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A turma da abstenção: conheça baianos que faltaram aos últimos pleitos

A turma da abstenção: conheça baianos que faltaram aos últimos pleitos

No segundo turno desta eleição, a cabeleireira Roxana Pereira, 61 anos, chega ao seu oitavo pleito presidencial. Isso significa ter vivido todas as disputas ocorridas após a ditadura militar brasileira - de 1964 a 1985 - e a promulgação da Constituição Federal de 1988. No entanto, em nenhuma delas - desde 1989 - a eleitora compareceu à urna para votar. Não por integrar a lista facultativa, mas por opção.

“Tenho vergonha de ter chegado na idade que tenho e nunca ter votado. Isso é frustrante, pois eu gostaria de um dia votar e dizer: ‘esse será o cara, vai fazer pelo menos 50% do que está prometendo’, mas só o que vemos é a esculhambação do país”, rejeita a eleitora. Ainda assim, o fato de Roxana nunca ter votado não significa que ela jamais demonstrou sua opinião eleitoral.

Apta ao voto desde que o método era em cédulas de papel, ao invés de usar o documento para sinalizar o candidato que mais lhe agradava, optou - ao menos duas vezes - por registrar sua revolta contra os postulantes. "Eu escrevia palavrões no papel e inseria na urna. Pronto, meu voto estava dado. A raiva que eu tenho dos políticos sempre foi mais forte do que eu", conta a cabeleireira que não votou ontem, nem no dia 2 de outubro.

Na Bahia, outros três milhões de baianos aptos a votar não compareceram às urnas eletrônicas no primeiro turno desta eleição, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA). O número corresponde a 27% dos 11 milhões de eleitores em situação regular no estado. Já o total de ausências no segundo turno ainda não havia sido divulgado pelo órgão até o fechamento desta matéria, às 14h de ontem (30).

Apesar disso, a projeção do cientista político André Carvalho, é de que a ausência cresça em 1%. Isto porque o índice variou da mesma maneira em eleições anteriores. Ele ainda explica que o primeiro turno da eleição costuma ter mais adesão devido ao número de candidatos estimulando o eleitor a exercer o voto.

Razão que para o fotógrafo Gabriel Nascimento, 32 anos, já não é suficiente para fazê-lo ir votar há três eleições, incluindo os dois turnos de 2022 - que ele também não compareceu. Sua decisão foi motivada pelos escândalos de corrupção revelados pelas investigações da operação Lava Jato que, a partir daí, nunca mais o fez deixar de ver condutas irregulares dos postulantes seguintes.

"Parei de acreditar na política desde que votei três vezes no PT [Partido dos Trabalhadores], e vi que eles roubaram. Então eu desisti e parei de votar, porque eu vi que todo mundo que estava [no regime político] fazia a mesma coisa. Sem uma mudança no sistema, não chegaremos a lugar nenhum", afirma o fotógrafo.

Descrença política
Menor nível de escolaridade, pobreza, deslocamento até os locais de votação e proximidade de feriados são os principais fatores relacionados à ausência no pleito, de acordo com o sociólogo, pesquisador do Laboratório de Estudos do Poder e da Política da Universidade Federal de Sergipe (Lepp-ufs), Saulo Barbosa.

Mas quando nenhuma destas questões estão em jogo, é a descrença na política e, em menor medida, a polarização, que aparecem como os propulsores da decisão de não votar. "Na medida em que a pessoa rejeita as duas opções [de candidatos], a polarização pode impedi-la de votar, mas também pode mobilizar ainda mais as bases que optaram por exercer o ato, a repeti-lo no turno seguinte", explica Saulo.

Foi essa rejeição que manteve a relações públicas e executiva internacional de suporte ao cliente, Thaise Campos, 39 anos, em casa, ontem, enquanto a maioria dos baianos saía para votar. Por causa da falta de opção, essa é a segunda eleição presidencial em que a eleitora não registra uma predileção na urna eletrônica.

Além da escolha do novo presidente, a Bahia também teve disputa de segundo turno para governador. Em tese, como Saulo Barbosa também explica, a corrida ao governo do estado junto com a presidencial tende a estimular a ida do eleitor às urnas nessa fase. Por ter a escolha do candidato ao cargo regional bem definida, Thaise até cogitou ir votar nele, mas o desgosto pelos postulantes federais falou mais alto.

"Eu não ajudei a eleger o senhor mau caráter que está como presidente [Jair Bolsonaro], e também não vou ajudar a tirá-lo, nem a colocar outro mais mau caráter [no lugar]. Como não vou sair para anular um voto, que já não conta de qualquer jeito, em casa fico”, afirma Thaise.

Ausência
O presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB-Ba, Thiago Bianchi, alerta que, independentemente das predileções políticas dos eleitores, o exercício do voto é obrigatório e está limitado à escolha de um candidato ou à rejeição dos mesmos, através dos votos nulo ou branco. Caso a presença não seja registrada, o eleitorado é imposto a justificar a ausência.

O descumprimento pode impedir desde a nomeação em concursos públicos a não emissão de documentos como o passaporte. Cientes disso, todos os eleitores ouvidos pelo CORREIO afirmam cumprir a determinação. E é o que também pretende o entregador por aplicativo Vitor Teixeira, 19 anos, já na sua primeira eleição presidencial obrigatória, por não se sentir representado por nenhum dos candidatos.

“São todos iguais, pois, no final, nenhum deles se importa de verdade com a gente, e se engana quem pensa que nos cargos abaixo da presidência é diferente. Como não quero carregar o fardo de ajudar a eleger nenhum deles, não irei votar, e pretendo seguir assim até ver alguma mudança. E torço para que já seja possível ano que vem”, ansia Vitor.

Só voto de novo se…
Após 61 anos de torcida, para Roxana Pereira, quase não sobrou esperança de ver um cenário político "em que os candidatos tenham planos reais de governo e não sumam após a eleição", pois, até o momento, o desejo tem "parecido apenas uma utopia" para ela. Em consonância, Gabriel Nascimento tem suas condições para votar de novo, bem definidas.

“Queria que acontecesse apenas duas coisas para melhorar tudo: que filhos de políticos estudassem em colégios públicos, e que os políticos e suas famílias tivessem que usar os hospitais públicos. Aí eu voltaria a acreditar na política”, sugere o eleitor. Já Thaise Campos, afirma depender de postulantes tecnicamente preparados para governar.

“Não é partido, cor, bandeira ou marketing, são propostas, carreira política - mesmo que não necessariamente, pois temos alguns com carreira que são zeros a esquerda. Para presidente vai ter que fabricar um negócio bom, porque os que estão, não vão”, afirma.

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