O número de processos movidos contra o governo estadual por questões relacionadas à regulação cresceu 363% no último ano, segundo dados levantados pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) a pedido do CORREIO. Enquanto 2020 registrou 118 processos, a taxa saltou para 547 em 2021. Já até 19 de agosto de 2022, a entidade contabilizou 568 ações judiciais. O valor já é 3% a mais do registrado nos 12 meses do ano passado. Em 2019, ano anterior à pandemia da covid-19, o Tribunal recebeu apenas cinco processos.

Os processos são resultado de casos na esteira da fila de regulação do Sistema único de Saúde (SUS). A Central Estadual de Regulação (CER) possui cerca de 1.100 solicitações diárias que incluem avaliações com especialistas, exames, procedimentos cirúrgicos e vagas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), afirma a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Por dia, as quatro centrais recebem, em média, 150 solicitações para UTI adulto, 30 para pediátrica, 25 para neonatal e cinco liminares.

Para a líder do Movimento Independente de Luta da Pessoa com Deficiência da Bahia, Fabiana Borges, a fila de regulação é na verdade “a fila da morte”. Ela diz isso porque a amiga, Geiza Santos, 38, faleceu no dia 15 de agosto, após passar 15 dias na espera para transferência.

Fabiana conta que Geiza tinha leucemia aguda e, nas duas últimas semanas, estava internada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Barris, mas precisava de atendimento especializado e fazer drenagem no pulmão. Após protestos do movimento no dia 13, a paciente foi transferida para o Roberto Santos no dia seguinte, no entanto, não resistiu e faleceu. “É uma falta de respeito, é a fila da morte. Quantos estão passando pela mesma coisa?”, lamenta.

A promotora de Justiça Patrícia Medrado coordena o Centro de Apoio Operacional da Saúde do Ministério Público (Cesau/MP) na Bahia, cuja função é promover medidas necessárias para garantia dos direitos à saúde, e explica que o recrudescimento na regulação ocorreu, sobretudo, por questões causadas pela pandemia. Já a leve queda assistida esse ano também se deve à menor procura por postos em meio à proteção dada pela vacinação.

Pacientes crônicos, que tiveram quadros agravados por não terem acesso a serviços de saúde em razão da necessidade de isolamento ou pela suspensão de cirurgias eletivas em contraste à prioridade dada aos casos de covid-19, são alguns dos fatores que explicam os números. Abandono de planos de saúde para utilização do SUS em meio à crise econômica e superlotação do atendimento primário e, como consequência, dificuldade ao especializado também devem ser considerados nas causas da crise no sistema de saúde, aponta a promotora.

Perigos
À frente de ações judiciais que solicitam mais leitos para o Departamento de Emergência, o promotor de Justiça Rogério Queiroz esclarece que pacientes crônicos, na área vascular, de cardiologia, oncologia, clínica médica e ortopedia cirúrgica são os que mais sofrem no processo de espera.

“O financiamento é muito baixo e o dinheiro é insuficiente. No que estado e município venham a gastar normalmente é cinco vezes maior que o repasse do Ministério da Saúde. Cardiologia é grave porque precisa fazer cateterismo, pode evoluir ao óbito. Vascular às vezes [há risco de] necrose em um dedo e que vai evoluindo no tempo esperando na UPA. Às vezes tem que fazer amputação que era de dedo, [mas] vai todo o joelho”, denuncia.

O auxiliar de serviços gerais Josmiro Bastos, 37, viveu quadro semelhante. Ele tem diabetes e perdeu o polegar da mão direita no Natal de 2021. Em agosto de 2022, o paciente voltou a ser internado na Policlínica da Humildes - distrito do município de Feira de Santana - por problemas causados pela doença. Após três semanas na espera, Josmiro conseguiu transferência para o Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA), onde está em observação, uma vez que chegou na policlínica com apenas um pé inchado e agora a situação evoluiu para os dois pés, com possibilidade de amputação em ambos.

“Fica parecendo que não tem ninguém por nós. O atendimento aqui é bom, mas não tem suporte para uma situação dessa”, lamenta.

A Sesab também reconhece dificuldade do acesso aos postos de saúde a prejudicar tratamento de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, porém, citou a realidade como “caso específico de Salvador”.

A secretaria ainda afirma que, atualmente, 80% das solicitações da Central Estadual de Regulação são atendidas em até 48 horas e a capacidade de atendimento da rede estadual aumentou com a abertura de 20 novos hospitais nos últimos 15 anos, a exemplo do HGE 2, Hospital da Mulher e Instituto Couto Maia.

“Há um esforço contínuo para reduzir o tempo médio de atendimento, sobretudo, com a abertura de novos leitos e serviços. O tempo médio de atendimento para as solicitações diversas (exames, avaliações com especialistas, internação clínica e procedimento cirúrgico) é de 3 dias. Já o tempo médio para atendimento dos pleitos envolvendo UTIs é de 2,6 dias”, garante.

Questionada sobre a quantidade de pacientes em espera na regulação, a entidade não respondeu. O CORREIO solicitou também dados sobre o número de óbitos de pessoas na fila de regulação. O valor foi pedido, inclusive, via Lei de Acesso à Informação - que regulamenta o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas -, mas os dados nunca foram apresentados. A reportagem solicitou à Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE/BA) detalhes sobre os tipos de processos - se são por indenização, por exemplo -, mas também não recebeu retorno.

Em Feira de Santana, 196 pessoas morreram esperando atendimento

Segundo Vera Galindo, coordenadora de média e alta complexidade, ou seja, setor que envolve UPAs, policlínicas e liberações de internamento hospitalar, no primeiro semestre, 196 pacientes foram a óbito na espera da regulação em Feira de Santana. Atualmente, são 51 pacientes à espera de vaga. Vera ressalta que, apesar da queda em busca hospitalar em casos de covid-19, janeiro estava com 58 pacientes, ou seja, apesar da queda na busca por causa do coronavírus, a fila pouco teve alteração.

“É preocupante. Temos pacientes gravíssimos, estamos no momento com pacientes precisando fazer regulação há mais de 15 dias e estamos tensos esperando para que seja puxado para qualquer hospital, porque o paciente está correndo risco de morte”, chama atenção.

A dona de casa Solange Almeida, 55, lamenta o caso da mãe, Angelina Bezerra da Silva, 87, que tem diabetes e esteve internada por 12 dias na UPA da Queimadinha, bairro em Feira de Santana, com dois pés roxos, inchados e no aguardo para cirurgia vascular. A idosa conseguiu regulação ao final do mês de agosto.

“Me sinto impotente, é uma situação muito triste porque a gente fica com as mãos atadas. Ela fica triste, os netos todos choram quando vem vê-la aqui. É lamentável porque vai se agravando ao invés de ter melhora”.

Para atender mais pessoas, Vera Galindo salienta que está no plano de governo a construção de hospital municipal, mas a meta exige recursos, a exemplo da contratação de equipe especializada, adequar demandar e na própria infraestrutura. A intenção é que até o final do mandato, a equipe municipal consiga recurso para viabilizar a construção do prédio.

Procurada desde janeiro, Sesab não respondeu

A equipe de reportagem do CORREIO iniciou a busca por dados sobre número de pessoas na fila de regulação e taxa de óbitos em janeiro de 2022 e teve dificuldades para receber retorno da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). A produção do jornal entrou em contato com a secretaria em 13 de janeiro solicitando número de pacientes na fila da regulação, o pedido foi cobrado para assessoria em 18 de março e reforçado em 22 de março, porém, a informação nunca foi apresentada.

Também no mês de março, a equipe conseguiu entrevistar a diretora de regulação da Sesab, Rita Santos, que, contudo, não passou dados e orientou contato com a instituição. Sem respostas, a reportagem fez pedidos novamente em 11 de abril e 20 de abril, até solicitar via Lei de Acesso à Informação pelo portal da ouvidoria do estado, no dia 28 do mesmo mês.

A reportagem ainda entrou em contato com a prefeitura dos municípios baianos, Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA) e só conseguiu dados através de contato com o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ/BA), em 22 de agosto.

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A Central Estadual de Regulação de Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) registrou uma redução de 29% no número de pacientes na fila à espera de leitos clínicos para tratamento da covid-19. No domingo (14), eram 255 pessoas nessa situação. Nessa quarta-feira (27), eram 180, segundo os dados do último boletim epidemiológico emitido pelo órgão. Embora a situação ainda não seja a ideal, a queda no percentual já traz um alento para o sistema de saúde baiano, atualmente sobrecarregado.

No mesmo período, também houve uma leve queda, de 495 para 489, no número de pacientes que aguardavam um leito de UTI no estado. Esse número já chegou a atingir 513, no dia 12 de março, quando o sistema de saúde esteve na iminência de um colapso, segundo a avaliação feita, na ocasião, pelo secretário Municipal de Saúde de Salvador (SMS), Leo Prates.

Outra redução ocorreu no número de crianças que aguardavam por um leito de UTI pediátrica na Bahia. Eram 20, no domingo, e agora são 10, 50% a menos. Essa mesma queda, no entanto, não foi observada para os pequenos que precisam de leito clínico por conta da covid-19. Nesse caso, houve um crescimento de sete para 11 pacientes.

Embora tímidos, para o infectologista Matheus Todt, da SOS Vida, os números podem já ser reflexo das medidas de restrição mais severas adotadas na Bahia desde o dia 26 de fevereiro.

“Infelizmente, não acreditamos que já seja impacto da vacina e sim das medidas que o governo tomou. A vacinação ainda está muito lenta. Mas com as medidas de restrição, a tendência é que, em duas ou quatro semanas, já se tenha algum impacto. O isolamento social evita que as pessoas adoeçam de uma vez só, o que causa impactos no sistema”, diz.

Todt lembra também que os leitos clínicos são voltados para os casos menos graves. Para ele, a fila da UTI é que precisa reduzir de forma considerável. Ainda de acordo com o especialista, 85% dos casos de covid-19 são de pacientes que sequer procuram o hospital.

“Os pacientes que têm comorbidades costumam ficar em um estado muito grave e precisam de ventilação mecânica, intubação e observação a todo minuto, não diária. Só na UTI isso é possível. O problema da covid-19 é que em torno de 5% dos casos precisam de UTI e, quando todos adoecem de uma vez só, não tem vaga para todo mundo”, lamenta.

Sem o que comemorar
Adielma Nizarala, infectologista da SMS, acredita que ainda estamos longe de comemorar algum avanço. “De fato, as medidas adotadas começam a fazer efeito a partir de agora no número de casos diagnosticados. Isso diminui a pressão no sistema de saúde. Porém, não tivemos uma restrição completa. Tem comércio que ainda podem funcionar e gente que não cumpre a rigor. A gente torce para que o pouco que conseguimos isolar seja suficiente para refletir nos números gerais”, disse.

A médica também disse que as medidas devem demorar para refletir na ocupação dos leitos, devido ao tempo médio que o vírus leva para manifestar sintomas e para o caso agravar.

A ocupação atual nos leitos de UTI na Bahia é de 86%. Já a ocupação dos leitos clínicos é de 65%. O governador Rui Costa afirmou, em entrevista à TV Bahia, na noite desta quarta-feira, 27, que o sistema de saúde do estado, na opinião dele, já está em colapso.

“É um colapso toda as vezes que você tem um número grande de pacientes na fila. Na medida em que você não consegue regular, em menos de 24 horas, um paciente que precisa de UTI, isso já é um sinal de colapso”, disse.

O prefeito de Salvador, no entanto, não considera que a capital esteja em colapso. "Graças a abertura de dois novos hospitais de campanha com leitos de UTI e transformação em unidades básicas de saúde em exclusivas para covid, nós estamos evitando o colapso. A regulação demora em média 48 horas", afirmou ontem, também à TV Bahia.

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Um recorde quem vem sendo batido nas últimas semanas tem deixados as autoridades sanitárias preocupadas em Salvador: o número de pacientes na fila de regulação está 4 vezes maior do que na primeira onda da pandemia. No domingo (14), as equipes conseguiram regular 103 pacientes com covid-19 das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) para hospitais. Um número nunca visto desde que a pandemia começou, em março de 2020. Porém, nesta segunda (15), outras 137 pessoas amanheceram na fila aguardando por uma transferência. Mais um recorde.

Nesta segunda, durante a apresentação da Operação Chuva, o prefeito Bruno Reis comentou o cenário. “Nós regulamos, nas últimas 24h, 103 pacientes e, mesmo assim, amanhecemos com 137 pacientes aguardando regulação. Estamos falando de 240 pessoas. Esse é o recorde de toda a história da pandemia em Salvador. No ano passado, no pior momento da crise, esses números somados não passavam de 65 pessoas. Nós estamos em 240. Isso é quatro vezes mais”, afirmou Bruno Reis.

A maior demanda é por leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Dos 137 pacientes aguardando por regulação, 77 deles são pessoas adultas e três crianças à espera de uma UTI. Outros 53 adultos e quatro crianças precisam de uma acomodação na enfermaria. Os números surpreenderam até quem está habituado com o sistema.

Bruno Reis citou que a prefeitura tem 28 estruturas para atendimento a pacientes com covid-19, e voltou a afirmar que a abertura de novos leitos é o que tem evitado que o sistema de saúde entre em colapso, mas que a prefeitura está no limite e precisa contar com o apoio da população.

“Só abrir leitos não vai resolver o problema. É como se estivéssemos em uma tempestade tentando conter o alagamento com baldes, não será suficiente. Só vamos conseguir conter o avanço da pandemia se a gente conseguir parar de transmitir o vírus. Se as pessoas que estão com covid ficarem em casa não vão passar para ninguém, e quem está sem covid ficar em casa não terá o risco de contrair a doença”, disse.

Escalada
Os números estão crescendo desde o início de março. No primeiro dia eram 90 pacientes aguardando regulação nas UPAs. No dia seguiram, eram96 pessoas. No terceiro dia, 107 pacientes, e no quarto dia 117. Na quinta-feira (11), o número alcançou 129 pessoas, e se repetiu no dia seguinte. O secretário municipal de Saúde, Léo Prates, contou que o município tem adotado algumas estratégias para tentar evitar o caos.

“Estamos trabalhando com três manobras. Uma é a regulação dos próprios pacientes com coronavírus. A segunda, é o giro interno dentro das unidades. Tenho duas unidades que são problema em termo de pressão, as UPAs de Pirajá e dos Barris, então, seria retirar [a demanda] delas e passar para outras. A terceira manobra que estamos utilizando é tentarmos regular mais pacientes de UTI geral para possibilitar que a UPA fique vazia”, afirmou o secretário.

Ele citou outras duas manobras. Primeiro, a decisão de transformar quatro Unidades de Saúde Básica (UBS) em espaços para atendimento de pacientes com covid com quadro de saúde de menor gravidade. Isso aconteceu nas UBSs de Pirajá e Itapuã, que já estão em funcionamento, e do Imbuí e IAPI, que começaram a operar nesta segunda (15).

A segunda estratégia é deixar nove ambulâncias com equipes preparadas, quatro em Pirajá e cinco na UPA dos Barris, pra garantir leito de passagem, em caso de superlotação das unidades, até que surja uma vaga.

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O alerta já foi dado: estamos à beira de um colapso no sistema de saúde. Tanto Salvador como a Bahia tiveram números recordes de demanda de pacientes que esperam por regulação na rede pública. Foram 500 pedidos de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e enfermaria exclusivos para o novo coronavírus no estado, sendo 384 para UTI. Em tempos normais, a média era de 80 pessoas, como informou a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) à reportagem.

A capital baiana também teve o maior número já registrado até agora: foram 176 solicitações de regulação recebidas na manhã de hoje (3), 106 para leitos de covid-19 e 55 para UTI, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). O secretário de saúde, Leo Prates, escancarou que o tempo médio de espera para um paciente ser regulado na rede municipal é de 36 horas. A média, antes da crise sanitária, era de 4 horas.

A situação reflete a alta taxa de ocupação de leitos de UTI na Bahia e em Salvador. Até às 16h30 da tarde de hoje, estavam em 84% e 85%, respectivamente. Os dados vêm à tona um dia após o Brasil ter registrado o maior número de mortes nas últimas 24 horas desde o início da pandemia: foram 1.726 vidas perdidas, segundo o consórcio de veículos de imprensa.

“Estamos batendo recordes em cima de recordes de regulações. Ontem, regulamos 70 pacientes, e mesmo assim, o dia começou com 106 pessoas a serem reguladas. Nossa preocupação é que vínhamos de uma baixa ocupação, de 60, 65%, tínhamos leitos vagos, mas fomos preenchendo e hoje acredito que já passamos dos 90%, na prática”, relatou o secretário municipal de saúde, Leo Prates, em entrevista ao programa Bahia Meio Dia.

A tendência, nos próximos dias, é diminuírem as regulações, se não houver ampliação de vagas, segundo Prates, pela capacidade já estar no limite. “O sistema de saúde vai ficando estrangulado. Estamos tendo muito mais entradas do que saídas, por isso, está gerando esse acúmulo de pessoas nas UPAs [Unidades de Pronto Atendimento]. Estamos em cenário de guerra. Acredito que estamos na mais próxima do colapso, na penúltima”, alerta.

O secretário também pontua que os próximos dias provavelmente serão piores, se os índices continuarem no mesmo patamar. “O próximo passo é muito feio, é as UPAs não terem vagas. Já mandei colocar mais macas nas UPAs, para tentar aumentar a capacidade, mesmo que seja necessário colocar em outros espaços, e estamos vendo como colocar respirador de transporte. É trabalhar para o melhor cenário mas nos preparando para o pior, porque está bastante duro para o sistema de saúde”, conclui Prates.

Baianos perdem familiares por demora na regulação da UTI
Por conta da demora em conseguir um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o estudante de Ciências Econômicas, Rodrigo Sampaio, de 22 anos, perdeu a avó, Maria da Conceição - a mãe de sua madrasta. Ela residia na cidade de Santo Estevão, no Centro-Norte da Bahia, e tinha 78 anos. “Ela deu entrada na sexta-feira (26) e faleceu na última segunda (1). O hospital municipal da cidade não tinha estrutura para o quadro que desencadeou e ela morreu a esperar uma vaga de UTI nos hospitais de Feira de Santana. Minha família se movimentou em todos os hospitais privados da cidade, não conseguiu, e os hospitais públicos estão sem vaga”, conta Sampaio.

A família não desconfiou, no primeiro momento, que Maria da Conceição tivesse pego o vírus. “Ela já vinha demonstrando problemas de saúde, vinha sentindo dores de cabeça, mas não eram sintomas da covid, então por isso ninguém se atentou. Ela foi ao hospital municipal, não chegou a fazer o exame, e se sentiu melhor no dia seguinte. Só que depois piorou e não teve melhora, então ela voltou com falta de ar, fez o exame de sangue, que demonstrou covid, e o médico disse que desse quadro degenerou um AVC. Ela já chegou lá no hospital toda paralisada”, narra Rodrigo.

O estudante conta que a unidade não tinha respirador ou leito de UTI para atender a avô, por isso entrou na fila de espera em Feira de Santana, município mais próximo. “Os filhos dela rodaram Feira em busca de leitos de UTI, mas não conseguiram. Eu também comecei a procurar nos hospitais privados aqui de Salvador, mas a falta de leitos é total”, declara. O sentimento do neto postiço é de tristeza e impotência. “É um sentimento de perda e frustação por ter perdido um parente que gosto muito e isso me sensibilizou bastante, e frustação por não ter consigo nada, nenhuma resposta pronta de um hospital. É uma situação de desânimo total", desabafa.

No caso do pai do entregador de Rodolfo Augusto Oliveira, 34 anos, a transferência para um leito de UTI demorou pouco mais de 24 horas. Enquanto isso, ele ficou em um leito do gripário da UPA dos Barris. Mas só foi atendido da segunda vez que foi na unidade, no último domingo (28), quando voltou com sintomas mais graves. “Meu pai começou a sentir primeiro dor de garganta e uma tosse seca. Depois evolui para febre, lá para o quarto dia. Daí em diante, ele só estava na cama, só levantava para fazer necessidades básicas e se alimentar, estava se alimentando bem pouco. Depois que descobri a febre, levei para a UPA dos Barris, a gente ficou de 18h às 22h30, e disseram que ele não teria prioridade, por conta da pandemia”, diz o filho de Carlos Augusto.

Rodolfo decidiu então, no dia seguinte, que iria ao centro médico de Pernambués. Só que o médico de lá informou a ele que só atenderia se a saturação de oxigênio e a temperatura estivessem anormais. Por isso, voltaram à UPA dos Barris, onde foram atendidos com mais rapidez, pela saturação de oxigênio estar em 95%. De lá, Carlos recebeu a transferência para o Hospital Municipal. “Na hora dele entrar e ficar internado no gripário, minha tristeza foi que nem consegui apertar a mão dele. Depois a médica deixou eu falar por dois minutos, foi o tempo que tive”, lamenta. O quadro do pai apresentou melhora, ele saiu da UTI e foi para um leito de enfermaria, mas continua precisando de oxigênio.

Demora também acontece na rede privada
A demora na transferência para um leito de UTI também ocorreu com a mãe da cozinheira Michele Figueiredo, 39 anos, moradora de Camaçari, Região Metropolitana de Salvador (RMS). Márcia Maria é diabética, tem 60 anos, e sofreu infarto dentro de casa. Ela estava na casa de uma das filhas, a irmã de Michele, em Salvador. Mesmo com plano de saúde, foram quatro dias sem leito de UTI. No meio tempo, ela ficou internada na ala vermelha no hospital Santa Izabel.

“Minha mãe deu entrada no Santa Izabel com falta de ar e ela infartou dentro de casa. A gente ficou sem UTI por quatro dias, depois surgiu uma vaga e colocaram na UTI. Ela só consegue respirar de costas, de bruços, e não deixam visitar para saber como ela está e a gente não tem acesso aos exames nem relatório, só falam comigo pelo telefone uma vez por dia”, conta Michele. Por conta disso, a filha acredita que Márcia tenha pego covid-19 no hospital. Segundo o boletim médico, a mãe está com 70% dos pulmões comprometidos e pneumonia. Ela já está na Unidade de Terapia Intensiva há uma semana. “Estou rezando todo dia para se dá uma melhorada, mas a gente nunca imaginava que ela estava com covid”, completa. Ela testou negativo para a doença, mas a irmã contraiu o vírus e está em isolamento.

A diretora médica do Hospital Aeroporto e responsável técnica Eliane Noya comenta que o ideal é não haver lentidão no atendimento de pessoas em estado grave. “Qualquer demora no atendimento de um paciente que esteja em estado grave pode trazer consequência do quadro se tornar mais grave e, em último caso, ocorrer a óbito. Realmente é uma coisa que não se espera e não se deseja demora na regulação. O correto é que ele vá imediatamente pra UTI quando houver indicação”, explica Eliane.

A diretora médica revela que há duas semanas que a unidade onde coordena está com 100% de ocupação de leitos de UTI para covid-19. Todos os 20 disponíveis estão ocupados e não houve transferência de paciente da emergência para a UTI nas últimas 24 horas, por falta de vaga. Algumas medidas foram tomadas para evitar o colapso - há um mês eles não aceitam transferências de outros hospitais e uma ala semi-intensiva foi aberta, com 10 leitos, para dar suporte à UTI.

Além disso, por conta da baixa rotatividade dos leitos, o Hospital Aeroporto solicita transferência de leito de UTI para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para o plano de saúde, para outro hospital privado. Ultimamente, não há vagas em nenhuma das duas redes. “Normalmente a gente não coloca na regulação do SUS porque a regulação do plano acabava conseguindo uma vaga rápido. Mas agora não. Então o que surgir primeiro, ele é logo transferido”, complementa.

Só não se recusa pacientes em que haja baixa oxigenação no sangue. “Quando se tem uma baixa da oxigenação, que a gente precisa usar o oxigênio suplementar, isso indica que ele precisa ficar no hospital, porque em casa não existe esse suporte. Então a prioridade para ser internado na unidade hospitalar é o paciente que mais precisa do que se tem no hospital”, esclarece Noya. A média de permanência nos leitos também aumentou. Antes, o paciente passava 5 a 7 dias na UTI. Agora, a média é no mínimo 10. A predominância de internamentos, segundo ela, é do sexo masculino (60%) e acima de 60 anos (70%).

Além dos 2.254 leitos que existem na Bahia, o governo estadual abrirá mais de 600 leitos, sendo cerca de 400 clínicos e os demais de UTI. Segundo a Sesab, eles serão distribuídos entre capital, região metropolitana, sul e extremo sul da Bahia. Em Salvador, são 1.059 leitos ativos.

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