Como nasce uma religião

Como nasce uma religião

Nesses tempos em que teses religiosas tentam direcionar os destinos do país, uma análise ao evento conhecido como “culto à carga”, pode esclarecer muita coisa sobre como o homem é sensível a acontecimentos que não controla ou desconhece a origem. O “culto à carga” é um dos exemplos modernos de como nasce uma religião. O fenômeno apareceu em meados do século XX, em ilhas do Pacífico e se encaixa na sentença do renomado escritor de ficção cientifica Arthur C. Clarke, segundo a qual “qualquer tecnologia avançada o bastante é indistinguível da magia”.

Supersticioso, o homem tende a acreditar em forças sobrenaturais para explicar eventos que não entende. O “culto à carga” resulta disso. Depois da Segunda Guerra Mundial, algumas ilhas da região da Nova Guiné passaram a ser frequentadas por estrangeiros: militares, colonizadores e missionários, que traziam máquinas fantásticas, incompreensíveis para os nativos.

Logo, os ilhéus perceberam que as tais geringonças não eram fabricadas pelos estrangeiros. Quando as máquinas quebravam, eram enviadas para algum lugar e artigos novos continuavam chegando na forma de “carga” em navios ou aviões. Os homens brancos, além de não consertarem as máquinas, não produziam nada de útil nas ilhas. Se limitavam a passar a maior parte do tempo atrás de mesas mexendo em papéis, que os nativos interpretavam como algum tipo de devoção religiosa. Não foi difícil para os indígenas concluírem que a “carga” tinha uma origem sobrenatural.

Para reforçar a impressão, os estrangeiros agiam de forma estranha, que só podia ser ritual aos seus deuses para pedir mais carga: marchavam de um lado pro outro, erguiam mastros imensos onde instalavam fios e passavam horas ouvindo sons estranhos, emitidos por uma caixa barulhenta que piscava.

Os nativos perceberam que se eles quisessem carga, teriam que realizar rituais semelhantes. Os pesquisadores do fenômeno notaram o surgimento desse culto à carga em locais diferentes, sem comunicação, Ilhas Salomão, Nova Caledônia, Fiji, entre outras. Em uma das obras que analisaram o fenômeno, se informa que a maioria dessas religiões “afirma que um messias específico trará carga quando o dia do apocalipse chegar”.

Vinte anos depois do início do fenômeno, antropólogos que visitaram uma dessas ilhas e contactaram um sacerdote dessa nova religião. Esse pagé relatou a passagem na região no passado de um tal John Frum, um messias que fez várias profecias indicando que voltaria um dia, no futuro, trazendo carga abundante para todos. Quando os antropólogos desdenharam sobre a possibilidade do retorno do profeta, pois já se passara vinte anos e ele não voltou, um devoto do culto respondeu de chofre: se os católicos podem esperar dois mil anos pelo retorno de Jesus, então posso aguardar o tempo necessário por John Frum.

 

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Biaggio Talento é jornalista, e colaborador do O Jornal da Cidade.

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