98% das pessoas mortas em operações policiais na Bahia são negras

98% das pessoas mortas em operações policiais na Bahia são negras

"A sensação de medo se sobressai à de segurança quando vejo a polícia. Negros são tratados com mais violência. E o extremo disso é a morte", afirma Rodrigo Rocha, 25 anos. O temor do jovem, infelizmente, se justifica pelas estatísticas: na Bahia, 98% das pessoas mortas em ações ou operações policiais são negras, de acordo com o relatório da Rede de Observatórios da Segurança Pública divulgado nesta quarta-feira (16). É o maior percentual do país de pretos e pardos mortos pela polícia quando são descartados os casos sem as informações de raça e cor. Na análise do Observatório, utiliza-se o critério do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que considera a população negra a soma das pessoas pretas e pardas.

O período analisado pela Rede foi o ano de 2021. Das 616 pessoas mortas no ano passado, com informações sobre cor e raça registradas, 603 eram negras. Em números absolutos, o estado é o mais letal da região Nordeste. Nacionalmente, fica atrás apenas do Rio de Janeiro, que registrou 1060 mortes de negros no ano passado.

Luciene Santana, cientista social e pesquisadora da Rede de Observatórios na Bahia, aponta duas dimensões preocupantes nos dados. A primeira é a letalidade das ações policiais que deveriam agir pela manutenção da vida e proteção das pessoas. A segunda é o racismo estrutural como motor dos números.

"Quase que só pessoas negras têm sido mortas pela polícia e isso não acontece por serem maioria no estado. Se você compara o número de negros no empresariado e em cargos de poder com o percentual de mortes em operações, vê o racismo e como as pessoas estão mais expostas à violência pela cor da pele".

Procurada pela reportagem para responder sobre os dados levantados pelos Observatórios e comentar a letalidade das ações e operações das forças de segurança do estado, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) não respondeu aos questionamentos até o fechamento da edição, às 23h.

Política de mortes
Dudu Ribeiro, diretor da Iniciativa Negra na Bahia, afirma que o racismo é o vetor da violência do Estado através das forças de segurança. Ele acrescenta que as ações que a polícia aponta como de combate às drogas têm outro direcionamento. "Os dados demonstram que o racismo é o motor fundamental da violência de Estado. E boa parte dessa violência é causada pela lógica da ‘guerra às drogas’, mas que, na verdade, é a guerra contra determinadas pessoas, territórios e suas práticas", diz ele, que também é coordenador da Rede de Observatórios na Bahia.

Ribeiro aponta ainda que o atual cenário não é resultado de planejamento estrutural. E que, por isso, é grave e precisa haver pressão social por mudanças. "A alta letalidade demonstra uma política de distribuição de mortes como prática de Estado que precisa ser combatida. Então, esses números mostram para a sociedade a urgência do tema".

Presidente da União dos Negros pela Igualdade (Unegro) na Bahia, Eldon Neves diz que os dados dos Observatórios repercutem a ação contínua [de extermínio da população negra] contra qual a entidade luta. Ele pontua ainda que os números mostram uma tendência que não é uma novidade na Bahia.

"Nossa principal bandeira é a luta contra o genocídio da população negra, atrelado diretamente a essa letalidade policial. Temos a mancha do estado que mais mata pessoas negras em ações policiais. Os dados falam o que denunciamos há anos", ressalta.

A Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado (Sepromi) foi procurada para informar se tem projetos para contribuir com a redução dos indicadores, mas também não respondeu até o fechamento da edição.

Reflexo em Salvador
A capital não foge à regra da violência policial no estado. Em termos percentuais, a incidência de mortes de pessoas negras em operações é maior: 99,6%. Das 299 mortes em ações policiais, 241 têm registros de cor e raça na cidade. Dessas, 240 são pessoas negras e apenas uma morte foi de vítima branca.

Atrás da capital, Feira de Santana e Camaçari são os municípios onde a polícia mais mata negros, 31 e 27 registros, respectivamente. Vitória da Conquista (23) e Alagoinhas (22) fecham o ranking das cinco cidades baianas com mais volume de mortes dentro desse recorte.

Em Salvador, os bairros que lideram o ranking com mais registros são os periféricos, como Castelo Branco (14), Iapi (12), Fazenda Grande do Retiro (12), São Marcos (11) e Valéria (10).

O maior registro de violência policial nesses bairros, no entanto, não significa que são locais com mais ações armadas do crime. Dados do Instituto Fogo Cruzado apontam que nenhum dos bairros de Salvador concentra mais do que 4% de tiroteios/disparos registrados na cidade.

Eldon Neves aponta que a discrepância é fruto da diferença das ações policiais em determinados bairros. "A polícia que age no Largo do Tanque ou Curuzu não é a mesma da Graça e da Barra. Você não vê matéria de guarnição trocando tiro nesses locais".

O relações-públicas Felipe Oliveira, 24, também tem medo da polícia. No entanto, ele pontua que a ação varia de acordo com o local da abordagem. Em bairros considerados nobres, os policiais não agiriam com truculência.

"A polícia, dependendo da região, tem formas de atuação diferente. Eles não atuam na Barra como fazem no Subúrbio. A primeira vez que eu tomei abordagem foi em um ponto [de ônibus] com mulheres e rapazes brancos, e só eu tomei. Um policial pôs a arma no meu rosto”.

Mortos invisíveis
A equipe dos Observatórios pontua que há uma subnotificação nos registros de mortos em ações policiais quanto aos dados de cor e raça das vítimas. Dos 1013 mortos em operações em 2021, 397 (39,2%) não tiveram essas informações divulgadas.

A SSP-BA também foi procurada pela reportagem para informar a metodologia dos seus registros e explicar porque esse percentual de mortos não teve a cor e a raça informadas. No entanto, o órgão também não respondeu.

A sociedade civil de forma geral não registra informações de cor e raça das vítimas. O Instituto Fogo Cruzado, por exemplo, que lançou relatório dos 100 dias de monitoramento da violência em Salvador e RMS, não tem a SSP-BA como fonte dos registros de tiroteios e disparos.

Para o instituto, na Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, há três fontes de captação de informação: a divulgação das polícias nas redes sociais, a imprensa e as pessoas comuns que relatam as situações à entidade. Como a polícia baiana não faz publicações nas redes sociais, aqui restam os dois últimos meios de captação de informações.

Maria Isabel Couto, socióloga e diretora de programas do Fogo Cruzado, explica que mesmo essas fontes não qualificam as informações. "A maior parte do perfil das vítimas vem da imprensa. Porém, o que a gente percebe é que essas fontes, em geral, não informam o perfil racial das vítimas. Quando a gente consegue identificar, é porque há disponibilização de fotos", explica. Ela trabalha com segurança há mais de 10 anos.

Casos de violência policial em 2021:
Lucas Nascimento - 03/09/21

O jovem Lucas Nascimento foi morto a tiros durante ação policial no bairro de Itinga, em Lauro de Freitas, na noite de 3 de setembro de 2021. De acordo com familiares, Lucas voltava do trabalho, quando foi atingido por mais de 25 tiros, disparados pelos militares. Ainda segundo a família do jovem, equipes de Rondas Especiais (Rondesp) chegaram ao local atirando e Lucas foi baleado. Segundo a PM, ao identificar um suspeito, os militares foram recebidos por tiros disparados por um grupo de homens armados, que fugiram. Após a troca de tiros, a Polícia Militar diz ter identificado dois homens feridos.

Kevellyn Santos - 15/07/21

Kevellyn da Conceição Santos, 8 anos, foi baleada na barriga, no dia 15 de julho de 2021, no bairro de Valéria. Ela foi socorrida, mas morreu no dia seguinte. A família acusou a Polícia Militar como a responsável pelo disparo que atingiu a criança. A PM ter abriu um procedimento investigatório para apurar os fatos e a Polícia Civil, na ocasião, disse que o inquérito policial estava sendo instaurado na especializada, que ouviria os familiares e realizaria diligências.

Micael Silva Santos - 14/06/21

O estudante Micael Silva Santos, 12 anos, foi morto após ser baleado durante ação da Polícia Militar, na noite de 14 de junho de 2021, no bairro do Vale das Pedrinhas, em Salvador. Na época, a PM afirmou ter encontrado o menino caído após confronto com homens armados. Já a família de Micael contestou a versão policial e disse que ele morreu quando tentava se proteger dos militares, que chegaram atirando.

Viviane e Maria Célia - 04/06/21

Viviane Cristina Leite Soares, 33 anos, e Maria Célia de Santana, 73, foram mortas em ação da PM no dia 4 de junho de 2021, na Rua da Contenda, no bairro do Curuzu. Moradores relataram que os tiros ocorreram em um confronto entre um suspeito e policiais militares, que foram até o local atender uma ocorrência de carro roubado. A polícia realizou a reprodução simulada dos homicídios no fim de dezembro do ano passado para revelar as circunstâncias do caso frente às denúncias contra os policiais. No entanto, ninguém foi responsabilizado ainda.

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  • Chuva: 41 municípios em situação de emergência, 380 desabrigados e 2.227 desalojados

    Com base em informações recebidas das prefeituras, a Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) atualizou, nesta quarta-feira (28), os números referentes à população atingida pelas enchentes que ocorrem em municípios baianos.

    Até a situação presente, são 380 desabrigados e 2.227 desalojados em decorrência dos efeitos diretos do desastre. Segundo a Sudec, foram contabilizados seis óbitos. Os números correspondem às ocorrências registradas em 76 municípios afetados. É importante destacar que, desse total, 41estão com decreto de Situação de Emergência.

    O Governo do Estado segue mobilizado para atender as demandas de emergência, a fim de socorrer a população atingida pelas fortes chuvas em diversas regiões da Bahia.

  • Empresa brasileira vira concorrente da BYD pela antiga fábrica da Ford em Camaçari

    A BYD ganhou um concorrente pelo complexo da Ford nos minutos finais do prazo para a manifestação de interessados em comprar a antiga fábrica da montadora americana em Camaçari, fechada em janeiro de 2021 e que hoje pertence ao governo da Bahia. O empresário brasileiro Flávio Figueiredo Assis entrou na disputa para erguer ali a fábrica da Lecar e construir o futuro hatch elétrico da marca, que, diz, deve ter preço abaixo de R$ 100 mil.

    Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, Assis já tem um projeto de carro elétrico em fase de desenvolvimento, mas ainda procura um local para produzir o veículo. Em visita às antigas instalações da Ford para comprar equipamentos usados, como robôs e esteiras desativadas deixadas ali pela empresa americana, descobriu que o processo que envolve o futuro uso da área ainda estava aberto, já que o chamamento público feito pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado da Bahia (SDE) só se encerraria nessa quarta (28).

    O documento da SDE, ainda segundo a Folha, diz que a BYD havia apontado interesse no complexo industrial de Camaçari, mas outros interessados também poderiam "manifestar interesse em relação ao imóvel indicado e/ou apresentar impedimentos legais à sua disponibilização, no prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir desta publicação".

    A montadora chinesa anunciou em julho passado, em cerimônia com o governador Jerônimo Rodrigues no Farol da Barra, um investimento de R$ 3 bilhões para construir no antigo complexo da Ford três plantas com capacidade de produção de até 300 mil carros por ano.

    A reportagem da Folha afirma que a BYD já está ciente da proposta e prepara uma resposta oficial a Lecar. E que pessoas ligadas à montadora chinesa acreditam que nada irá mudar nas negociações com o governo baiano porque Assis estaria atrás apenas de uma jogada de marketing. O empresário, por sua vez, disse ver uma oportunidade de bom negócio, pois os valores envolvidos são atraentes.

    Procurada pelo CORREIO, a BYD afirmou que não vai se pronunciar sobre o assunto, e que o cronograma anunciado está mantido.

    Em nota, a SDE apenas confirmou que a Lecar encaminhou e-mail ontem afirmando ter interesse na área da antiga Ford. A secretaria, diz a nota, orientou a empresa sobre como proceder, de acordo com as regras do processo legal de concorrência pública em curso.

    Entre as perguntas não respondidas pela pasta na nota estão o prazo para a conclusão da definição sobre a área e o impacto que a concorrência entre BYD e Lecar traz para a implantação de uma nova fábrica de veículos no estado.

  • Bahia adere ao Dia D de mobilização nacional contra a Dengue

    Em um esforço para combater a crescente ameaça da Dengue, o estado da Bahia se junta ao Dia D de mobilização nacional, marcado para o próximo sábado (2). A informação é da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, que está em Brasília nesta quarta-feira (28) para uma reunião do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Esta iniciativa sublinha a necessidade de uma ação coletiva diária e destaca o papel vital que cada indivíduo desempenha na prevenção da doença. Com o apoio do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde da Bahia (Cosems-BA), da União dos Municípios da Bahia (UPB) e do Conselho Estadual de Saúde (CES), os municípios farão mutirões de limpeza, visitas aos imóveis nas áreas de maior incidência e distribuição de materiais informativos.

    A Bahia registra um aumento significativo de casos de Dengue, com 16.771 casos prováveis até 24 de fevereiro de 2024, quase o dobro em comparação ao mesmo período do ano anterior. Atualmente, 64 cidades estão em estado de epidemia, com a região Sudoeste sendo a mais afetada. Além disso, foram confirmados cinco óbitos decorrentes da doença nas localidades de Ibiassucê, Jacaraci, Piripá e Irecê.

    De acordo com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o cenário nacional é particularmente desafiador devido ao impacto das condições climáticas adversas e ao aumento exponencial dos casos de Dengue, incluindo a circulação de novos sorotipos (2 e 3), que exigem uma atenção mais integrada.

    Na avaliação da secretária da Saúde do Estado, Roberta Santana, o momento é de unir esforços para conter o aumento do número de casos e evitar mortes. "O Governo do Estado está aberto ao diálogo e pronto para apoiar todos os municípios, contudo, cada ente tem que fazer a sua parte. As prefeituras precisam intensificar as ações de atenção primária e limpeza urbana, a fim de eliminar os criadouros, e fortalecer a mobilização da sociedade, antes de recorrer ao fumacê. A dependência excessiva do fumacê, como último recurso, pode revelar uma gestão reativa em vez de proativa no combate à doença", afirma a secretária.

    A titular da pasta estadual da Saúde pontua ainda que o Governo do Estado fez a aquisição de novos veículos de fumacê e distribuirá 12 mil kits para os agentes de combate às endemias, além de apoiar os mutirões de limpeza urbana com o auxílio das forças de segurança e emergência. "Além disso, o Governo do Estado compartilhou com os municípios a possibilidade de adquirir bombas costais, medicamentos e insumos por meio de atas de registro de preço", ressalta Roberta Santana.

    Drones

    O combate à Dengue na Bahia ganhou mais uma aliada: a tecnologia. O Governo do Estado deu início ao uso de drones como nova estratégia para identificar em áreas de difícil acesso focos do mosquito Aedes aegypti, vetor de transmissão de Dengue, Zika e Chikungunya. As imagens capturadas pelos equipamentos são analisadas pelos agentes de endemias, que conseguem identificar locais com acúmulo de água parada e possíveis criadouros do mosquito, facilitando a ação das equipes e tornando o combate mais eficaz.

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