Dendê é ameaçado de escassez por nova crise produtiva

Dendê é ameaçado de escassez por nova crise produtiva

Presente nos cartões postais, nos livros de história e em cada esquina dos principais centros turísticos, o acarajé é elemento indispensável ao pensar na Bahia. Há até quem peça a Deus livramento quando cogita não poder saborear as iguarias baianas feitas com o azeite de dendê, que dá o toque dos deuses não só ao acarajé, como também às moquecas, carurus e vatapás. No entanto, esse elixir divino está novamente ameaçado de escassez graças a uma nova crise produtiva.

O problema que torna palpável o risco de não encontrar o dendê é, na verdade, de muito tempo. De acordo com Rita Ventura, presidente da Associação Nacional das Baianas de Acarajé (Abam), a Bahia só produz 2% do dendê que é consumido internamente no estado. Essa produção está concentrada em 28 municípios baianos, mas a falta de políticas públicas dificulta o desenvolvimento pleno de toda a capacidade produtiva da região.

“O nosso problema é o descaso que vem ao longo dos anos. Há quase 30 anos não há nenhum investimento. Em cada município há um órgão específico para cuidar do cacau, mas para o dendê não tem nada, é cada um por si”, afirma a presidente da Abam.

Em 2021, a Bahia produziu 39.411 toneladas de dendê em 13.057 hectares de terra, em um aumento de 6,1% em relação de 2020, ano em que foram produzidas 37.143 toneladas. Apesar de ser a segunda maior produtora do Brasil, o estado está muito atrás do Pará, líder de produção responsável por 98,6% do dendê do Brasil no ano passado, de acordo com dados da Produção Agrícola Municipal de 2021, informados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Como alternativa para a baixa produção, existe a tentativa de importar dendê do Pará para a Bahia. Contudo, de acordo com Rita, esta não é uma opção viável economicamente nem a ideal para o consumo baiano. “Isso é um grande problema para nós, porque encarece muito o frete. Em segundo lugar, o dendê de lá não é um dendê próprio para nós porque é produzido para ser vendido para a produção de biodiesel”, explica.

O preço do produto na Bahia tem subido exponencialmente, uma vez que aqueles que se arriscam a pagar uma carreta para trazer o dendê do Pará estão desembolsando cerca de R$ 270 mil. Na Feira de São Joaquim, em Salvador, um balde de 12 a 14 litros que costumava valer R$ 64 em fevereiro de 2020, hoje está custando até R$ 190, representando um aumento de 196,8% em 34 meses. Baiana de acarajé, Ana Cassia Nery, 41, relata que esses aumentos frequentes têm sido cada vez mais dolorosos para seu bolso.

“Nós estamos achando [o azeite de dendê], mas o valor está bem elevado. Não está mais o mesmo valor que eu comprava antes. Um balde que eu comprava por R$ 80, hoje é R$ 170, de eu chorar para o meu fornecedor para ele fazer mais barato, porque para ele também está complicado”, afirma a baiana Ana Cassia.

Defasagem técnica

Um dos grandes problemas que também põem em risco a continuidade da atribuição da Bahia como a terra do dendê, ao menos no Nordeste, é a falta de mão de obra, questão que vem se arrastando ao longo dos anos. Os peeiros, profissionais que sobem nos dendezeiros, por meio de uma peia, para colher cachos de dendê, estão em falta pelas condições do ofício. Quem se arrisca a subir e trabalhar a 25 metros de altura ainda são os mais velhos, que nem sempre conseguem dispor de meios para executar o trabalho da melhor maneira.

“Precisamos de renovação, de novas mudas, mas também de equipamentos atualizados para que esses peeiros possam colher o dendê. Nós, as baianas de acarajé, estamos tendo problema com a fumaça do dendê, como câncer e outras doenças por causa da oxidação”, sinaliza Rita Ventura.

A oxidação acontece porque, a depender de como os cachos são cortados, muitos caem no chão e ficam aguardando cerca de 20 dias para serem recolhidos e encaminhados para a fábrica. Nesse tempo, a chuva e o sol agem sobre o fruto, permitindo que ele oxide.

Com as dificuldades encontradas para o cultivo do fruto, muitos produtores têm substituído o dendê por outras culturas. Para André Souza, produtor de dendê em Camamu e professor titular da Universidade Estadual do Sudoeste Da Bahia (Uesb), o descaso governamental tem parcela de culpa nessa realidade.

“A falta de políticas públicas, que não leva a tecnologia, já é um dos primeiros problemas. Eu montei um roldão, que é a usina de fabricação do dendê, e até hoje eu trabalho com o motor a diesel, porque a Coelba não ligou a energia na minha fazenda. É um absurdo”, critica.

Costa do Dendê

Formada pelos municípios de Maraú, Ituberá, Igrapiúna, Aratuípe, Cairu, Camamu, Valença, Taperoá e Nilo Peçanha, a Costa do Dendê é a região cujos agricultores familiares têm o fruto como um dos pilares da sua economia. Valença é a segunda maior produtora do estado, com 5.950 toneladas, segundo o IBGE, embora nos últimos anos tenha apresentado uma queda significativa na sua produção. De 70 mil toneladas por ano, a cidade atualmente produz apenas 10 mil toneladas.

André Souza conta que a produção do município caiu de 40 mil toneladas para 1.600 toneladas nos últimos três anos. Para ele, o problema principal nunca foi climático ou de outra ordem além da falta de políticas públicas, mas hoje existe uma série de outros fatores, como a substituição progressiva desse tipo de plantação por outras culturas devido a maior rentabilidade e dificuldade de encontrar mão de obra.

O professor ainda destaca a especulação imobiliária como fator que contribui a queda de produção na Costa do Dendê. “O dendê por vezes está bem próximo às áreas de turismo que compõem o Baixo Sul e chega até o sul. Nessas áreas mais próximas da praia, como Barra Grande e Morro de São Paulo, todo mundo vira as costas para o dendê. Vale muito mais o valor do terreno com a especulação imobiliária do que a plantação”, ressalta.

Iniciativas

Segundo Rita Ventura, presidente da Abam, a última vez que o governo baiano lançou uma ação voltada para a cultura do dendê com o objetivo de apoiar os agricultores familiares foi em 1990.Com o objetivo de cobrar políticas públicas do novo governador eleito Jerônimo Rodrigues (PT), entidades vinculadas a diferentes segmentos da sociedade e personalidades ligadas à cadeia produtiva do dendê criaram o movimento Salve o Dendê.

Na carta que será entregue ao governador logo após a posse do novo cargo, o grupo pediu, entre outras iniciativas, pela criação de uma secretaria específica para tratar de assuntos relativos ao fruto e criação de linhas de créditos de investimento para o produtor e empresas que beneficiam o cultivo no estado.

Procurada, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural (SDR) reconheceu a importância das solicitações e afirmou que buscará agir, juntamente com outros parceiros, para tratar da cultura de forma a minimizar os problemas, principalmente “no que se refere a inovação tecnológica e a substituição de equipamentos que estão ultrapassados para a colheita, visando modernizar o processo e permitindo que o agricultor possa colher os frutos sem os sacrifícios árduos como da subida nos troncos com as ‘peas’, melhorando a qualidade de vida dos agricultores familiares e a conservação ambiental”.

Ainda, a pasta afirmou que a o grupo também se ocuparia em expandir a cultura com novas técnicas de cultivo e manejo, variedades, disponibilidade de mudas e ofertas de linhas de crédito específica para o segmento. E informou que, atualmente, para apoiar o sistema produtivo do dendê na Bahia, o Governo do Estado, por meio da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), empresa pública vinculada à SDR, está investindo cerca de R$ 3,5 milhões, em ações voltadas para o processamento e beneficiamento do dendê nos territórios Baixo Sul e Recôncavo.

De acordo com a Secretaria, os investimentos da CAR são por meio do Projeto Bahia Produtiva, projeto que visa dotar os agricultores familiares e suas organizações produtivas de infraestrutura necessária, com a implantação de unidades modernizadas de beneficiamentos e processamento do dendê, para qualificar a produção do azeite.

As famílias também recebem assistência técnica e extensão rural (Ater), ofertadas pela Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão (Bahiater), unidade da SDR. Segundo a pasta, 8.316 famílias estão recebendo o serviço por meio de ação direta e indireta da Bahiater/SDR e em parceria com entidades de ATER conveniadas, prefeituras municipais e consórcios públicos.

Muito além da gastronomia

Utilizado no caruru, vatapá, moqueca e farofa de banana baiana, a importância do azeite de dendê vai muito além da culinária. Na alta estação, de tão requisitado, o elixir da Bahia se torna essencial para movimentar o turismo das cidades costeiras. Baiano de acarajé há 42 anos, Nailton Souza, 61, conta que trabalha em ponto turístico e que, no verão, o dendê costuma ser ainda mais procurado.

Na religiosidade, o fruto do dendezeiro se revela como um elemento intrínseco à cultura local quando utilizado para preparar o alimento dos orixás. É no prato cozido com o óleo de dendê que muitos baianos recorrem às divindades para pedir e para agradecer.

Segundo o professor Alcides Caldas, do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, que trabalha diretamente com produtores de 23 municípios da Costa do Dendê, para reconhecer os diversos simbolismos do dendê, foi dada a entrada na Câmara Técnica do Patrimônio do Conselho Estadual de Cultura, no dia 21 de novembro, o pedido de reconhecimento do dendê como Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado da Bahia.

Esse pedido surgiu com o intuito semelhante ao do registro da Indicação Geográfica (IG) da Costa do Dendê, uma espécie de selo de qualidade para proteger quem está no front da cadeira produtiva. “O patrimônio e a IG são ativos que podem ressignificar essa produção do dendê. Ele pode agregar valor e, transversalmente, pode se articular com questões do turismo, com a inovação tecnológica e com a realização dos eventos, que podem viabilizar um crédito de renda na melhoria das condições de vida da população”, salienta.

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  • Chuva: 41 municípios em situação de emergência, 380 desabrigados e 2.227 desalojados

    Com base em informações recebidas das prefeituras, a Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) atualizou, nesta quarta-feira (28), os números referentes à população atingida pelas enchentes que ocorrem em municípios baianos.

    Até a situação presente, são 380 desabrigados e 2.227 desalojados em decorrência dos efeitos diretos do desastre. Segundo a Sudec, foram contabilizados seis óbitos. Os números correspondem às ocorrências registradas em 76 municípios afetados. É importante destacar que, desse total, 41estão com decreto de Situação de Emergência.

    O Governo do Estado segue mobilizado para atender as demandas de emergência, a fim de socorrer a população atingida pelas fortes chuvas em diversas regiões da Bahia.

  • Empresa brasileira vira concorrente da BYD pela antiga fábrica da Ford em Camaçari

    A BYD ganhou um concorrente pelo complexo da Ford nos minutos finais do prazo para a manifestação de interessados em comprar a antiga fábrica da montadora americana em Camaçari, fechada em janeiro de 2021 e que hoje pertence ao governo da Bahia. O empresário brasileiro Flávio Figueiredo Assis entrou na disputa para erguer ali a fábrica da Lecar e construir o futuro hatch elétrico da marca, que, diz, deve ter preço abaixo de R$ 100 mil.

    Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, Assis já tem um projeto de carro elétrico em fase de desenvolvimento, mas ainda procura um local para produzir o veículo. Em visita às antigas instalações da Ford para comprar equipamentos usados, como robôs e esteiras desativadas deixadas ali pela empresa americana, descobriu que o processo que envolve o futuro uso da área ainda estava aberto, já que o chamamento público feito pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado da Bahia (SDE) só se encerraria nessa quarta (28).

    O documento da SDE, ainda segundo a Folha, diz que a BYD havia apontado interesse no complexo industrial de Camaçari, mas outros interessados também poderiam "manifestar interesse em relação ao imóvel indicado e/ou apresentar impedimentos legais à sua disponibilização, no prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir desta publicação".

    A montadora chinesa anunciou em julho passado, em cerimônia com o governador Jerônimo Rodrigues no Farol da Barra, um investimento de R$ 3 bilhões para construir no antigo complexo da Ford três plantas com capacidade de produção de até 300 mil carros por ano.

    A reportagem da Folha afirma que a BYD já está ciente da proposta e prepara uma resposta oficial a Lecar. E que pessoas ligadas à montadora chinesa acreditam que nada irá mudar nas negociações com o governo baiano porque Assis estaria atrás apenas de uma jogada de marketing. O empresário, por sua vez, disse ver uma oportunidade de bom negócio, pois os valores envolvidos são atraentes.

    Procurada pelo CORREIO, a BYD afirmou que não vai se pronunciar sobre o assunto, e que o cronograma anunciado está mantido.

    Em nota, a SDE apenas confirmou que a Lecar encaminhou e-mail ontem afirmando ter interesse na área da antiga Ford. A secretaria, diz a nota, orientou a empresa sobre como proceder, de acordo com as regras do processo legal de concorrência pública em curso.

    Entre as perguntas não respondidas pela pasta na nota estão o prazo para a conclusão da definição sobre a área e o impacto que a concorrência entre BYD e Lecar traz para a implantação de uma nova fábrica de veículos no estado.

  • Bahia adere ao Dia D de mobilização nacional contra a Dengue

    Em um esforço para combater a crescente ameaça da Dengue, o estado da Bahia se junta ao Dia D de mobilização nacional, marcado para o próximo sábado (2). A informação é da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, que está em Brasília nesta quarta-feira (28) para uma reunião do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Esta iniciativa sublinha a necessidade de uma ação coletiva diária e destaca o papel vital que cada indivíduo desempenha na prevenção da doença. Com o apoio do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde da Bahia (Cosems-BA), da União dos Municípios da Bahia (UPB) e do Conselho Estadual de Saúde (CES), os municípios farão mutirões de limpeza, visitas aos imóveis nas áreas de maior incidência e distribuição de materiais informativos.

    A Bahia registra um aumento significativo de casos de Dengue, com 16.771 casos prováveis até 24 de fevereiro de 2024, quase o dobro em comparação ao mesmo período do ano anterior. Atualmente, 64 cidades estão em estado de epidemia, com a região Sudoeste sendo a mais afetada. Além disso, foram confirmados cinco óbitos decorrentes da doença nas localidades de Ibiassucê, Jacaraci, Piripá e Irecê.

    De acordo com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o cenário nacional é particularmente desafiador devido ao impacto das condições climáticas adversas e ao aumento exponencial dos casos de Dengue, incluindo a circulação de novos sorotipos (2 e 3), que exigem uma atenção mais integrada.

    Na avaliação da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, o momento é de unir esforços para conter o aumento do número de casos e evitar mortes. "O Governo do Estado está aberto ao diálogo e pronto para apoiar todos os municípios, contudo, cada ente tem que fazer a sua parte. As prefeituras precisam intensificar as ações de atenção primária e limpeza urbana, a fim de eliminar os criadouros, e fortalecer a mobilização da sociedade, antes de recorrer ao fumacê. A dependência excessiva do fumacê, como último recurso, pode revelar uma gestão reativa em vez de proativa no combate à doença", afirma a secretária.

    A titular da pasta estadual da Saúde pontua ainda que o Governo do Estado fez a aquisição de novos veículos de fumacê e distribuirá 12 mil kits para os agentes de combate às endemias, além de apoiar os mutirões de limpeza urbana com o auxílio das forças de segurança e emergência. "Além disso, o Governo do Estado compartilhou com os municípios a possibilidade de adquirir bombas costais, medicamentos e insumos por meio de atas de registro de preço", ressalta Roberta Santana.

    Drones

    O combate à Dengue na Bahia ganhou mais uma aliada: a tecnologia. O Governo do Estado deu início ao uso de drones como nova estratégia para identificar em áreas de difícil acesso focos do mosquito Aedes aegypti, vetor de transmissão de Dengue, Zika e Chikungunya. As imagens capturadas pelos equipamentos são analisadas pelos agentes de endemias, que conseguem identificar locais com acúmulo de água parada e possíveis criadouros do mosquito, facilitando a ação das equipes e tornando o combate mais eficaz.

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