A pandemia revive prática medieval

A pandemia revive prática medieval

A epidemia de covid 19 prossegue mudando os hábitos de vida e de morte da humanidade. Ultimamente, as cenas de enterros coletivos em valas comuns e com o número mínimo de parentes para acompanhar,  provocam horror e lembram esse tipo de prática surgida justamente nas grandes pandemias que assolaram, principalmente. a Europa na Idade Média. Enterros coletivos apagam a referência da sepultura individual, em que é possível traçar breve ou longo perfil do morto através de epitáfios, importante etapa dos ritos funerários. Com o passar dos anos, autoridades das principais cidades europeias resolveram reservar um local, afastado, para sepultar futuras vítimas de eventuais epidemias, além de pobres e defuntos de condição modesta, cujas famílias não tinham dinheiro para enterrá-los em igrejas e cemitérios consagrados. 

Há um episódio curioso, se é que o termo cabe, ocorrido após a reforma protestante na França, durante governo que reconhecia as duas religiões, o catolicismo e o protestantismo. Embora rejeitassem frequentar templos católicos, os protestantes reivindicavam o direito de continuar sendo sepultados nos cemitérios públicos e, em alguns casos, nas próprias igrejas. Mas isso causou reações como a do bispo Henri de Sponde. Ele pregava que os integrantes das duas religiões fossem separados na vida e na morte. E acreditava ser uma “promiscuidade” que, no dia da ressurreição dos corpos - prevista no livro bíblico Apocalipse de João - saíssem todos juntos de suas covas, católicos e protestantes, no mesmo cemitério. E vociferou: “Tendes horror a entrar vivos nas igrejas e nos cemitérios, contudo, não receias fazer enterrar vossos mortos nos cemitérios e nas igrejas”. 

O argumento dos protestantes é que integravam a comunidade, portanto, tinham o direito de ser enterrados onde quisessem e era nas igrejas e cemitérios católicos onde estavam sepultados os pais e avós. 

O historiador funerário Phillipe Ariès tira algumas lições desse episódio. Havia um sentimento  de família mais forte que o caráter religioso, que impelia o protestante a querer ser sepultado no mesmo local onde seus parentes descansavam o sono eterno, mesmo que estivessem num cemitério de um culto rival. Com o tempo e o recrudescimento das guerras religiosas, houve de fato em algumas cidades, uma separação de cemitérios, para atender os adeptos de cada religião.

 

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Biaggio Talento é jornalista, e colaborador do O Jornal da Cidade. 

 
 
A epidemia de covid 19 prossegue mudando os hábitos de vida e de morte da humanidade. Ultimamente, as cenas de enterros coletivos em valas comuns e com o número mínimo de parentes para acompanhar,  provocam horror e lembram esse tipo de prática surgida justamente nas grandes pandemias que assolaram, principalmente. a Europa na Idade Média. Enterros coletivos apagam a referência da sepultura individual, em que é possível traçar breve ou longo perfil do morto através de epitáfios, importante etapa dos ritos funerários. Com o passar dos anos, autoridades das principais cidades europeias resolveram reservar um local, afastado, para sepultar futuras vítimas de eventuais epidemias, além de pobres e defuntos de condição modesta, cujas famílias não tinham dinheiro para enterrá-los em igrejas e cemitérios consagrados. 
 
Há um episódio curioso, se é que o termo cabe, ocorrido após a reforma protestante na França, durante governo que reconhecia as duas religiões, o catolicismo e o protestantismo. Embora rejeitassem frequentar templos católicos, os protestantes reivindicavam o direito de continuar sendo sepultados nos cemitérios públicos e, em alguns casos, nas próprias igrejas. Mas isso causou reações como a do bispo Henri de Sponde. Ele pregava que os integrantes das duas religiões fossem separados na vida e na morte. E acreditava ser uma “promiscuidade” que, no dia da ressurreição dos corpos - prevista no livro bíblico Apocalipse de João - saíssem todos juntos de suas covas, católicos e protestantes, no mesmo cemitério. E vociferou: “Tendes horror a entrar vivos nas igrejas e nos cemitérios, contudo, não receias fazer enterrar vossos mortos nos cemitérios e nas igrejas”. 
 
O argumento dos protestantes é que integravam a comunidade, portanto, tinham o direito de ser enterrados onde quisessem e era nas igrejas e cemitérios católicos onde estavam sepultados os pais e avós. 
 
O historiador funerário Phillipe Ariès tira algumas lições desse episódio. Havia um sentimento  de família mais forte que o caráter religioso, que impelia o protestante a querer ser sepultado no mesmo local onde seus parentes descansavam o sono eterno, mesmo que estivessem num cemitério de um culto rival. Com o tempo e o recrudescimento das guerras religiosas, houve de fato em algumas cidades, uma separação de cemitérios, para atender os adeptos de cada religião.

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