Registros de homens trans na Bahia crescem 182% em dois anos

Registros de homens trans na Bahia crescem 182% em dois anos

Ter gravado em todos os documentos um nome que respeite quem se é não tem preço, principalmente quando se trata de pessoas transgênero e suas lutas por reconhecimento. Na Bahia, por exemplo, os registros de identidade de homens trans cresceram mais de 180% nos últimos dois anos. O dado foi obtido a partir de levantamento da reportagem junto ao Departamento de Polícia Técnica (DPT).

De janeiro a junho de 2022, o número de novos RGs de homens trans subiu de 82 para mais de 200, quando comparado ao mesmo período de 2020. Advogado de formação e chef de cozinha, Victor Hugo Vilas Boas, 26, iniciou sua transição de gênero somente aos 20 anos, mas desde muito antes se percebia homem. Ele conta que enfrentou dificuldades justamente em relação a alteração do nome de registro, que na época em que ele fez o processo, ainda era por via judicial.

"Mas o STF [Supremo Tribunal Federal], através de decisão ADI 4275/2018, reconheceu que a alteração podia ocorrer diretamente em cartório, o que facilitou", conta o jovem, nascido em Santo Estêvão, a 120 km distante de Salvador. Além das dificuldades legais e de registro, Victor enfrentou transfobia em sua cidade natal. Agressões que iam desde a negação de emprego até um espancamento por duas horas.

Ele encontrou apoio no Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (Cedap), em Salvador, onde também conseguiu ajustar seus documentos, em julho de 2019, se tornando o primeiro transgênero registrado em Santo Estêvão.

"Ter a retificação dos documentos nos dá existência, reconhecimento e minimiza os danos sofridos. Ao lidar com transgêneros não-retificados [que ainda conservam o antigo nome recebido no nascimento e que não reflete sua verdadeira identidade], empresas e patrões atuam com resistência para lidar com a demanda burocrática na contratação. Além disso, de cunho pessoal, nos dá a certeza de que estamos reconhecidos pelo Estado pela forma como somos e queremos ser tratados: como homens", avalia o chef, que deixou o Brasil e hoje mora em Portugal.

"Não é nosso nome social, é nosso nome, nossa vida, é nosso e não apenas social, mas sim político. O que temos de mais pessoal na nossa vida é nosso nome, se isso for negado nós não existimos diante da sociedade e da vida", completa.

Em busca da retificação
Estudante de medicina veterinária, Nicolas Barreto Marcelino Pereira está correndo atrás da retificação. O jovem de 22 anos conseguiu levantar os documentos necessários para fazer a alteração do nome neste ano e está passando por dificuldades inerentes ao processo. Ainda assim, se mantém animado para conseguir o objetivo final. Ver o aumento no número de RG 's emitidos na Bahia é um motivo de alento para Nicolas porque ele acredita que o crescimento ilustra quantas pessoas conseguiram seguir com “uma nova vida”, sendo quem elas são.

Na Bahia, há isenção dos custos de averbação e adequação de nome de pessoas trans nos cartórios de registro civil de pessoas naturais. A gratuidade foi concedida pelo Tribunal de Justiça da Bahia a partir de uma articulação realizada entre a Defensoria Pública do Estado da Bahia, a Corregedoria do TJ-BA e a Arpen-BA. Nos meses de janeiro, a DPE realiza mutirões para retificar o nome de pessoas trans.

Coordenadora da Especializada de Direitos Humanos da DPE/BA, Lívia Almeida pondera que existem entraves financeiros para a emissão das certidões de protesto, uma vez que as pessoas trans mais pobres não têm condições de arcar com o valor, que chega a R$ 300. Ela pede que o Conselho Nacional de Justiça se pronuncie sobre o pedido de gratuidade das certidões de protesto, realizado pela Defensoria.

Kaio Igor Vasconcellos, 25 anos, conseguiu retificar sua certidão de nascimento via mutirão. Ele estima que gastou cerca de R$ 180 para conseguir o documento. Sua certidão chegou no início desta semana, após dois anos de luta.

O documento retificado nunca foi algo de urgência na vida de Kaio durante um tempo porque buscava, primeiro, se entender como homem trans negro na sociedade. Mas o moço não esconde a felicidade em poder retificar outros documentos ou fazer coisas simples como usar a conta de banco sem se sentir constrangido por estar usando um nome que não lhe pertence.

"O crescimento de registros de homens trans no estado é de imensa representatividade, não só para mim, mas sim para todos que estão nessa luta e todos que vieram antes de nós e que infelizmente tiveram seus direitos negados", assegura o estudante.

Estudante de Filosofia na Uesc, em Ilhéus, Tomas Santos, 31, é conhecido por Tom desde 2018, quando em uma tarde corriqueira, saiu mais cedo da aula para tomar a cerveja de costume com amigos e numa conversa falou como queria ser chamado e quais eram seus pronomes: Ele/Dele.

“Em uma sociedade que tenta nos silenciar e invisibilizar, ter acolhimento e afeto é muito importante para passarmos por esse processo que por vezes pode ser solitário. Aceitei que sou uma pessoa trans, me acolhi, me abracei e o Tom nasceu", recorda ele, que no início da hormonização não teve acompanhamento médico. Nas redes sociais, usou o espaço para falar das vivências da transição de gênero no Instagram e no seu podcast 'Papo T'.

"O ano de 2019 foi de muitas mudanças na minha transição. Consegui alterar o meu nome na certidão, alterei no RG, CPF e, recentemente, no título de eleitor. O momento da certidão foi algo muito emocionante e me toca bastante toda vez que lembro. Foi um renascimento! Ver o nome que escolhi em um papel, ver minha dignidade impressa, foi maravilhoso", contou Tom, valorizando o bom atendimento que recebeu em Itabuna, fundamental para seguir em frente.

Nova lei visa facilitar processo
Até junho deste ano, se uma pessoa tivesse a vontade de mudar de nome, o procedimento só poderia ser realizado quando o interessado tivesse entre 18 e 19 anos e ainda era necessário entrar na Justiça para fazer a alteração. Porém, a nova lei federal (nº 14.382/22) sancionada no dia 27 do mês passado, ampliou o rol de possibilidades para que pessoas com mais de 18 anos façam a mudança diretamente nos cartórios de Registro Civil.

"Quando fiz minha retificação, o processo estava custando R$ 136. Soube no cartório que, via declaração de hipossuficiência, podia alegar não ter condições de arcar com o processo e só paguei R$ 40 da tramitação de um cartório para outro", afirmou Tom.

Para fazer a mudança, é necessário que a pessoa interessada compareça à unidade dos cartórios com seus documentos pessoais (RG e CPF) e se informe sobre quais certidões deverão ser entregues a depender do tipo de procedimento. A nova certidão deve ser expedida em cerca de cinco dias e o procedimento custa em média R$200.

Agora, qualquer pessoa pode alterar o nome independente de prazo, motivação, gênero, juízo de valor ou de conveniência, salvo suspeita de coação, fraude, falsidade ou simulação. Após a mudança, cabe ao Cartório de Registro Civil comunicar a alteração aos órgãos expedidores do documento de identidade, CPF e passaporte. Assim como ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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  • Chuva: 41 municípios em situação de emergência, 380 desabrigados e 2.227 desalojados

    Com base em informações recebidas das prefeituras, a Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) atualizou, nesta quarta-feira (28), os números referentes à população atingida pelas enchentes que ocorrem em municípios baianos.

    Até a situação presente, são 380 desabrigados e 2.227 desalojados em decorrência dos efeitos diretos do desastre. Segundo a Sudec, foram contabilizados seis óbitos. Os números correspondem às ocorrências registradas em 76 municípios afetados. É importante destacar que, desse total, 41estão com decreto de Situação de Emergência.

    O Governo do Estado segue mobilizado para atender as demandas de emergência, a fim de socorrer a população atingida pelas fortes chuvas em diversas regiões da Bahia.

  • Empresa brasileira vira concorrente da BYD pela antiga fábrica da Ford em Camaçari

    A BYD ganhou um concorrente pelo complexo da Ford nos minutos finais do prazo para a manifestação de interessados em comprar a antiga fábrica da montadora americana em Camaçari, fechada em janeiro de 2021 e que hoje pertence ao governo da Bahia. O empresário brasileiro Flávio Figueiredo Assis entrou na disputa para erguer ali a fábrica da Lecar e construir o futuro hatch elétrico da marca, que, diz, deve ter preço abaixo de R$ 100 mil.

    Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, Assis já tem um projeto de carro elétrico em fase de desenvolvimento, mas ainda procura um local para produzir o veículo. Em visita às antigas instalações da Ford para comprar equipamentos usados, como robôs e esteiras desativadas deixadas ali pela empresa americana, descobriu que o processo que envolve o futuro uso da área ainda estava aberto, já que o chamamento público feito pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado da Bahia (SDE) só se encerraria nessa quarta (28).

    O documento da SDE, ainda segundo a Folha, diz que a BYD havia apontado interesse no complexo industrial de Camaçari, mas outros interessados também poderiam "manifestar interesse em relação ao imóvel indicado e/ou apresentar impedimentos legais à sua disponibilização, no prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir desta publicação".

    A montadora chinesa anunciou em julho passado, em cerimônia com o governador Jerônimo Rodrigues no Farol da Barra, um investimento de R$ 3 bilhões para construir no antigo complexo da Ford três plantas com capacidade de produção de até 300 mil carros por ano.

    A reportagem da Folha afirma que a BYD já está ciente da proposta e prepara uma resposta oficial a Lecar. E que pessoas ligadas à montadora chinesa acreditam que nada irá mudar nas negociações com o governo baiano porque Assis estaria atrás apenas de uma jogada de marketing. O empresário, por sua vez, disse ver uma oportunidade de bom negócio, pois os valores envolvidos são atraentes.

    Procurada pelo CORREIO, a BYD afirmou que não vai se pronunciar sobre o assunto, e que o cronograma anunciado está mantido.

    Em nota, a SDE apenas confirmou que a Lecar encaminhou e-mail ontem afirmando ter interesse na área da antiga Ford. A secretaria, diz a nota, orientou a empresa sobre como proceder, de acordo com as regras do processo legal de concorrência pública em curso.

    Entre as perguntas não respondidas pela pasta na nota estão o prazo para a conclusão da definição sobre a área e o impacto que a concorrência entre BYD e Lecar traz para a implantação de uma nova fábrica de veículos no estado.

  • Bahia adere ao Dia D de mobilização nacional contra a Dengue

    Em um esforço para combater a crescente ameaça da Dengue, o estado da Bahia se junta ao Dia D de mobilização nacional, marcado para o próximo sábado (2). A informação é da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, que está em Brasília nesta quarta-feira (28) para uma reunião do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Esta iniciativa sublinha a necessidade de uma ação coletiva diária e destaca o papel vital que cada indivíduo desempenha na prevenção da doença. Com o apoio do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde da Bahia (Cosems-BA), da União dos Municípios da Bahia (UPB) e do Conselho Estadual de Saúde (CES), os municípios farão mutirões de limpeza, visitas aos imóveis nas áreas de maior incidência e distribuição de materiais informativos.

    A Bahia registra um aumento significativo de casos de Dengue, com 16.771 casos prováveis até 24 de fevereiro de 2024, quase o dobro em comparação ao mesmo período do ano anterior. Atualmente, 64 cidades estão em estado de epidemia, com a região Sudoeste sendo a mais afetada. Além disso, foram confirmados cinco óbitos decorrentes da doença nas localidades de Ibiassucê, Jacaraci, Piripá e Irecê.

    De acordo com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o cenário nacional é particularmente desafiador devido ao impacto das condições climáticas adversas e ao aumento exponencial dos casos de Dengue, incluindo a circulação de novos sorotipos (2 e 3), que exigem uma atenção mais integrada.

    Na avaliação da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, o momento é de unir esforços para conter o aumento do número de casos e evitar mortes. "O Governo do Estado está aberto ao diálogo e pronto para apoiar todos os municípios, contudo, cada ente tem que fazer a sua parte. As prefeituras precisam intensificar as ações de atenção primária e limpeza urbana, a fim de eliminar os criadouros, e fortalecer a mobilização da sociedade, antes de recorrer ao fumacê. A dependência excessiva do fumacê, como último recurso, pode revelar uma gestão reativa em vez de proativa no combate à doença", afirma a secretária.

    A titular da pasta estadual da Saúde pontua ainda que o Governo do Estado fez a aquisição de novos veículos de fumacê e distribuirá 12 mil kits para os agentes de combate às endemias, além de apoiar os mutirões de limpeza urbana com o auxílio das forças de segurança e emergência. "Além disso, o Governo do Estado compartilhou com os municípios a possibilidade de adquirir bombas costais, medicamentos e insumos por meio de atas de registro de preço", ressalta Roberta Santana.

    Drones

    O combate à Dengue na Bahia ganhou mais uma aliada: a tecnologia. O Governo do Estado deu início ao uso de drones como nova estratégia para identificar em áreas de difícil acesso focos do mosquito Aedes aegypti, vetor de transmissão de Dengue, Zika e Chikungunya. As imagens capturadas pelos equipamentos são analisadas pelos agentes de endemias, que conseguem identificar locais com acúmulo de água parada e possíveis criadouros do mosquito, facilitando a ação das equipes e tornando o combate mais eficaz.

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