara, antes de uma competição de triatlo. Num bar próximo, homens, mulheres e crianças interagiam livremente.

O Hospital Espanhol tem vista para alguns desses trechos. No último final de semana, a psicóloga Larissa repetiu mais de 20 vezes o percurso externo que leva até o contêiner refrigerado onde as vítimas fatais da covid-19 são reconhecidas pelos parentes, que vão paramentados dos pés a cabeça para isso. Mais de 20 vezes, portanto, ela viu aglomerações. “Incomoda demais”, afirma ela.

“Enquanto eu falo com você, vejo umas 15 pessoas com máscara no queixo, próximas, rindo”.

Até o fim do último domingo, a taxa de ocupação dos leitos de UTI adulto ficou em 83% na Bahia e em 79% na capital baiana. Sete hospitais, em Salvador, fecharam o dia com de ocupação igual ou maior que 90% - Maternidade Professor Josê Maria de Magalhães Neto (100%), Hospital Covid-19 Itaigara (98%), Hospital Especializado Salvador (95%), Hospital do Subúrbio (94%), Hospital de Campanha Centro de Iniciação Esportiva (94%), Hospital Eládio Lasserre e Hospital Sagrada Família, ambos com 90% de lotação.

Um estado conduzido por um grupo ligado ao governo do Reino Unido indicou que as vacinas da Pfizer/BioNTech e da AstraZeneza/Oxford são efetivas contra a variante indiana da Covid19. Mas, é bom lembrar que a minoria da população, baiana e brasileira, está vacinada. E o grupo não analisou o desemprenho da Coronavac, a mais utilizada até o momento em todo o país.

Às 17h13, Larissa, a psicóloga do Hospital Espanhol voltou a escrever à reportagem. Anexou apenas uma foto, com vista para a Barra lotada. “Surreal”, ela escreveu. Logo em seguida, engoliu a indignação, que vive presa no peito, e voltou a trabalhar. Embora aqueles do lado de fora ignorem, ali dentro há uma luta contra a morte que nunca tem intervalo.

Tire dúvidas sobre variantes
Como as variantes surgem?

As variantes surgem do processo de replicação de um vírus.

Por que as variantes podem ser mais graves?

Nesse processo, falhas do processo de replicação e interferência da resposta imunológica de um indivíduo contra um vírus, o que pode gerar variantes mais graves e transmissíveis.

Como se proteger das variantes do coronavírus?

Enquanto não há vacina para todos, as únicas formas de se proteger contra as variantes do coronavírus são o uso correto de máscara e o distanciamento ou isolamento social.

Itens relacionados (por tag)