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Alcoolismo em Salvador cresceu durante a pandemia, dizem especialistas

Alcoolismo em Salvador cresceu durante a pandemia, dizem especialistas

Buscar ajuda é um grande desafio para quem é alcoolista. Atravessar a porta e se identificar na recepção, sentar em frente a um desconhecido e revelar as próprias fraquezas exige coragem. Geralmente, pacientes chegam cabisbaixos, retraídos e pouco falantes. Profissionais que tratam o problema dizem que atravessar essa casca exige sensibilidade. Na semana em que ocorre o Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, especialistas relatam como o descontrole pode transformar o prazer em problema. E alertam que, em Salvador, a pandemia aumentou a incidência da dependência em álcool.

Depois que o coronavírus se disseminou, a quantidade de pessoas que buscaram refúgio em bebidas alcoólicas aumentou. A coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (Caps AD) de Pernambués, Jamile Oliveira, acredita que o desemprego e questões emocionais desencadeadas pela crise sanitária deixaram a situação mais crítica.


“Tivemos um aumento significativo na demanda e também uma mudança no perfil do público. Antes, a gente atendia basicamente pessoas da região e com baixo poder aquisitivo, muitos moradores de rua. Depois da pandemia, temos atendido pacientes de regiões mais distantes da cidade e que poderiam pagar por atendimento, mas que resolveram procurar a rede pública”, disse.

As equipes também perceberam o crescimento de pessoas que ao buscar ajuda já estavam com alguma doença grave, como câncer de estômago, hepatite e cirrose. A unidade tem 345 pacientes ativos - aqueles que são acompanhados ao menos uma vez na semana - e realiza 3.372 assistências mensais, das mais diversas dependências.

“O álcool ainda é o principal problema, acredito que pela facilidade de acesso. A maioria dos pacientes que atendemos sofre de alcoolismo. É importante que as famílias fiquem atentas às mudanças de comportamento, alterações de humor, e que entendam que esse paciente precisa de ajuda”, disse.

Dependência

Ficar longe do álcool é ainda mais complicado quando ele faz parte da cultura. Em Salvador, 40% da população bebe ao menos uma vez por semana. É o maior percentual dentre todas as capitais do país, mesmo número de Florianópolis (SC), e muito acima da média nacional de 26,4%. Os dados são da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feita em 2019, portanto, antes da pandemia.

A dependência do álcool é uma questão grave que tem afetado inúmeras famílias. O Centro de Acolhimento e Tratamento de Alcoolistas (Cata) das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) é a unidade de referência no estado nesse tipo de atendimento e realiza 11 mil assistências ambulatoriais e cerca de 500 internações para desintoxicação por ano. É a única instituição que oferece internação gratuita para esses pacientes na Bahia.

A coordenadora do Centro, Andrea Lima, contou que as pessoas mais leigas costumam buscar primeiro a internação, mas que esse deve ser o último recurso. Ela contou que a dependência provoca uma mudança significativa na vida do usuário e que o atendimento ambulatorial, com consultas e terapias, é fundamental na ressocialização desses indivíduos.

“O dependente vai deixando de ser pai, deixa de ser trabalhador, porque muitas vezes o álcool faz com que ele perca o emprego, e assim ele vai deixando os papéis sociais e assumindo o de alcoolista. E isso traz a solidão e a sensação de ser um derrotado. As pessoas o afastam, mas ele também se afasta pela vergonha. Diferente dos usuários de drogas ilícitas, os dependentes de álcool são mais depressivos”, afirmou.

Ela contou que existe três tipos de consumo: o beber social, o abusivo e o alcoolismo, e que a linha que os separa é cruzada aos poucos. “As pessoas apontam problemas no fígado como sinal de excesso, mas é o sistema nervoso quem sofre primeiro. Sintomas provocados pelo uso abusivo de álcool, como falta de sono, irritabilidade, pequenos conflitos, tremores e esquecimentos são alertas e merecem atenção”, contou.

Ajuda

O poder público oferece algumas alternativas gratuitas (veja quadro), e clínicas privadas também têm tratamento especializado. Porém, independentemente da condição social do paciente, o psicólogo da Clínica Quíron, Carlos Kruschewsky, acredita que a busca geralmente é a mesma.

“Os motivos que levam uma pessoa a beber são variados, mas quem faz uso de substâncias psicoativas está buscando a fuga da realidade, está em busca do entorpecimento, muitas vezes para fugir de um sofrimento. A primeira reação quando a família fala em ajuda profissional é a negação, é negar que precisa de ajuda, por isso, essa aceitação é trabalhada durante o processo terapêutico”, afirmou.

Ele contou que a linha que separa o consumo consciente de bebida alcóolica da dependência do álcool é muito tênue e costuma ser atravessada sem que o consumidor perceba claramente. De repente, o que era para ser um prazer está causando violência, depressão e destruindo famílias.

“É difícil fazer esse diagnóstico pela quantidade de bebida que ele ingere ou pela regularidade com que faz isso. A gente costuma dizer que o limite é quando começa a ter prejuízo emocional, profissional e físico, é quando a bebida começa a interferir nas capacidades dessa pessoa”, contou.

O alcoolismo foi declarado doença pela Organização Mundial de Saúde, em 1967, e acomete mais homens. O tratamento muda de acordo com cada caso, mas a terapia, individual ou em grupo, é o método mais utilizado. Para todos os especialistas a prevenção e a moderação ainda são o melhor remédio.

A Organização Pan-Americana de Saúde desenvolveu uma especialista digital em saúde e uso do álcool para esclarecer dúvidas, confira aqui.

Sinais que merecem atenção:
*Alteração do humor, irritabilidade e esquecimento provocados pela bebida;

*Diabetes, hipertensão e impotência sexual agravados pela doença;

*Vontade muito intensa pela substância ou efeito esperado;

*Dificuldade em controlar ou interromper o uso;

*Abandono de outras atividades cotidianas ou de lazer em função deste consumo;

*Presença da chamada síndrome de abstinência, como tremedeiras e alucinações;

Onde encontrar ajuda gratuita
*Centro de Acolhimento e Tratamento de Alcoolistas (CATA) – Para ter acesso ao serviço basta comparecer ao núcleo de segunda a quinta-feira, a partir das 7h. O atendimento é por ordem de chegada. A unidade fica na Avenida Bonfim (Largo de Roma). Os interessados devem apresentar documento de identidade com foto e cartão do SUS;

*Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (Caps AD) Espinheira - Rua Velha de Campinas, 61, - Pirajá. Funciona de segunda a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 17h. É preciso apresentar documento de identidade e cartão SUS;

*Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (Caps AD) Pernambués - Rua Conde Pereira Carneiro, 137, - Pernambués. Funciona de segunda a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 17h. É preciso apresentar documento de identidade e cartão SUS;

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