Pobreza extrema aumenta 23% na Bahia, diz Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social

Pobreza extrema aumenta 23% na Bahia, diz Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social

Ele ainda tem cara de menino, está prestes a completar 18 anos, porém já lida com responsabilidades de adulto. O rapaz que lava carros num bairro da periferia de Salvador abandonou a escola quando cursava a 5ª série, não se lembra ao certo quando. O sonho era jogar bola, mas o talento que, diz ele, ajuda a fazer fila em quadras, campos ou no asfalto, “onde tiver uma bolinha”, é insuficiente para lhe garantir um futuro.

Precisa trabalhar para ajudar em casa, onde todo mundo faz alguma coisa, mas ninguém tem um emprego fixo. Fora isto, ainda tem o crédito no celular, para conseguir falar com a namorada. Ele não sabe dizer o quanto recebe por mês. Cobra R$ 25 por uma lavagem padrão e nos dias bons chega a ver pequenas filas de carros no lava jato improvisado. “Eu acho que tenho muita sorte”, diz, sem tirar a cara do celular. O que ele não tem hoje é perspectiva.

“Graças a Deus, a gente nunca passou fome, agora dizer que sei o que vou comer quando sair daqui, não sei”, reconhece no meio da tarde de uma quarta-feira qualquer. A insegurança em relação a uma questão básica para a sobrevivência, a alimentação, está longe de ser algo restrito ao lavador de carros. Desde meados de 2020, o vendedor de 39 anos, que pediu para não ser identificado, busca um novo espaço no mercado formal.

“Já bati em todas as portas que podia, faço o que aparece”, conta. Agora começou a se aventurar numa barraquinha de lanches, de onde tenta retirar o próprio sustento e o de dois filhos, de um relacionamento anterior ao atual. O socorro, muitas vezes, acaba vindo da aposentadoria da mãe, ou da ajuda de parentes. “Eu acordo todos os dias acreditando que as coisas irão melhorar”, aposta.

Acontece que, até agora, os números relacionados à pobreza e à desigualdade não indicam sinais positivos. O Brasil não tem uma linha oficial de pobreza. Considerando o critério definido pelo Banco Mundial para países de renda média, adotado no acompanhamento das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a linha oficial de pobreza é de US$ 5,50 (R$ 29 na cotação da última sexta-feira) por dia em paridade de poder de compra. Enquadram-se na classificação de extrema pobreza as pessoas com uma renda per capita inferior a US$ 1,90 (equivalente a R$ 10).

Nos últimos dez anos, o número de baianos em situação de extrema pobreza passou de 2,2 milhões, em 2012, para 2,7 milhões no ano passado, o que representou um crescimento de quase 23%, de acordo com dados do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), com base em dados da Pnad Contínua. Houve aumento mesmo na comparação com o período anterior à pandemia, numa proporção menor, de 5%. O número de pessoas na Bahia classificadas como pobres também cresceu, passando de 5,5 milhões para 5,8 milhões, entre 2012 e 2021.

Estes números colocam o estado numa posição de destaque indesejável no ranking da desigualdade social. No caso da extrema pobreza, a Bahia aparece como a 25ª entre as 27 unidades da federação em percentual de pessoas que se enquadram nestas condições e em 22ª quando o critério é o percentual de pobres. Se forem avaliados os números absolutos, a Bahia é o estado com o maior número de pessoas pobres e extremamente pobres do país, superando estados mais populosos ou que tenham uma situação menos favorecida que a 7ª economia nacional e responsável por 4% do PIB do país, além de ser o segundo com o maior número de pobres.

O Brasil encerrou o ano de 2021 com um total de 47,3 milhões de pessoas na pobreza, o que equivale a 22,3% da população do país.

Situação piorou
Em 2015, a cabeleireira Rosangela Santos, 44 anos, começou a tomar conta da cantina na paróquia Nossa Senhora da Luz e percebeu que os valores cobrados pelo café afastavam parte das pessoas, ainda que fossem comercializados a preços simbólicos. “Vi que algumas pessoas iam para a igreja só com o dinheiro do transporte”, lembra.

A partir da constatação surgiu a ideia de formar o grupo Amor de Deus, que conta inclusive com uma página no Instagram (@missaoamordeDeus). O projeto começou com a oferta de sopa e com o tempo passou a servir outros alimentos, materiais de higiene pessoal e água potável. “As pessoas foram falando das suas necessidades. Muitas precisam de água limpa porque não tem acesso. Às vezes dispensam até a comida”, conta.

Segundo Rosangela, é cada vez maior o número de pessoas que têm moradia, mas não comida em casa, ou como preparar o alimento, por falta de gás. “Na pandemia, o número de pessoas passando fome, necessidade, aumentou muito”, aponta.

Além da diversificação nas necessidades das pessoas, os novos tempos trouxeram o desafio de ampliar os dias de atuação para quem se propõe a ajudar. “Optamos por fazer a distribuição no domingo porque pediram, já que é um dia em que pouca gente faz. Maioria dos grupos vai para as ruas até sexta-feira”, conta.

“Nós temos consciência de que estamos diante de um problema muito maior que a nossa capacidade de resolver, mas nós podemos tentar amenizar a dor das pessoas”, acredita.

Ana Georgina Dias, coordenadora do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) na Bahia, explica que a concentração de riquezas é o que explica os níveis de pobreza no estado. “Se você olhar, 1% da população brasileira tem mais de 50% da riqueza, isso é um fenômeno nacional que se aprofunda muito aqui na Bahia”, destaca. Ela explica que este cenário pode ser compreendido a partir de algumas condições, como um “mercado de trabalho desestruturado”.

“Nós temos na Bahia um nível muito alto de desemprego e mesmo entre as pessoas que estão ocupadas, há um traço de informalidade que é muito grande”, diz. Ela cita dados da Pnad Contínua para mostrar que mais de 50% dos ocupados no estado são informais. “Este é um fator que reduz muito o rendimento médio aqui no estado”, explica.

“Nestas condições, mesmo se tratando de um estado rico, a 7ª economia do país, essa renda fica concentrada nas mãos de muito poucos. Mesmo no trabalho formal, o rendimento é, por vezes, menor do que se vê na média nacional”, acredita. Ela compara o cenário com o da 6ª economia nacional, Santa Catarina, que, segundo Ana Georgina, tem uma diversificação econômica menor que a da Bahia, porém tem um mercado de trabalho mais pujante, com índices próximos ao do pleno emprego.

Custo de vida

O aumento do custo de vida, com a alta tanto dos alimentos, quanto de insumos de produção, como os combustíveis e energia elétrica foi um fator que ajudou a amplificar a pobreza no Brasil nos últimos tempos, avalia a coordenadora do Dieese na Bahia, Ana Georgina Dias.

“A questão do trabalho é central, várias pessoas foram jogadas na pobreza extrema. Muita gente que tinha casa, tinha trabalho, mas enfrenta um cenário que é o do desemprego de longa duração”, avalia a pesquisadora. Ela explica tem muita gente que está há muito tempo procurando trabalho, em muitos casos engrossam as estatísticas de desalento – que engloba a população em idade de trabalhar que desiste de buscar uma oportunidade. “Nós temos na Bahia a maior parcela de pessoas desalentadas do país”, lembra.

Esse contexto leva a uma perda do poder de compra. Quando se soma a isso uma inflação elevada, concentrada em alimentos, além de produtos e serviços vitais para a habitação, como o botijão de gás e a energia elétrica, o impacto social é devastador, diz. “Esta é uma combinação extremamente nefasta. Se observarmos bem, há um contingente que busca os programas sociais como o Auxílio Brasil, que antes não dependia disso”, afirma. “Hoje existe uma fila gigante que de pessoas que estão cadastradas, esperando para ter acesso ao programa porque foram jogadas nesta condição”.

A Bahia encerrou 2021 com uma renda domiciliar per capita de R$ 850, o que coloca o estado na 21ª colocação nacional. Apenas Amapá, Pernambuco, Pará, Amazonas, Alagoas e Maranhão registraram resultados piores. De acordo com o IMDS, 20,5% da renda média da população baiana é proveniente de programas sociais, 56,3% vem das remunerações pelo trabalho, enquanto 18,1% é vem de renda das aposentadorias.

Para Ana Georgina, um dos grandes desafios dos governos está em conseguir reunir e articular as políticas sociais. Um exemplo disso, aponta, está na falta de dimensionamento do público que depende dos programas sociais. “Há uma preocupação grande em aumentar o valor, e é compreensível que se pense nisto, mas talvez fosse necessário, ainda que pagando um valor um pouco menor, atender uma quantidade maior de pessoas”, pondera.

“A realidade em que nós vivemos faz com que pessoas que trabalham, muitas vezes recebem um salário mínimo, não consigam vencer o mês com a renda que têm. Não se deve olhar apenas para os que não tem renda nenhuma”, acredita. “Uma família com diversas pessoas e apenas uma trabalhando, com certeza ela estará numa condição de pobreza. Quem vive com menos de meio salário mínimo per capita está passando muita dificuldade atualmente”, avalia. Ela lembra que 62% dos trabalhadores recebem até um salário mínimo.

Ana Georgina acrescenta à análise o que considera ser uma crise estrutural. “A população negra é tradicionalmente menos privilegiada no mercado de trabalho. E isto é um traço histórico, a inserção desta população no mercado é muito complicado. A desigualdade, que é reforçada pelo racismo, é muito grande”, avalia.

A pesquisadora lembra ainda que a Bahia se caracteriza por a atividade econômica muito concentrada na Região Metropolitana de Salvador (RMS). “Nós temos alguns polos de prosperidade e muitas áreas extremamente carentes economicamente. A RMS é responsável por quase 60% do PIB do estado. Dos 417 municípios, quase 400 não têm dinâmica econômica e vivem do fundo de participação dos municípios, do que entra através da Previdência, programas de transferência e do serviço público local”, enumera. “Não tem uma fábrica, um comércio forte, atividades que sustentem a região”.

“Tem atividade em Salvador, no Oeste, no Norte, no Extremo Sul e, fora isso, um grande vazio”, aponta.

Este cenário de concentração econômica, inclusive, explica os índices de desemprego na RMS, acredita Ana Georgina. “As pessoas de outras regiões não veem perspectivas onde estão e preferem vir para a capital tentar a sorte e isso pressiona o mercado de trabalho aqui”, explica.

Para a pesquisadora, a questão da pobreza baiana não se explica apenas pelo tamanho da população. “São Paulo, por exemplo tem uma população muito maior que a nossa, o nosso problema não é populacional, é o fato de termos um mercado de trabalho desestruturado, com um desemprego muito alto e muita gente ocupada informalmente, além da subutilização da força de trabalho”, avalia. “Boa parte dos baianos tem trabalho precário, por poucas horas, e isso faz o nosso rendimento médio ser muito ruim”, explica.

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  • Chuva: 41 municípios em situação de emergência, 380 desabrigados e 2.227 desalojados

    Com base em informações recebidas das prefeituras, a Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) atualizou, nesta quarta-feira (28), os números referentes à população atingida pelas enchentes que ocorrem em municípios baianos.

    Até a situação presente, são 380 desabrigados e 2.227 desalojados em decorrência dos efeitos diretos do desastre. Segundo a Sudec, foram contabilizados seis óbitos. Os números correspondem às ocorrências registradas em 76 municípios afetados. É importante destacar que, desse total, 41estão com decreto de Situação de Emergência.

    O Governo do Estado segue mobilizado para atender as demandas de emergência, a fim de socorrer a população atingida pelas fortes chuvas em diversas regiões da Bahia.

  • Empresa brasileira vira concorrente da BYD pela antiga fábrica da Ford em Camaçari

    A BYD ganhou um concorrente pelo complexo da Ford nos minutos finais do prazo para a manifestação de interessados em comprar a antiga fábrica da montadora americana em Camaçari, fechada em janeiro de 2021 e que hoje pertence ao governo da Bahia. O empresário brasileiro Flávio Figueiredo Assis entrou na disputa para erguer ali a fábrica da Lecar e construir o futuro hatch elétrico da marca, que, diz, deve ter preço abaixo de R$ 100 mil.

    Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, Assis já tem um projeto de carro elétrico em fase de desenvolvimento, mas ainda procura um local para produzir o veículo. Em visita às antigas instalações da Ford para comprar equipamentos usados, como robôs e esteiras desativadas deixadas ali pela empresa americana, descobriu que o processo que envolve o futuro uso da área ainda estava aberto, já que o chamamento público feito pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado da Bahia (SDE) só se encerraria nessa quarta (28).

    O documento da SDE, ainda segundo a Folha, diz que a BYD havia apontado interesse no complexo industrial de Camaçari, mas outros interessados também poderiam "manifestar interesse em relação ao imóvel indicado e/ou apresentar impedimentos legais à sua disponibilização, no prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir desta publicação".

    A montadora chinesa anunciou em julho passado, em cerimônia com o governador Jerônimo Rodrigues no Farol da Barra, um investimento de R$ 3 bilhões para construir no antigo complexo da Ford três plantas com capacidade de produção de até 300 mil carros por ano.

    A reportagem da Folha afirma que a BYD já está ciente da proposta e prepara uma resposta oficial a Lecar. E que pessoas ligadas à montadora chinesa acreditam que nada irá mudar nas negociações com o governo baiano porque Assis estaria atrás apenas de uma jogada de marketing. O empresário, por sua vez, disse ver uma oportunidade de bom negócio, pois os valores envolvidos são atraentes.

    Procurada pelo CORREIO, a BYD afirmou que não vai se pronunciar sobre o assunto, e que o cronograma anunciado está mantido.

    Em nota, a SDE apenas confirmou que a Lecar encaminhou e-mail ontem afirmando ter interesse na área da antiga Ford. A secretaria, diz a nota, orientou a empresa sobre como proceder, de acordo com as regras do processo legal de concorrência pública em curso.

    Entre as perguntas não respondidas pela pasta na nota estão o prazo para a conclusão da definição sobre a área e o impacto que a concorrência entre BYD e Lecar traz para a implantação de uma nova fábrica de veículos no estado.

  • Bahia adere ao Dia D de mobilização nacional contra a Dengue

    Em um esforço para combater a crescente ameaça da Dengue, o estado da Bahia se junta ao Dia D de mobilização nacional, marcado para o próximo sábado (2). A informação é da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, que está em Brasília nesta quarta-feira (28) para uma reunião do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Esta iniciativa sublinha a necessidade de uma ação coletiva diária e destaca o papel vital que cada indivíduo desempenha na prevenção da doença. Com o apoio do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde da Bahia (Cosems-BA), da União dos Municípios da Bahia (UPB) e do Conselho Estadual de Saúde (CES), os municípios farão mutirões de limpeza, visitas aos imóveis nas áreas de maior incidência e distribuição de materiais informativos.

    A Bahia registra um aumento significativo de casos de Dengue, com 16.771 casos prováveis até 24 de fevereiro de 2024, quase o dobro em comparação ao mesmo período do ano anterior. Atualmente, 64 cidades estão em estado de epidemia, com a região Sudoeste sendo a mais afetada. Além disso, foram confirmados cinco óbitos decorrentes da doença nas localidades de Ibiassucê, Jacaraci, Piripá e Irecê.

    De acordo com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o cenário nacional é particularmente desafiador devido ao impacto das condições climáticas adversas e ao aumento exponencial dos casos de Dengue, incluindo a circulação de novos sorotipos (2 e 3), que exigem uma atenção mais integrada.

    Na avaliação da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, o momento é de unir esforços para conter o aumento do número de casos e evitar mortes. "O Governo do Estado está aberto ao diálogo e pronto para apoiar todos os municípios, contudo, cada ente tem que fazer a sua parte. As prefeituras precisam intensificar as ações de atenção primária e limpeza urbana, a fim de eliminar os criadouros, e fortalecer a mobilização da sociedade, antes de recorrer ao fumacê. A dependência excessiva do fumacê, como último recurso, pode revelar uma gestão reativa em vez de proativa no combate à doença", afirma a secretária.

    A titular da pasta estadual da Saúde pontua ainda que o Governo do Estado fez a aquisição de novos veículos de fumacê e distribuirá 12 mil kits para os agentes de combate às endemias, além de apoiar os mutirões de limpeza urbana com o auxílio das forças de segurança e emergência. "Além disso, o Governo do Estado compartilhou com os municípios a possibilidade de adquirir bombas costais, medicamentos e insumos por meio de atas de registro de preço", ressalta Roberta Santana.

    Drones

    O combate à Dengue na Bahia ganhou mais uma aliada: a tecnologia. O Governo do Estado deu início ao uso de drones como nova estratégia para identificar em áreas de difícil acesso focos do mosquito Aedes aegypti, vetor de transmissão de Dengue, Zika e Chikungunya. As imagens capturadas pelos equipamentos são analisadas pelos agentes de endemias, que conseguem identificar locais com acúmulo de água parada e possíveis criadouros do mosquito, facilitando a ação das equipes e tornando o combate mais eficaz.

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