Após 12 anos de funcionamento, o Centro de Parto Natural (CPN) da Mansão do Caminho, em Salvador, anunciou que não realizará mais partos a partir do dia 20 de setembro. O motivo? Os recursos repassados pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e as verbas obtidas por meio de doações não são suficientes para cobrir as despesas da unidade de saúde, que registrou um déficit financeiro de R$ 3,7 milhões, em 2022, e prevê um débito de R$ 4,05 milhões este ano.
A entidade fundada pelo médium Divaldo Franco e gestora do CPN afirmou que a decisão foi conjunta, enquanto a Sesab, por meio de nota, disse ter ofertado diversas propostas para a manutenção do local – todas teriam sido recusadas pela instituição filantrópica.
De acordo com o diretor-presidente da Mansão do Caminho Mário Sérgio Almeida, a entidade firmou um contrato com a Sesab em 2013, no qual era determinado o repasse de R$ 100 mil – valor mensal e fixo, que não foi alterado ao longo dos anos – pela secretaria para a manutenção do CPN.
Sem acordo
Em contrapartida, o centro teria que realizar 70 partos por mês (840 por ano), número que não foi alcançado por mais de uma década. O ano em que registrou uma maior quantidade de partos foi 2016, quando contabilizou 795 nascimentos.
A construção de novos hospitais e novas casas de parto na cidade, a exemplo do Hospital-Maternidade Albert Sabin, a oito quilômetros do CPN, foi um dos fatores que reduziu o número de partos no centro da Mansão do Caminho, como aponta Almeida.
“Nós fomos fazendo todos os esforços possíveis para manter os trabalhos realizados no Centro de Parto. À medida que os anos foram passando, os recursos foram reduzidos pela inflação. O que era R$ 100 mil em 2013, teria que ser R$ 450 mil em 2023”, pontuou o diretor-presidente da entidade.
Questionada sobre o valor repassado ao CPN, a Sesab respondeu, por meio de um comunicado oficial, que “a decisão [de fechamento] da entidade filantrópica foi unilateral, sendo comunicada a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), na qual mantém contrato vigente até 20 de setembro de 2023, referente aos serviços ambulatoriais e de internação na unidade, no montante de R$ 2,1 milhões”, diz trecho do comunicado.
A Mansão do Caminho, por sua vez, divulgou uma resposta ao comunicado emitido pelo órgão estadual, afirmando que cinco reuniões foram feitas e, em conjunto, a entidade decidiu acolher a alternativa da Sesab: transferir os partos da CPN para a Maternidade Albert Sabin, mantendo o incentivo do governo para acompanhamento de pré-natal para gestantes de baixo risco.
Na ocasião, a diretoria teria aceitado a alternativa, o que foi questionado após o anúncio do fechamento nas redes sociais da instituição no mesmo dia do acordo. Questionada, a assessoria informou que “o corpo técnico do CPN, além de participar das reuniões descritas acima, também teve uma reunião com a diretoria”.
Rafaela Araújo, 33 anos, também é enfermeira obstétrica na casa. O brilho de quem trabalha há um ano e sete meses com o que sempre sonhou é perceptível de longe, assim como o sentimento de angústia ao falar sobre uma possível despedida. “Esse modelo de assistência precisa ser mantido, é um exemplo segurança”, garante a colaboradora.
De acordo com as enfermeiras, em agosto do ano passado, a instituição já teria decidido fechar o CPN.
Modelo elogiado por pacientes e profissionais
Ao longo dos 12 anos, o CPN, primeiro centro de parto normal da Rede Cegonha do país, registrou 6.696 partos, uma média de 32 por mês, e uma taxa de mortalidade materna zero.
De acordo com a Sesab, os cinco leitos serão desativados, mas os serviços ambulatoriais de pré-natal, que envolve consultas médicas e exames laboratoriais e de imagem, serão mantidos.
Mário Sérgio Almeida informou que 57 dos 62 funcionários serão demitidos. “Não poderíamos continuar o CPN, sem colocar em risco a Mansão do Caminho”, pontuou.
O fechamento também causa tristeza em quem já deu à luz no CPNA. A professora Emily França, 29, por exemplo, conheceu o centro quatro meses antes de ter a primeira e única filha, por meio de uma tia.
Antes disso, realizava acompanhamento médico no posto médico de Cajazeiras, onde mora. A experiência vivida no primeiro dia de visita, no mês de julho, até a consulta pós-parto, em novembro, foi descrita como um “momento lindo, abençoado e de extremo profissionalismo”. No local, a educadora realizou exames laboratoriais, participou de rodas de conversas com gestantes e acompanhamento nutricional.
“Fui tratada como uma verdadeira rainha. No momento do meu parto, quando eu não acreditava que conseguiria, estavam todos ali, torcendo e me dando forças”, relatou. Quem também optou por um parto humanizado na Mansão do Caminho foi Débora Albuquerque, em 2018, que enxerga o modelo como melhor exemplo de autonomia feminina nesses momentos. Ela conheceu o CPN em uma das rodas de gestantes oferecidas pela instituição, foi quando ficou encantada. “As enfermeiras, recepcionistas, doulas, todas as pessoas, na verdade, nos recebem com muito carinho e nos deixam muito à vontade”, disse.
Quem reside em outras cidades também procura o atendimento ofertado no CPN. É o caso da profissional em Educação Física, Leila Santiago, 30, que saiu de São Sebastião do Passé, na Região Metropolitana, para ter os dois filhos em Salvador. “Eu fui acolhida e tive direito a parir do jeito que queria. Tive essa liberdade porque eles nos escutam”.