Imprimir esta página
Em Salvador, Rainha Elizabeth II comeu beiju com queijo ralado e tomou suco de pitanga

Em Salvador, Rainha Elizabeth II comeu beiju com queijo ralado e tomou suco de pitanga

Domingo, 3 de novembro de 1968, 7h da manhã. Pela primeira e única vez, a Rainha Elizabeth II pisava em Salvador. O dia da visita histórica foi marcado por inúmeros compromissos oficiais, mas também por uma simplicidade surpreendente. Na Bahia, a majestade tomou suco de pitanga, comeu beiju com queijo ralado e quebrou protocolos de segurança, recebendo cumprimentos e presentes da população, que lotou as ruas da capital para recepcionar a monarca do Reino Unido.

A cidade certamente marcou a passagem de 11 dias de Elizabeth, então com 42 anos, pelo Brasil. No roteiro, outros locais como Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas e Brasília. Em solo soteropolitano, foram pouco mais de três horas, porém suficientes para conhecer e sentir de perto o calor e a receptividade característica do povo.

Ao lado de seu marido, Príncipe Philip, a rainha desembarcou do Britannia, o iate real da Marinha Inglesa, e logo de cara visitou o Mercado Modelo. A recepção foi feita pelo prefeito da época, Antonio Carlos Magalhães, e o governador Luís Viana Filho.

“Que encantamento estar em sua terra”, disse a rainha para ACM.

No trajeto, esteiras de sisal com flores espalhadas por cima. A alteza recebeu uma penca de prata confeccionada pelo prateiro Gérson Viana. Cada barraqueiro teve o direito de levar três convidados, todos vestidos de paletó e gravata.

Cantor e compositor, Chocolate da Bahia ficou frente a frente com a rainha e tocou berimbau para ela. Ele relembra o momento. “Eu cantei uma música que fiz especialmente pra ela, e ela quebrou o protocolo. Nunca tinha se visto isso acontecer, uma rainha abraçar um tocador de berimbau. Eu era um galã, com 20 e poucos anos”, diverte-se.

A saída ficou caracterizada por dois fatos curiosos. Primeiro, o Príncipe Philip ganhou justamente um berimbau de presente. Depois disso, a rainha se dirigiu para o carro Lincoln Modelo K, de 1935, da Ford, pertencente ao governo de São Paulo, que a levaria para percorrer as ruas antes de chegar ao Palácio da Aclamação. Ao sentar no banco, um susto, como narrou a Revista Manchete da época. “A soberana sentou-se na poltrona de couro do carro, fechou a boca de repente, abriu os olhos com surpresa e se pôs de pé um pouco mais depressa do que deveria, provocando a paralisação do cortejo. O banco, exposto ao sol por horas e horas, estava muito quente”, diz o texto.

O passeio permitiu à Rainha Elizabeth II conhecer a essência da população, que a recebeu com muitos aplausos e acenos. A retribuição veio com sorrisos. As ruas estavam enfeitadas com bandeiras do Reino Unido e muitos prédios foram pintados. Algumas crianças, inclusive, conseguiram furar o bloqueio da segurança e se aproximaram do veículo oficial. Apesar do calor, a rainha veio preparada, pois estava vestida com um vestido leve de seda, de cor rosa, além de um chapéu com algumas flores, colar e brinco de pérolas.

“A cidade se preparou para receber a rainha. Pintaram o meio fio, colocaram tapumes em algumas obras para esconder o lado feio. Os baianos foram para a rua saudar a rainha, a representatividade que ela tinha”, lembra o jornalista e publicitário Nelson Cadena. “Ela veio com 18 malas e escolheu um vestido bem fininho por causa do calor”, completa.

Quando o cortejo passava pela Igreja da Conceição da Praia, os sinos tocaram o Hino da Inglaterra, o Hino do Brasil e o Hino da Bahia. A comitiva subiu a Ladeira da Montanha e chegou à Praça Castro Alves. “Dona Rainha, que o Senhor do Bonfim a proteja”, gritou um homem, de acordo com a Revista Manchete.

Cardápio simples

A passagem contou com a presença ilustre em diversos pontos de Salvador, entre eles o Clube Inglês, a Igreja de São Francisco, no Terreiro de Jesus, o Museu de Arte Sacra, além do mais importante, o Palácio da Aclamação. Neste último, a rainha e o Duque de Edimburgo foram apresentados a outros membros do governo e a 120 casais da sociedade baiana.

Elizabeth teve a oportunidade de fazer um lanche simples, com direito a suco de pitanga e beiju com queijo ralado, servidos em uma bandeja de prata do século XVIII. A fruta foi escolhida graças ao elogio feito por ela em sua passagem por Recife, dois dias antes, onde também bebeu o refresco.

Personalidades, intelectuais e artistas também se fizeram presentes na cerimônia que durou aproximadamente 35 minutos. Entre eles estavam Jorge Amado, Carybé e o arcebispo D. Eugênio Sales.

Curiosa foi a pergunta feita por Solange Viana, filha do governador, para a monarca. Ela questionou sobre a ausência dos filhos da rainha na viagem e recebeu a justificativa do motivo para eles terem ficado na Inglaterra.

“Estamos em pleno período escolar. As crianças perderiam muitas aulas se viessem”, teria respondido de acordo com os jornalistas presentes.

A despedida foi discreta, porém não menos importante. De volta ao iate real, Rainha Elizabeth II partiu rumo ao Rio de Janeiro, sua próxima parada. No mar da Baía de Todos os Santos, o Britannia foi ‘escoltado’ por alguns saveiros, numa espécie de procissão. Em diversos pontos da orla, os baianos acompanharam a partida, bem narrada em versos musicais pelo sambista soteropolitano Riachão, falecido em 2020 aos 98 anos. “Da Inglaterra veio direto ao Brasil/ Sei que você também viu/ (...) Seguiu para a Marinha/ A Bahia assistia/ Seu adeus final”.

Itens relacionados (por tag)