Mais de três pessoas são mortas em tiroteios a cada 24 horas em Salvador e RMS

Mais de três pessoas são mortas em tiroteios a cada 24 horas em Salvador e RMS

Em 100 dias, 86% das chacinas em Salvador e RMS ocorrreram em operações policiais
Em 24 horas, mais de três pessoas são mortas em tiroteios em Salvador e Região Metropolitana (RMS). No mesmo período, mais de quatro trocas de tiros acontecem e pelo menos quatro cidadãos são baleados. É isso que aponta o relatório dos primeiros 100 dias de trabalho do Instituto Fogo Cruzado, que monitora ocorrências com disparos por arma de fogo.

De acordo com dados divulgados pelo instituto nesta quinta-feira (11), de 1º de julho a 8 de outubro deste ano, na capital baiana e na RMS, 443 tiroteios foram registrados. Ocorrências que, ao todo, causaram a morte de 304 pessoas e balearam outras 401 na região. Cerca de dois em cada três tiroteios terminam com uma pessoa baleada e mais da metade desses casos (55%) deixam mortos.

Cecília Oliveira é diretora executiva do Fogo Cruzado e faz uma comparação com o Rio de Janeiro para explicar como os dados são alarmantes. Isso porque, quando se fala em Rio de Janeiro, há um discurso quase apocalíptico sobre a violência por lá. E os dados aqui mostram uma equiparação entre os dois estados nesse quesito.

"Quando a gente fala em chacina, no Rio temos uma por semana. E, infelizmente, Salvador e RMS estão no mesmo patamar. Isso fazendo o recorte específico que a região metropolitana do Rio é muito mais populosa, grande parte do estado está ali", afirma Cecília.

Os dados são muito próximos ao que se vê no Rio, mas numa concentração menor. Ou seja, se houver uma ampliação do monitoramento em outras regiões, é possível que o estado tenha índices de violência armada iguais ou até piores que a região metropolitana do Rio de Janeiro.

Operações policiais

Além da situação alarmante, a análise dos dados coletados pelo instituto mostram a polícia em um papel central nos registros violentos. Dos 304 mortos em tiroteio, 113 foram registrados em operações policiais. Das 14 chacinas - situações com ao menos três mortos - nesses 100 dias, 12 (86%) ocorreram em ações das forças de segurança.

Diretora de dados e transparência do instituto, Maria Isabel Couto afirma que os dados referentes às ações policiais com tiroteios são importantes para questionar e debater o modelo de segurança pública implementado no estado.

"A política de segurança é desenhada para tirar as pessoas da linha de tiro ou ela acaba se tornando, em nome da defesa do patrimônio, em um motor da violência e dos assassinatos? [...] Os dados apontam para uma hipótese de que, na forma como está organizada, é um motor da violência", diz.

Procurada para responder sobre os dados apresentados, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), respondeu que não comenta os dados apresentados pelo instituto, afirmando que não tem como saber se as informações são verdadeiras.

"Por não se tratar de um recurso oficial, não é possível atestar a veracidade das informações que são apresentadas, o que impossibilita, inclusive, a utilização desse recurso para fins policiais. Os dados gerados de forma indiscriminada e sem confirmação oficial podem produzir estatísticas distorcidas", escreve em nota.

Sobre a ação das forças policiais nos registros de tiroteio e disparos, o advogado e coordenador adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Cleifson Dias, analisa que é importante inverter a pirâmide da argumentação mais tradicional que coloca na polícia a responsabilidade pela morte. Além disso, é preciso entender toda uma engrenagem.

"Estamos falando de uma vontade sistêmica. As forças de segurança são um elemento que compõem a instituição que é o Estado. É uma realidade que envolve tanto a polícia como, sobretudo, órgãos que aparecem distantes e têm fundamental responsabilidade como o poder judiciário e o ministério público', diz.

Essa 'vontade sistêmica' se manifesta no armamento da população, que se intensificou nos últimos anos. Isso porque, entre as origens dos 443 tiroteios e disparos, homicídios ou tentativas homicídio representam 206 delas. Para Cleifson, os números são resultados de uma lógica: mais armas, mais mortes.

"O último relatório de Armas de Fogo e Homicídios no Brasil aponta a diminuição de mortes e afirma que isso não tinha a ver com a produção de uma política de instrução de armas. Na verdade, a distribuição de armas freou essa queda e impediu que outras tantas mortes não fossem causadas", fala.

Silenciamento da morte

Assim como há um perfil de quem mata, existe também o de quem morre nos episódios de tiroteios/disparos de arma de fogo. Apesar de três em cada quatro casos não registrarem qualquer informação sobre a cor, quando há essa descrição, a população negra é maioria. Das 95 mortes com informações sobre a cor, 76 são de pessoas negras.

Cientista social e pesquisadora da Rede de Observatórios de Segurança na Bahia, Luciene Santana avalia como perigosa como a falta de informação na maioria dos casos sobre a cor das vítimas e destaca a necessidade de ter estatísticas mais completas sobre essas ocorrências.

"A gente precisa qualificar as informações para ter um perfil e entender também o que aconteceu em cada caso. Saber a cor e a raça dessas vítimas, na nossa avaliação, é fundamental para o direito de memória e justiça das pessoas vitimadas pela violência armada", afirma.

Luciene explica ainda que é preciso provocar as autoridades públicas para a revelação desses dados porque, quando uma informação é silenciada, há uma série de questões que influenciam na sua não disponibilização.

"Quando a gente tem um dado que não é informado, esse silenciamento não é à toa. A não produção de um dado sobre uma questão específica é uma informação importante se é interessante para o poder público ou não revelá-lo", pontua.

Os dados captados pelo Fogo Cruzado apontam para um perfil de pessoas majoritariamente negras vítimas dos tiroteios e disparos. Isso o porque a população preta é morta quatro vezes mais nessas ações em relação aos brancos, que são vítimas em 18 das 96 mortes registradas pelo instituto.

Para assegurar a vida

Mais do que apontar a incidência da violência armada no estado, os dados são divulgados pelo Fogo Cruzado para se tornarem instrumentos de fomento à políticas públicas de priorização à vida. Cecília Oliveira explica que, para isso, os analistas do instituto esmiuçam cada caso registrado.

"Nós mapeamos as situações relativas a uso de arma de fogo, que têm um grande impacto na vida de quem mora por aqui. [...] O nosso intuito é destrinchar as informações em outros indicadores como idade, cor e situação do tiroteio, se foi assalto ou chacina, por exemplo. Hoje, estamos levantando quase 30 indicadores", informa.

Defensor público e coordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), Maurício G. Saporito, afirma que o instituto viabiliza ações do órgão em relação ao poder judiciário.

"De alguns anos para cá, a Defensoria entendeu que o seu perfil constitucional não é só na atuação individual. Nós entendemos que somos comentadores de políticas públicas. E, para poder trabalhar no âmbito judicial e no extra judicial, os dados são muito importantes", fala.

O defensor aponta ainda que, por serem dados sensíveis e muitas vezes postos em sigilo, alguns números liberam o órgão de uma dependência do Estado acerca de informações relativas a violência.

"Como órgão de estado, a gente estava submetido a informações oficiais. Esse dado de ocorrências policiais com morte é historicamente difícil de conseguir. Com o Fogo Cruzado fazendo um estudo desse, a gente tem uma série de novas alternativas para atendimento da população e promoção de segurança", completa Saporito.

Feridos e mortos por raça:

Negros: 8 feridos e 76 mortos
Brancos: 2 feridos e 18 mortos
Amarelos: 1 ferido e 0 mortos
Indígenas: 0 ferido e 1 morto
Não identificado: 86 feridos e 209 mortos

Por mês:

Julho

Disparos/tiroteios: 132
Mortos: 86
Feridos: 23

Agosto

Disparos/tiroteios: 141
Mortos: 101
Feridos: 24

Setembro

Disparos/tiroteios: 128
Mortos: 92
Feridos: 30

Outubro (até o dia 8)

Disparos/tiroteios: 42
Mortos: 25
Feridos: 20

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    A cantora gospel e pastora Sara Mariano, de 35 anos, dada como desaparecida desde o dia 24 de outubro, foi encontrada morta no dia 27 do mesmo mês, perto de Dias D’Ávila, na Região Metropolitana de Salvador. Os restos mortais estavam carbonizados e em um matagal ao lado da BA 093, e o corpo foi reconhecido pelo marido, Ederlan Mariano. No mesmo dia, ele foi preso pela autoria do crime.

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    No dia 24 de setembro, Raquel da Silva Almeida, de 34 anos, foi morta a facadas pelo marido dentro de sua casa, no bairro de Massaranduba, em Salvador. Ela foi encontrada com diversos ferimentos pelo corpo. O filho dela, um menino de 11 anos, também foi ferido com golpes de arma branca.

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    De acordo com o coordenador da 3ª Delegacia de Homicídios (DH/BTS), delegado Ademar Tanner, o criminoso confessou a autoria do crime e não demonstrou arrependimento. Ele ainda declarou que já ficou preso por oito anos, após matar a mãe do filho dele e o companheiro dela, na cidade de Piraí do Norte, em 2014, e foi solto em 2022.

  • Média de mortes de quilombolas dobra entre 2018 e 2022, diz pesquisa

    Três meses após o assassinato de Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, do Quilombo de Pitanga dos Palmares, na Bahia, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a Terra de Direitos divulgaram, nesta sexta-feira (17), um estudo que mostra o crescimento da violência em comunidades tradicionais. Segundo a nova edição da pesquisa Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil, a média anual de assassinatos praticamente dobrou nos últimos cinco anos, se comparado ao período de 2008 a 2017.

    A morte de Mãe Bernadete, em agosto, não está contabilizada no estudo. Em 2023, há um levantamento preliminar de sete mortes. A pesquisa mostra que, entre 2018 e 2022, houve 32 assassinatos em 11 estados. Ainda de acordo com o estudo, as principais causas desses ataques foram conflitos fundiários e violência de gênero.

    Ao menos 13 quilombolas foram mortos no contexto de luta e defesa do território. As entidades pretendem entregar o estudo a autoridades do Executivo federal e estaduais e secretarias de Justiça dos estados, além do Poderes Legislativo e Judiciário a partir desta sexta-feira.

    Na primeira edição da pesquisa (2008 a 2017), havia um mapeamento de 38 assassinatos ocorridos no período de dez anos (2008-2017). A média anual de assassinatos, que era de 3,8, passou a ser de 6,4 ao ano. Em 15 anos, 70 quilombolas foram assassinados.

    Racismo

    Segundo uma das pesquisadoras, a socióloga Givânia Maria da Silva, coordenadora do coletivo nacional de educação da Conaq, o levantamento foi feito em campo nas próprias comunidades. Ela identifica que os números vão além do que é noticiado pelos meios de comunicação e espelham uma estrutura racista da sociedade brasileira.

    A questão da terra no Brasil é fundamental na discussão, assinalam as entidades pesquisadoras. “Ao falar da política de terra, a gente vê o quanto essa questão é atravessada pelo racismo. No Brasil, a impressão que eu tenho é que falar de terra, tendo pessoas negras como proprietárias, parece que ainda é mais grave”, acentua.

    O coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, sublinha que demonstrações de racismo estrutural e institucional formam o pano de fundo da violência. Ele acrescenta que a morosidade do processo de regularização fundiária proporciona que a violência se amplie. Por isso, é necessário, explica, que a gestão pública atue tanto no combate à violência como nas ações de garantia de direitos. “Não ter política pública gera mais violência”, opina.

    Os estados do Maranhão (9), Bahia (4), Pernambuco (4) e Pará (4) têm os maiores números de casos. “Se a gente fosse atualizar, a Bahia estaria em primeiro lugar. A Mãe Bernadette morreu da mesma forma que o filho dela. O filho morreu reivindicando o território e ela buscando justiça pela morte do filho. É mais um direito silenciado a partir do assassinato”, afirmou.

    Comunidades como alvos

    O filho de Mãe Bernadete, Jurandir Wellington Pacífico, de 43 anos, também entende que a falta da titulação da terra propiciou o assassinato da mãe dele. “As terras quilombolas são fontes de energia e também são alvos da grilagem e do tráfico”, disse o gestor cultural, que também é liderança do Pitanga dos Palmares. “Minha mãe era uma representante mundial da causa e que sempre lutou pelo empoderamento feminino”, acrescenta.

    A socióloga Givânia Silva entende que a pesquisa pode trazer mais visibilidade às necessidades dos governos federal e estaduais de darem mais atenção à problemática, uma vez que houve perda de orçamento para segurança pública desde 2016.

    As entidades realizadoras do estudo explicam que, além de assassinatos, o estudo traz um levantamento de violações de direitos sofridos por comunidades quilombolas em que houve identificação de morte causada por crimes.

    Segundo a pesquisa, em 10 das 26 comunidades em que foram registrados assassinatos não há processos abertos no Instituto Nacional de Reforma e Colonização Agrária (Incra), autarquia responsável pela regularização fundiária dos territórios quilombolas. Nessa situação, sete assassinatos (70%) foram motivados por conflitos fundiários.

    Entre os 11 quilombos que estão totalmente ou parcialmente titulados, os conflitos fundiários representaram 27% dos assassinatos. O estudo chama atenção para 1.805 processos abertos no Incra para regularização fundiária de territórios quilombolas, segundo a Fundação Palmares

    Proteção dos defensores

    As entidades recomendam que o Estado e municípios elaborem planos de titulação dos territórios quilombolas, com metas concretas anuais, orçamento adequado e estrutura administrativa para a titulação dos territórios quilombolas. O levantamento reitera a necessidade de proteção a defensores e defensoras de direitos humanos.

    Nessa linha, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania reinstalou a Comissão Nacional do Enfrentamento à Violência no Campo. O grupo, em reunião nesta semana, reiterou a necessidade de consolidação da proteção coletiva de povos indígenas e quilombolas.

    A comissão pretende definir protocolo de investigação de crimes praticados “contra defensores de direitos humanos e a morosidade das ações voltadas à reforma agrária e demarcação de territórios tradicionais que acaba por escalar tensões e conflitos”.

    Os membros do grupo devem ter encontros mensais para elaborar uma proposta de anteprojeto de lei sobre a Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, aos Comunicadores e aos Ambientalistas. O prazo para conclusão do trabalho é de seis meses.

    A página do Incra (autarquia responsável pela titulação dos territórios quilombolas) aponta que a política de regularização fundiária de terras quilombolas é “de suma importância para a dignidade e garantia da continuidade desses grupos étnicos”. O endereço disponibiliza documentos como o acompanhamento de processos de regularização quilombola e a relação de processos de regularização de territórios quilombolas abertos.

    Dor e luto

    Filho da Mãe Bernadete, Jurandir Pacífico, mesmo em dias de dor e luto, busca honrar a memória de luta da mãe. No ano que vem, pretende inaugurar um instituto que leva o nome dela com o objetivo de manter todo o legado cultural e social da mãe. Além disso, quer ajudar comunidades com documentação.

    “O instituto terá a responsabilidade de desenvolver e executar o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, que é fundamental para registro e titulação das terras quilombolas”, frisou. É assim também que ele quer fazer valer, na prática, o que repete diariamente em sua comunidade: “Mãe Bernadete, presente”.

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