Comunidade científica repudia nota técnica do Ministério da Saúde

Comunidade científica repudia nota técnica do Ministério da Saúde

Após a publicação da nota técnica nº2/2022, da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde, a comunidade científica da Bahia e do Brasil repudiou veementemente o documento divulgado nesta sexta-feira (21). A nota da pasta indica “efetividade” e “segurança” para o uso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, e, ao mesmo tempo, nega os benefícios das vacinas. Especialistas baianos avaliam a declaração como um “desserviço”, “inadmissível”, “imprecisa” e contrária às evidências da ciência.

A nota foi assinada apenas pelo secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério, Hélio Angotti Neto. Ela cita 13 estudos “controlados e randomizados” favoráveis à hidroxicloroquina, “com efeito médio de redução de risco relativo de 26% nas hospitalizações". Já para a falta de eficácia das vacinas, o embasamento se deu com 18 ensaios não finalizados, dos quais, oito ainda estão em fase de recrutamento, nove ainda estão sem concluir a fase de seguimento e um está finalizado, mas em fase de dados insuficientes para a avaliação de segurança.

Nota técnica diz que vacinas não são eficazes, enquanto hidroxicloroquina sim (Foto: Reprodução/Ministério da Saúde)
Para a infectologista Ceuci Nunes, diretora do Instituto Couto Maia, hospital referência no tratamento de doenças infec-contagiosas na América Latina, a nota é “tão absurda” que chega a ser “estarrecedor” comentá-la. “Ela é tudo de ruim, porque, primeiro, desacredita em um órgão importantíssimo, que é o Conitec do SUS. Um ideológico, sem rigor científico nenhum, compara vacina com cloroquina, o que é um absurdo. É um desserviço o que o Ministério tem prestado ao Brasil nesta pandemia”, opina Ceuci.

Segundo a especialista, somente o Ministério da Saúde ainda defende a cloroquina. “A cloroquina já ficou desmoralizada. A literatura já está farta de evidências de que ela não serve para tratamento de covid. A vacina que tem salvado milhões de pessoas e conseguido modificar a cena da pandemia no Brasil. Ela que diminuiu os casos graves e as hospitalizações”, explica Ceuci Nunes.

Ao avaliar o cenário epidemiológico da Bahia, é possível observar a diminuição dos casos do vírus e número de mortes desde o avanço da vacinação no estado. No primeiro semestre de 2021, apenas 8,7 milhões de vacinas tinham sido aplicadas. Em junho, o número diário de casos confirmados era entre 4 e 6 mil. Em julho, isso começou a diminuir e, em agosto, reduziu para pouco mais de 1 mil casos diários. De setembro a novembro de 2021, após o início da vacinação, ficou em torno de 500 casos.

Já o número de mortes, em junho de 2021, era mais de 100, diariamente. Em julho, esses óbitos reduziram para 43; em agosto, 30; em setembro, 17; e em outubro e novembro, variou de 5 a 10. Ou seja, a quantidade de baianos que morre por covid-19 reduziu mais de seis vezes nos últimos seis meses. O número de casos teve queda de 92,57%.

Enquanto isso, o número de vacinas aplicadas triplicou, no mesmo período: agora, são mais de 27 milhões. Do total de habitantes na Bahia, 73,7% estão com a primeira dose e 62,1% com a segunda. Em dezembro e janeiro, o número de caso voltou ao patamar de 4 a 6 mil por dia por conta do avanço da variante ômicron. O número de mortes diárias está entre 15 e 20. Além disso, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) já informou que, em janeiro, 80% dos internamentos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) são de pessoas que não tomaram o imunizante.

O imunologista Celso Sant’Ana, professor da UniFTC, esclarece que as vacinas têm o papel de reduzir o contágio da doença e faz com que as pessoas tenham sintomas mais leves caso sejam infectadas. “Não se deveria ter dúvida em relação à vacina de qualquer tipo. Elas são eficazes há anos e já salvaram muitas vidas. Se não fossem elas, não teríamos erradicado a poliomielite e o sarampo no Brasil”, argumenta.

Sant’Ana é completamente contra o conteúdo da nota técnica. “As vacinas reforçam a imunidade da pessoa contra o vírus, enquanto as drogas como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina trabalham no sentido de impedir a multiplicação do vírus. Porém, não existe, até hoje, medicamentos que os matem. E não tem como comparar a eficiência de uma vacina com qualquer outra droga”, adiciona. Ele ainda cita efeitos colaterais das drogas em pacientes hepáticos e cardíacos.

Celso diz que cada parágrafo das 45 páginas da nota técnica pode ser refutado. “Ela se baseia em premissas altamente inconsistentes, com erro de metodologia de análise. Eles foram muito rigorosos para analisar trabalhos contra a vacina e muito generosos para analisar trabalhos a favor da cloroquina. A nota não gera consequências legais e não tem caráter obrigatório, porém gera um impacto negativo desnecessário”, analisa.

Abaixo assinado
Um abaixo assinado foi criado, neste sábado (22), por docentes, profissionais de saúde e pesquisadores do Brasil emitindo posição contrária à nota que favorce a cloroquina. O texto pede providências ao Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério Público (MP), Senado e ao Ministério da Saúde. Em menos de 24 horas após sua criação, o documento já tem mais de 40 mil assinaturas. Os autores da carta se dizem "perplexos” pela nota rejeitar formas de tratamento recomendadas por médicos com experiência no tema, em favor de métodos não validados. “Em nosso entender, é um exemplo primoroso de desinformação em saúde”, criticam os cientistas.

A nota ainda recusa propostas elaboradas por um grupo de pesquisadores convocados pelo próprio Ministério da Saúde, que fazem parte da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), entidade que emite recomendações no tratamento de doenças. Para os pesquisadores, foi criada uma situação sem precedentes no país.

“Causa enorme preocupação o fato de que as rédeas do Ministério estejam sob a posse da ideologia, da desinformação e, principalmente, da ignorância. O comportamento do Ministério da Saúde transgride não somente os princípios da boa Ciência, mas avança a passos largos para consolidar a prática sistemática de destruição de todo um sistema de saúde”, acrescenta o abaixo-assinado.

O que diz a OMS
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também já se posicionou sobre a ineficácia da cloroquina para tratar o novo coronavírus logo no início da pandemia. Em um documento publicado em maio de 2020, a OMS disse que “os atuais indícios científicos não são conclusivos quanto à utilidade e aos efeitos secundários da hidroxicloroquina nas doses recomendadas para gestão da covid-19".

Ao mesmo tempo, a organização defende a vacinação para o controle da doença: “As vacinas mostraram um alto nível de eficácia em todas as populações e têm sido consideradas seguras e eficazes em pessoas com várias condições médicas subjacentes”, como grávidas, pessoas com diabetes, hipertensão, idosos, crianças e outros grupos “de risco”.

Órgãos oficiais
Até a noite deste domingo (23), a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) não quis se posicionar sobre o tema, só disse que é “lamentável, nos dias atuais, esse posicionamento do Ministério da Saúde”. A Sesab pediu que a reportagem do CORREIO procurasse o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), que não respondeu até a mesta data.

Nas redes sociais, o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), anunciou que vai acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar o incentivo ao medicamento. Diversas outras entidades repudiariam a nota técnica, como a Frente pela Vida, organização formada por profissionais da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Médicos pela Democracia, e a Sociedade Brasileira de Virologia.

Secretário municipal da saúde de Salvador, Leo Prates cumpre agenda no interior e informou que não conseguiria avaliar a nota técnica do Ministério da Saúde até a noite deste domingo (23). O Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS), a Associação Bahiana de Medicina (ABM), o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) e o Ministério da Saúde foram procurados, mas não enviaram resposta.

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    Drones

    O combate à Dengue na Bahia ganhou mais uma aliada: a tecnologia. O Governo do Estado deu início ao uso de drones como nova estratégia para identificar em áreas de difícil acesso focos do mosquito Aedes aegypti, vetor de transmissão de Dengue, Zika e Chikungunya. As imagens capturadas pelos equipamentos são analisadas pelos agentes de endemias, que conseguem identificar locais com acúmulo de água parada e possíveis criadouros do mosquito, facilitando a ação das equipes e tornando o combate mais eficaz.

  • Começa vacinação contra dengue em Salvador

    A cidade de Salvador vai iniciar a vacinação contra a dengue nesta quinta-feira (15). O primeiro lote do imunizante, com 56.493 doses chegou na capital baiana nesta manhã.

    Essa primeira fase na capital baiana contemplará com o esquema primário os pré-adolescentes entre 10 e 11 anos; com o recebimento de novos lotes o público será ampliado gradativamente. Nessa faixa etária, a cidade conta 87.307 pessoas. Em dezembro do ano passado, o Brasil incorporou a vacina no SUS, tornando-se o primeiro país do mundo a oferecer o imunizante no sistema público universal.

    O pontapé inicial da vacinação será às 14h na sede da OAF – Organização de Auxílio Fraterno, que fica na Rua do Queimado, na Liberdade. Já a partir de amanhã, sexta-feira (16), a vacinação acontecerá em 30 unidades de saúde de referência, distribuídas pelos 12 distritos da cidade, das 08 às 16h.

    “Salvador está na contramão do Brasil que entrou em alerta para o aumento de casos de dengue, graças a uma série de ações para o enfrentamento das arboviroses que promovemos ao longo dos últimos meses na nossa cidade. Intensificamos as atividades de monitoramento e prevenção, bem como reforçamos a conscientização sobre prevenção junto à população. A inclusão da vacina da dengue é mais ferramenta de extrema importância no SUS para se evitar casos graves da doença, principalmente óbitos. Com o avanço da imunização, esperamos que a dengue seja classificada como mais uma doença imunoprevenível, mas o enfrentamento contra o mosquito Aedes deverá continuar sendo prioridade de cada cidadão”.

    Para receber a dose, deve ser apresentado documento de identificação com foto, cartão SUS de Salvador e caderneta de vacinação. Vale destacar que a aplicação será feita somente na presença dos pais ou responsável legal, garantindo um acompanhamento adequado e a segurança das crianças e adolescentes. Para a vacinação nas escolas, as crianças deverão portar documento de autorização dos pais e ou responsáveis.



  • OMS: surto de dengue no Brasil faz parte de aumento em escala global

    Em visita ao Brasil, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse nesta quarta-feira (7) que o surto de dengue registrado no país faz parte de um grande aumento de casos da doença em escala global. Segundo ele, foram relatados, ao longo de 2023, 500 milhões de casos e mais de 5 mil mortes em cerca de 80 países de todas as regiões, exceto a Europa.

    Durante a cerimônia de lançamento do programa Brasil Saudável, Tedros lembrou que o fenômeno El Niño, associado ao aumento das temperaturas globais, vem contribuindo para o aumento de casos de dengue no Brasil e no mundo. O diretor-geral da OMS comentou ainda a vacinação contra a doença e disse que o país tem uma capacidade gigantesca de produção de insumos desse tipo.

    “O Brasil está fazendo seu melhor. Os esforços são em interromper a transmissão e em melhorar o controle da doença”, disse. “Temos a vacina e isso pode ser usado como uma das ferramentas de combate”, completou.

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