Tudo começou com alguns espirros e uma tosse chata. No dia seguinte, a tosse começou a apresentar secreção. Depois, surgiu a febre. A servidora pública Maria Alice Santana, 32 anos, procurou a Unidade de Pronto Atendimento dos Barris (UPA) e o diagnóstico foi de virose. Por ser uma doença de fácil recuperação, a maioria dos pacientes não procura ajuda médica, mas o vírus atual está deixando as pessoas doentes por mais tempo que o normal. O que deveria durar de 3 a 5 dias, está levando duas semanas ou até mais.

“Eu lavei o cabelo de manhã cedo e quando saí para trabalhar já estava espirrando bastante, mas como tenho rinite, pensei que ela estivesse atacada. Depois, comecei a tossir. No dia seguinte, a tosse estava mais intensa e com secreção e, então, veio a febre. Fui até a UPA e encontrei várias pessoas com o mesmo quadro que eu. O médico explicou que era virose, que tinha vários casos na cidade e que era do tempo”, contou Maria Alice.

A mãe dela mora na mesma casa e também foi infectada. Os sintomas mais fortes desapareceram em cerca de dez dias, mas a tosse das duas mulheres vai completar duas semanas.

Já o adolescente Igo Oliveira, 13 anos, acordou na semana passada com uma irritação na garganta e indisposição. A mãe dele, Joseane de Jesus, achou melhor não mandar o menino para a escola e nos dias seguintes surgiram novos sintomas.

“Ele teve febre e ficou rouco, além de corpo mole e tosse, mas ficou isolado. Ele não foi para a escola e nem foi visitar minha mãe, que é idosa e mora na casa de baixo. Comprei alguns remédios e laranja para fazer suco. Isso ajudou bastante e ele está bem melhor. A tosse ainda persiste, mas está fraca”, contou.

Coquetel de vírus
As viroses são doenças provocadas por vírus das mais diversas naturezas, por isso, os efeitos podem variar. O médico epidemiologista Alexandre Fonseca explicou que a persistência dos sintomas por mais de sete dias não é o comum, mas também não surpreende, porque cada vírus se comporta de uma maneira. No entanto, ele frisou que sintomas que duram mais de 15 dias precisam ser investigados.

“Dependendo do vírus, ele vai causar mais ou menos sintomas, e esses sintomas vão durar mais ou menos tempo. O que precisa ser observado é a persistência dos sintomas graves. O pico da infecção acontece nas primeiras 12 horas, depois disso começam a ser formados os anticorpos que vão combater o vírus e essa resposta imunológica vai provocar os sintomas, como febre e secreção. Essa resposta pode durar até 15 dias”, explicou.

Os cuidados precisam ser redobrados com crianças, idosos e pessoas com comorbidade, porque o sistema imunológico desses indivíduos está mais fragilizado. O epidemiologista, que também é professor de Medicina da Faculdade AGES, deu algumas dicas de como identificar se o caso está evoluindo para um quadro mais grave. “No caso das crianças tem o que chamamos de ‘batida de nariz’. É quando ela puxa o ar com dificuldade e provoca uma contração nasal. É preciso observar também se há retração da pele da caixa toráxica (no meio do peito). Sonolência, tontura, alteração na urina e febre acima de 40°C são preocupantes. Febre acima de 38ºC já merece atenção”, afirmou.

Automedicação
Por ser uma doença autolimitada na maioria dos casos o paciente não procura uma unidade de saúde, por isso, o poder público não consegue mensurar com precisão a quantidade de casos, mas especialistas frisaram a importância de fazer uso da medicação correta. O infectologista e professor da Escola Bahiana de Medicina, Robson Reis, afirma que antibióticos não são recomendados para os casos de virose.

“Antibiótico é para tratar infecção bacteriana, como uma sinusite bacteriana, por exemplo. O tratamento de virose é feito com antitérmico, analgésico, soro para limpar o nariz, hidratação e repouso. Encontrar pacientes usando anti-inflamatório sem orientação médica é muito comum e isso pode ser um problema, porque o uso indiscriminado dessa medicação pode causar gastrite, úlcera grave e disfunção renal”, explicou.

Além disso, anti-inflamatórios interferem na coagulação sanguínea e se o paciente estiver com dengue, a situação pode ser agravada. A recuperação acontece de três a sete dias após o aparecimento dos sintomas, mas o especialista frisou que independentemente do tempo é preciso ficar atento aos sinais de alerta. Quando o paciente sente dor e prostração (fraqueza) intensas, apresenta febre acima de 38,5ºC, dificuldade para respirar ou aumento da frequência respiratória, é preciso procurar um médico.

“Algumas doenças infeciosas são sazonais, ocorrem baseadas no clima e na temperatura. As viroses são típicas do inverno. Porém, outros períodos do ano podem ter características que facilitam a infecção, principalmente com as estações cada vez menos definidas devido às mudanças climáticas; e períodos de estresse, o que pode afetar o sistema imunológico”, afirmou o infectologista.

Ele contou que tem percebido crescimento de pacientes com sintomas gripais em Salvador e explicou que em 90% dos casos o quadro é de virose ou crise alérgica, mas é preciso ficar atento. Os médicos reforçaram a importância de fazer teste para covid e influenza, já que os sintomas são similares à virose.

Entenda as Viroses:

O que é: As viroses respiratórias são infecções provocadas por vírus e podem apresentar diversos sintomas, a quantidade, intensidade e duração alterna de acordo com cada tipo de vírus. A recomendação é fazer o teste para descartar casos mais graves, como covid e influenza;

Quais os sintomas: Pacientes com viroses respiratórias costumam manifestar tosse, febre, mal-estar, falta de apetite, coriza e dor de garganta. Já as viroses intestinais provocam febre, náusea, falta de apetite, vômito e também dores abdominais;

Como tratar: São usados medicamentos para tratar os sintomas, como analgésicos e antitérmicos. É recomendado o uso de soro para lavar as narinas, ingestão de bastante líquido para combater a desidratação, alimentação saudável e repouso;

Como evitar: Redobre os cuidados com a higiene, alimentação e sono. Evite aglomerações e estresse ou situações que fragilizem seu sistema imunológico. Pessoas com comorbidade, idosos e crianças precisam de mais cuidados, porque o organismo está mais fragilizado

Segundo especialistas, o fenômeno é comum nesta época do ano. “Nesse período de outono-inverno, já esperamos um aumento da procura por unidades de emergência por pacientes com sintomas virais; é época de umidade, menos calor. Mas outra coisa que precisamos levar em conta é a retomada das atividades e a flexibilização do uso de máscaras. Isso acaba favorecendo a circulação de vírus respiratórios através das secreções que transmitimos ao falar, tossir e espirrar”, diz a infectologista da Secretaria Municipal de Salvador (SMS), Adielma Nizarala.

“Parecia que ia ficar igual uva passa de tanta água que perdi”, “Tô me acabando pelo fundo igual balaio velho”, “Virei rei. Desde 3 da manhã indo ao trono”. Salvador vive um surto de virose e, como perrengue na Bahia vira logo motivo de piada, esses são alguns dos relatos publicados no Twitter por quem pegou a doença. Apesar da corrida para as emergências e farmácias, autoridades de saúde garantem que não há motivo para alarme.

“Estamos observando uma quantidade maior de pacientes em Salvador procurando as emergências e UPAs por conta de quadro intestinal com diarreia, náusea, vômito, dor abdominal e alguns com febre e sintomas respiratórios”, coloca a infectologista do Hospital Aliança Áurea Paste. A virose não é específica de Salvador, já há relatos de surtos também em cidades do Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Pará, por exemplo.

A estudante Alana Soares, de 22 anos, foi uma das infectadas. Ela diz que não chegou a procurar atendimento médico. “Eu tive ainda em abril. Passei o dia todo indo ao banheiro com diarreia e vômito. Aí veio logo um mal estar, uma fraqueza. Mas fui colocando iogurte, fruta e água de côco para dentro e melhorei. No dia seguinte, ainda fiquei com uma diarreia leve, mas, no terceiro dia, acordei como se nada tivesse acontecido”, lembra.

A farmacêutica Débora Almeida diz que, há cerca de uma semana, vem aumentando a procura por medicamentos para tratar viroses. “Tem muita demanda por probióticos e soro de reidratação oral, os clássicos para dor de barriga e vômito. E muitos colaboradores das farmácias estão apresentando esses sintomas também”, conta. Além desses, outros medicamentos procurados são os xaropes, para tosse, e pastilhas para garganta por conta de incômodo e rouquidão.

Que vírus é esse?

No Twitter, alguns relatos mencionaram que médicos deram o diagnóstico de rotavírus para quem apresentou como principal sintoma a diarreia. “Eu peguei e foi uma desgraça!!! Rotavírus segundo os médicos, e disse que tava um surto mesmo. Quando fui atendida vários estavam lá com o mesmo sintoma, terrível terrível”, trouxe uma das publicações. “Rapaz, a médica deu a ideia a minha mãe na emergência que era um surto de rotavírus, que tá todo mundo assim”, apontou outra.

A infectologista Adielma Nizarala explica que, mesmo com a diversidade de sintomas apresentados, é possível que o surto seja de apenas um vírus.

“Muitos vírus respiratórios podem provocar sintomas gastrointestinais também. E cada organismo vai receber o vírus de uma forma. Algumas pessoas podem evoluir de uma gripe para desconforto abdominal, outras podem ter só sintomas de gripe e outras só uma diarreia”, diz.

O infectologista Antônio Bandeira, coordenador do serviço de infectologia do Hospital Aeroporto, acredita que possam ser doenças diversas.

“Tem uma virose intestinal e uma respiratória espalhadas por aqui. 90% das amostras de doenças respiratórias estão dando vírus sincicial respiratório e rinovírus. A parte intestinal tem tido múltiplas causas, como norovírus, rotavírus e adenovírus”.

A infectologista Ceuci Nunes explica que a classificação geral de virose acontece porque a identificação específica da doença é muito difícil. “É complicado identificar porque são diversos e isso demanda metodologia de laboratório específica e complexa que não se faz com todos os pacientes que chegam no hospital. O que pode-se dizer é que é uma virose e que existem surtos desses vírus, principalmente, quando temos chuvas, frio e aglomerações”, coloca.

Há motivo para se preocupar?

Para Ceuci Nunes, o surto tem uma certa duração e deve ter fim sem causar grandes problemas ao sistema de saúde da cidade, já que essas viroses não apresentam gravidade. “É uma coisa sazonal, já espera-se um aumento desse tipo de caso nessa época. O alerta só é ligado se começarmos a perceber quadros incomuns. Com a covid, por exemplo, foi notado um quadro grave e isso chamou a atenção”, complementa Adielma Nizarala.

Viroses podem ser tratadas em casa e, apenas em casos graves, a emergência deve ser procurada

A infectologista diz ainda que não há motivo para a corrida às emergências. “A emergência deve ser procurada em casos graves, com dificuldade respiratória, febre persistente ou outro sintomas que, mesmo com medicamento, não melhoram. Essas doenças duram cerca de três a sete dias. Se passar disso, é motivo de alerta. Quanto aos sintomas gastrointestinais, o risco é a desidratação, que é muito rara, então a emergência deve ser buscada se houver diarreia e vômito por vários dias”, destaca.

A médica, que é infectologista da SMS, afirmou que não há comprometimento das emergências das unidades públicas de saúde em Salvador. Mauro Adam, presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (AHSEB), afirmou que o cenário é o mesmo em relação às unidades privadas.

Cuidado extra com as crianças

As irmãs Gabriela, de 9 anos, e Giovanna, de 13, são algumas das vítimas da virose em Salvador. A mãe, Stela Carvalhal, de 45 anos, conta que os sintomas começaram há cerca de três dias e persistem até hoje. “Depois de um resfriado leve, apareceram sintomas como mal estar, dor abdominal, falta de apetite, vômito e diarreia. Não está sendo nada tão grave, então não levei ao hospital”.

Segundo especialistas, as viroses são mais comuns nas crianças. A pediatra Ludmila Carneiro, coordenadora de Pediatria da Clínica de Saúde e Imagem (CSI), explica o que justifica isso. “Alguns vírus incidem mais sobre as crianças por elas estarem sempre brincando juntas, colocarem as mãos no chão e levarem as mãos e objetos à boca. Além disso, elas têm um organismo menos preparado para receber a virose do que os adultos”, diz.

A infectologista Áurea Paste afirma que cerca de 50% das demandas nas emergências pediátricas estão sendo por sintomas gastrointestinais. “O alerta principal para as crianças é se houver vômito por conta do risco de desidratação, já que dificulta a reposição de líquido. Se a criança estiver prostrada, sonolenta e não aceitando alimento ou líquido, deve, sim, procurar a emergência”, orienta.

A pediatra Ludmila Carneiro acrescenta que os pais não devem levar crianças infectadas às escolas. "Se a criança está apresentando sintomas de infecção, não deve ir à escola para não passar a doença para os colegas e professores, mas também porque o sistema imunológico dela está mais fragilizado, focado em combater os sintomas, então é importante que ela fique em casa para se recuperar", alerta.

Quais são os sintomas comuns das viroses?

Diarreia
Febre
Vômito
Enjoo
Falta de apetite
Dor muscular
Dor na barriga
Dor de cabeça
Secreção nasal
Tosse


Como as viroses são transmitidas?

As viroses respiratórias são transmitidas por gotículas da boca ou do nariz da pessoa infectada para a pessoa saudável. As viroses gastrointestinais também têm essa forma de transmissão, além da transmissão fecal-oral. Nos dois casos, podem ser transmitidas através de objetos ou alimentos contaminados.

Como prevenir viroses?

Como a maioria das viroses é transmitida por gotículas da boca ou do nariz a prevenção para essa doença se dá através de bons hábitos de higiene. Ou seja, lavar as mãos com água e sabão com frequência, higienizar alimentos e evitar o contato com pessoas doentes. Usar máscara é uma excelente opção e, inclusive, é obrigatória para pessoas já infectadas com sintomas respiratórios. Para as viroses com transmissão fecal-oral, inclui-se também a ingestão de água sempre tratada.

Peguei a virose. E agora?

É importante que a pessoa mantenha-se hidratada, ou seja, faça a ingestão de bastante líquido, mantenha alimentação leve e equilibrada e faça repouso. Caso os sintomas piorem, a pessoa apresente febre acima de 38,5ºC por mais de três dias, não consiga se alimentar direito, apresente sangue nas fezes ou tenha vômitos frequentes, é importante que o médico seja consultado para que seja iniciado o tratamento para combater a virose de forma mais eficaz.

A infectologista Ceuci Nunes lembra ainda que, em casos de sintomas respiratórios, principalmente, em pessoas não vacinadas, é importante fazer isolamento e um teste para covid-19.