Dois novos rompimentos de tubulação ocorreram em Salvador, nesta terça-feira (28), em bairros diferentes. Casas com o abastecimento comprometido, tráfego lento e desperdício de água foram as consequências mais imediatas do problema. Somente em fevereiro, foram quatro vazamentos significativos na cidade, com o rompimento de parte da rede de abastecimento da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa). Na semana do Carnaval, a quebra de uma dessas adutoras, na Avenida Reitor Miguel Calmon, resultou em uma cratera que engoliu um carro e causou bastante transtornos bem na abertura da festa, dia 16. Dois dias depois, 18, no Sábado de Carnaval, houve outro caso.
Os dois problemas mais recentes aconteceram entre as 6 e 7 horas da manhã desta terça, 12 dias após o rompimento da Miguel Calmon. Um deles na Estrada do Coqueiro Grande, em Fazenda Grande IV, onde um ônibus ficou preso quando o asfalto cedeu. O outro problema ocorreu na Av. Cardeal da Silva, na Federação.
No primeiro caso, o fornecimento de água foi interrompido no bairro da ocorrência e em Fazenda Grande III, mas até por volta das 21h, ainda havia moradores sem água na localidade, embora a Embasa tivesse informado que resolveria até o começo da noite, conforme relatos nas redes sociais. Na Federação não houve registro de desabastecimento. Os serviços de correção do vazamento na região central da cidade foram finalizados até às 14h.
Assim como quando um carro foi engolido pelo asfalto no primeiro dia do Carnaval, na Av. Reitor Miguel Calmon, as duas crateras de ontem também foram causadas pelo rompimento de uma rede de distribuição da Embasa.
Transtornos
Mas afinal, o que há debaixo do asfalto que pode romper a qualquer momento? Especialistas explicam que as tubulações que conduzem a água tratada dos reservatórios hídricos até as residências possuem tamanhos diferentes. Se possuem vazão maior, são consideradas adutoras. Se o diâmetro for menor, são chamadas de redes de distribuição.
“Se compararmos com um corpo humano, é como se as adutoras fossem as artérias, que carregam mais sangue. As redes de distribuição seriam as veias porque saem das adutoras, são menores e distribuem a água pelas ruas”, explica o engenheiro sanitarista Jonatas Sodré, membro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA).
Apesar de a Embasa afirmar que em nenhum dos quatro casos de fevereiro houve rompimento de adutora, o engenheiro acredita que pelo estrago da primeira cratera, na Av. Reitor Miguel Calmon, há a possibilidade de ter sido uma tubulação grande a ponto de ser considerada adutora. “Naquele caso próximo a Av. Garibaldi pode ter sido uma adutora de menor porte”, analisa.
Vazamentos nas redes não são novidade. A Embasa reconhece que a média é de 30 vazamentos diários nos 7,8 mil quilômetros de extensão de rede entre Salvador e a Região Metropolitana (RMS). A empresa considera a média satisfatória e afirma que mantém cerca de 100 equipes disponíveis para a correção de vazamentos.
Quando os rompimentos são mais significativos, como os últimos quatro deste mês, o trânsito fica comprometido em várias partes da cidade. Ontem, o trânsito só voltou a fluir normalmente em Fazenda Grande e na Federação por volta das 15h40, segundo informou a Transalvador. Há ainda o desperdício de água, enquanto moradores ficam desabastecidos.
Causas do problema
Pelo grande número de rompimentos diários, já é de se imaginar que não existe apenas uma causa para os vazamentos na rede de distribuição de água. Entre os fatores que podem causar danos estão variação na pressão da água, movimentação do solo, má execução de serviços e falta de manutenção da rede.
O engenheiro sanitarista Jonatas Sodré lembra que muitos dos serviços de manutenção são realizados em caráter de urgência, quando algum desastre acontece, e nem sempre os materiais utilizados são de boa qualidade.
“A falta de diálogo entre a prefeitura e a empresa, mais a dispensa de licitação por conta da necessidade e falta de fiscalização têm como resultado o caos social”.
A responsabilidade de fiscalizar os serviços prestados pela Embasa é da Agência Reguladora de Saneamento Básico do Estado da Bahia (Agersa), que foi procurada, mas não se pronunciou sobre os rompimentos até o fechamento desta edição, às 23h.
Dá para evitar?
Para evitar que transtornos ocorram na cidade por conta de rompimentos de tubulação, a Embasa afirma realizar uma série de investimentos todos os anos nas redes de distribuição de água.
"Investimos R$ 50 milhões por ano para substituir as redes. As tubulações têm em média 60 anos de vida útil e trocamos, por ano, 2% da malha total”, afirma César Requião, superintendente de serviços da Embasa na Região Metropolitana de Salvador.
Segundo ele, o rompimento da quinta-feira de Carnaval, em 16 de fevereiro, é o único que está sendo investigado e há indícios de que o material apresentava um desgaste prematuro.
“Faremos uma investigação mais apurada porque a forma com que rompeu foi diferente do convencional. Separamos a tubulação e vamos fazer testes para chegar a um veredicto”, diz César Requião. Todas as outras quebras da tubulação se enquadram no que a empresa define como vazamentos de rotina, segundo o superintendente.
Além da troca e manutenção dos materiais que formam a rede, os especialistas ouvidos pela reportagem indicam a importância do monitoramento constante da rede, inspeções regulares e atualização tecnológica.
Apesar de haver participação do Governo do Estado, porque é uma empresa de economia mista, a Embasa é a principal responsável por ressarcir qualquer dano material provocado por rompimentos em tubulações de água nos municípios antendidos pela rede gerida pela companhia. Para que uma pessoa física consiga ser indenizada, por exemplo, por problemas causados por alagamentos ou rompimentos de redes de distribuição que prejudiquem seu imóvel, é preciso reunir o máximo de provas possíveis, como explica o advogado especializado em Direito do Consumidor Pedro Falcão.
Carro engolido no Carnaval
As cenas de um casal no teto do carro enquanto o veículo era engolido rapidamente por uma cratera após o rompimento de uma tubulação da Embasa, na Quinta de Carnaval, apontam que os danos com problemas na rede podem ser imensos para a cidade, e que a população corre riscos. Na Estrada do Coqueiro Grande, ontem, por exemplo, pessoas poderiam ter se ferido quando o ônibus ficou preso no buraco aberto na via.
“Se houver uma inundação repentina como resultado de rompimento de adutora, existe o risco de pessoas serem arrastadas pela correnteza. Há ainda a possibilidade de choque elétrico se a água entrar em contato com postes de energia”, analisa Ricardo Mirisola, engenheiro civil especialista em geotecnia e sócio da MMF Projetos.
Por isso, ao menor sinal de rompimento, as pessoas devem se afastar das áreas afetadas. “No caso específico do rompimento no Carnaval, as imagens do carro sendo engolido pela água são particularmente alarmantes e ilustram os perigos potenciais”, acrescenta Ricardo Mirisola.
O carro em questão afundou na Avenida Reitor Miguel Calmon, perto da subida para o Garcia, após uma tubulação se quebrar e a pressão da água fazer o asfalto ceder. Na ocasião, a Embasa informou, via nota, que o rompimento da tubulação de grande porte fez com o que o abastecimento de água fosse interrompido em vários pontos da cidade.
No Sábado de Carnaval, dia 18, outro rompimento de tubulação ocorreu em Ondina. O vazamento provocou ainda a formação de uma cratera no final no circuito, afetando inclusive a área de trabalho dos ambulantes.
Também em nota naquele dia, a Embasa informou que tinha iniciado a correção de um vazamento em uma linha distribuidora de água de médio porte na avenida Milton Santos. Também naquele caso, o fechamento da rede para a realização do serviço afetou o abastecimento na avenida Milton Santos, em algumas ruas transversais, na avenida Anita Garibaldi e na Paciência.
Prefeito critica a Embasa
O prefeito Bruno Reis criticou a atuação da Embasa em Salvador e os impactos causados pelos rompimentos recentes de tubulações da rede de água na cidade. Devido aos problemas, o contrato de programa, realizado entre a prefeitura e a embresa ainda não foi renovado. "Este é um grave problema da cidade, tanto que até hoje não foi renovado o contrato de programa. Eu já tive um primeiro contato com o presidente da Embasa", disse.
Bruno Reis relembrou os transtornos causados pelo rompimento da adutora na quinta-feira (16) de Carnaval, que atrapalhou o esquema de trânsito e transporte para a festa. Ele destacou que as equipes da prefeitura atuaram com agilidade para minimizar os impactos dos transtornos na ocasião.
Segundo o prefeito, algumas questões serão discutidas com a Embasa para a renovação do contrato de programa, entre elas a manutenção da rede de água e esgoto e a falta de fornecimento de água em diversos bairros.
O contrato de programa é o instrumento jurídico pelo qual devem ser constituídas e reguladas as obrigações que um ente federativo tenha com outro ente ou consórcio público, no âmbito da prestação de serviços públicos por meio de cooperação federativa. Ou seja, é o instrumento jurídico que define a prestação de serviços da Embasa para a capital.
"Um dos objetos da discussão da assinatura do contrato de programa é a quantidade de investimentos em Salvador. O primeiro problema é que ainda temos pessoas que moram sobre córregos e canais a céu aberto. O segundo é a rede de água e esgotamento que rompem com frequência. E o terceiro é os diversos bairros que sofrem com falta de abastecimento", diz Reis.