Fila da morte: Processos contra o estado devido à fila da regulação crescem mais de 300%

Fila da morte: Processos contra o estado devido à fila da regulação crescem mais de 300%

O número de processos movidos contra o governo estadual por questões relacionadas à regulação cresceu 363% no último ano, segundo dados levantados pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) a pedido do CORREIO. Enquanto 2020 registrou 118 processos, a taxa saltou para 547 em 2021. Já até 19 de agosto de 2022, a entidade contabilizou 568 ações judiciais. O valor já é 3% a mais do registrado nos 12 meses do ano passado. Em 2019, ano anterior à pandemia da covid-19, o Tribunal recebeu apenas cinco processos.

Os processos são resultado de casos na esteira da fila de regulação do Sistema único de Saúde (SUS). A Central Estadual de Regulação (CER) possui cerca de 1.100 solicitações diárias que incluem avaliações com especialistas, exames, procedimentos cirúrgicos e vagas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), afirma a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Por dia, as quatro centrais recebem, em média, 150 solicitações para UTI adulto, 30 para pediátrica, 25 para neonatal e cinco liminares.

Para a líder do Movimento Independente de Luta da Pessoa com Deficiência da Bahia, Fabiana Borges, a fila de regulação é na verdade “a fila da morte”. Ela diz isso porque a amiga, Geiza Santos, 38, faleceu no dia 15 de agosto, após passar 15 dias na espera para transferência.

Fabiana conta que Geiza tinha leucemia aguda e, nas duas últimas semanas, estava internada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Barris, mas precisava de atendimento especializado e fazer drenagem no pulmão. Após protestos do movimento no dia 13, a paciente foi transferida para o Roberto Santos no dia seguinte, no entanto, não resistiu e faleceu. “É uma falta de respeito, é a fila da morte. Quantos estão passando pela mesma coisa?”, lamenta.

A promotora de Justiça Patrícia Medrado coordena o Centro de Apoio Operacional da Saúde do Ministério Público (Cesau/MP) na Bahia, cuja função é promover medidas necessárias para garantia dos direitos à saúde, e explica que o recrudescimento na regulação ocorreu, sobretudo, por questões causadas pela pandemia. Já a leve queda assistida esse ano também se deve à menor procura por postos em meio à proteção dada pela vacinação.

Pacientes crônicos, que tiveram quadros agravados por não terem acesso a serviços de saúde em razão da necessidade de isolamento ou pela suspensão de cirurgias eletivas em contraste à prioridade dada aos casos de covid-19, são alguns dos fatores que explicam os números. Abandono de planos de saúde para utilização do SUS em meio à crise econômica e superlotação do atendimento primário e, como consequência, dificuldade ao especializado também devem ser considerados nas causas da crise no sistema de saúde, aponta a promotora.

Perigos
À frente de ações judiciais que solicitam mais leitos para o Departamento de Emergência, o promotor de Justiça Rogério Queiroz esclarece que pacientes crônicos, na área vascular, de cardiologia, oncologia, clínica médica e ortopedia cirúrgica são os que mais sofrem no processo de espera.

“O financiamento é muito baixo e o dinheiro é insuficiente. No que estado e município venham a gastar normalmente é cinco vezes maior que o repasse do Ministério da Saúde. Cardiologia é grave porque precisa fazer cateterismo, pode evoluir ao óbito. Vascular às vezes [há risco de] necrose em um dedo e que vai evoluindo no tempo esperando na UPA. Às vezes tem que fazer amputação que era de dedo, [mas] vai todo o joelho”, denuncia.

O auxiliar de serviços gerais Josmiro Bastos, 37, viveu quadro semelhante. Ele tem diabetes e perdeu o polegar da mão direita no Natal de 2021. Em agosto de 2022, o paciente voltou a ser internado na Policlínica da Humildes - distrito do município de Feira de Santana - por problemas causados pela doença. Após três semanas na espera, Josmiro conseguiu transferência para o Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA), onde está em observação, uma vez que chegou na policlínica com apenas um pé inchado e agora a situação evoluiu para os dois pés, com possibilidade de amputação em ambos.

“Fica parecendo que não tem ninguém por nós. O atendimento aqui é bom, mas não tem suporte para uma situação dessa”, lamenta.

A Sesab também reconhece dificuldade do acesso aos postos de saúde a prejudicar tratamento de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, porém, citou a realidade como “caso específico de Salvador”.

A secretaria ainda afirma que, atualmente, 80% das solicitações da Central Estadual de Regulação são atendidas em até 48 horas e a capacidade de atendimento da rede estadual aumentou com a abertura de 20 novos hospitais nos últimos 15 anos, a exemplo do HGE 2, Hospital da Mulher e Instituto Couto Maia.

“Há um esforço contínuo para reduzir o tempo médio de atendimento, sobretudo, com a abertura de novos leitos e serviços. O tempo médio de atendimento para as solicitações diversas (exames, avaliações com especialistas, internação clínica e procedimento cirúrgico) é de 3 dias. Já o tempo médio para atendimento dos pleitos envolvendo UTIs é de 2,6 dias”, garante.

Questionada sobre a quantidade de pacientes em espera na regulação, a entidade não respondeu. O CORREIO solicitou também dados sobre o número de óbitos de pessoas na fila de regulação. O valor foi pedido, inclusive, via Lei de Acesso à Informação - que regulamenta o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas -, mas os dados nunca foram apresentados. A reportagem solicitou à Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE/BA) detalhes sobre os tipos de processos - se são por indenização, por exemplo -, mas também não recebeu retorno.

Em Feira de Santana, 196 pessoas morreram esperando atendimento

Segundo Vera Galindo, coordenadora de média e alta complexidade, ou seja, setor que envolve UPAs, policlínicas e liberações de internamento hospitalar, no primeiro semestre, 196 pacientes foram a óbito na espera da regulação em Feira de Santana. Atualmente, são 51 pacientes à espera de vaga. Vera ressalta que, apesar da queda em busca hospitalar em casos de covid-19, janeiro estava com 58 pacientes, ou seja, apesar da queda na busca por causa do coronavírus, a fila pouco teve alteração.

“É preocupante. Temos pacientes gravíssimos, estamos no momento com pacientes precisando fazer regulação há mais de 15 dias e estamos tensos esperando para que seja puxado para qualquer hospital, porque o paciente está correndo risco de morte”, chama atenção.

A dona de casa Solange Almeida, 55, lamenta o caso da mãe, Angelina Bezerra da Silva, 87, que tem diabetes e esteve internada por 12 dias na UPA da Queimadinha, bairro em Feira de Santana, com dois pés roxos, inchados e no aguardo para cirurgia vascular. A idosa conseguiu regulação ao final do mês de agosto.

“Me sinto impotente, é uma situação muito triste porque a gente fica com as mãos atadas. Ela fica triste, os netos todos choram quando vem vê-la aqui. É lamentável porque vai se agravando ao invés de ter melhora”.

Para atender mais pessoas, Vera Galindo salienta que está no plano de governo a construção de hospital municipal, mas a meta exige recursos, a exemplo da contratação de equipe especializada, adequar demandar e na própria infraestrutura. A intenção é que até o final do mandato, a equipe municipal consiga recurso para viabilizar a construção do prédio.

Procurada desde janeiro, Sesab não respondeu

A equipe de reportagem do CORREIO iniciou a busca por dados sobre número de pessoas na fila de regulação e taxa de óbitos em janeiro de 2022 e teve dificuldades para receber retorno da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). A produção do jornal entrou em contato com a secretaria em 13 de janeiro solicitando número de pacientes na fila da regulação, o pedido foi cobrado para assessoria em 18 de março e reforçado em 22 de março, porém, a informação nunca foi apresentada.

Também no mês de março, a equipe conseguiu entrevistar a diretora de regulação da Sesab, Rita Santos, que, contudo, não passou dados e orientou contato com a instituição. Sem respostas, a reportagem fez pedidos novamente em 11 de abril e 20 de abril, até solicitar via Lei de Acesso à Informação pelo portal da ouvidoria do estado, no dia 28 do mesmo mês.

A reportagem ainda entrou em contato com a prefeitura dos municípios baianos, Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA) e só conseguiu dados através de contato com o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ/BA), em 22 de agosto.

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    A Bahia registra um aumento significativo de casos de Dengue, com 16.771 casos prováveis até 24 de fevereiro de 2024, quase o dobro em comparação ao mesmo período do ano anterior. Atualmente, 64 cidades estão em estado de epidemia, com a região Sudoeste sendo a mais afetada. Além disso, foram confirmados cinco óbitos decorrentes da doença nas localidades de Ibiassucê, Jacaraci, Piripá e Irecê.

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    Na avaliação da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, o momento é de unir esforços para conter o aumento do número de casos e evitar mortes. "O Governo do Estado está aberto ao diálogo e pronto para apoiar todos os municípios, contudo, cada ente tem que fazer a sua parte. As prefeituras precisam intensificar as ações de atenção primária e limpeza urbana, a fim de eliminar os criadouros, e fortalecer a mobilização da sociedade, antes de recorrer ao fumacê. A dependência excessiva do fumacê, como último recurso, pode revelar uma gestão reativa em vez de proativa no combate à doença", afirma a secretária.

    A titular da pasta estadual da Saúde pontua ainda que o Governo do Estado fez a aquisição de novos veículos de fumacê e distribuirá 12 mil kits para os agentes de combate às endemias, além de apoiar os mutirões de limpeza urbana com o auxílio das forças de segurança e emergência. "Além disso, o Governo do Estado compartilhou com os municípios a possibilidade de adquirir bombas costais, medicamentos e insumos por meio de atas de registro de preço", ressalta Roberta Santana.

    Drones

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