O professor municipal Everton Esteves Rosário, de Cícero Dantas, nordeste da Bahia, morreu de covid com apenas 28 anos, nesta terça-feira (20). Sua partida causou comoção entre familiares, alunos e colegas do rapaz, que projetava um longo futuro como educador. O caso de Everton é um retrato da face letal da covid-19 na Bahia, que cada vez mais ganha contornos joviais. Em abril, um a cada três baianos vítimas da doença são jovens ou adultos, com idade de 20 a 59 anos.
Nunca antes essa população tinha contribuído tanto com o número de óbitos durante a pandemia. Em janeiro, por exemplo, apenas 19,18% das mortes ocorridas eram de pessoas nessa faixa etária. Com o passar dos dias, o índice foi aumentando progressivamente: 25,26% em fevereiro, 28,50% em março e 33,12% nos 20 primeiros dias de abril. Essa constatação foi feita com os dados mais atualizados da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) de mortes ocorridas nesses meses.
No entanto, não é apenas o poder público que está preocupado com o tema. Dados de registros de óbitos feitos nos Cartórios de Registro Civil do País, coletados do Portal da Transparência do Registro Civil, mostram o mesmo fenômeno. Em janeiro, o percentual de mortes de pessoas entre 20 e 69 anos, segundo os Cartórios, foi de 20,35%, o que aumentou para 26,17% em fevereiro, 29,17% em março e 30,58% nos 15 primeiros dias de abril.
Segundo a infectologista Jacy Andrade, professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a tendência observada na Bahia ocorre no Brasil inteiro e é justificada pelo comportamento dessa população mais jovem e a maior transmissibilidade da covid causada pela nova variante do vírus. “Muitos jovens não estão aderindo às medidas de segurança que são recomendadas, como distanciamento social e uso de máscara. Com essa variante, que é mais transmissível, mais jovens apresentam a forma grave da doença”, relata.
Ainda para a cientista, a realidade é um sintoma da necessidade do país ampliar a sua cobertura vacinal e, com a fabricação de mais doses, imunizar a população que tem entre 20 e 59 anos. Os idosos já começaram a ser vacinados desde janeiro de 2021 e isso está causando a queda nas mortes por covid dessa população, o que faz com que o reflexo do número de óbitos entre os jovens seja cada vez maior.
“O mais importante é a vacinação, eu acredito, por ter começado primeiro com o grupo de idosos. Apesar da lentidão na chegada de novas doses, a gente assiste a queda no número de mortes no grupo mais idoso, o que é muito bom. Isso vai impactar de forma significativa nos dados", diz.
De fato, segundo os dados da Sesab, em janeiro, 80,06% das mortes por covid eram de idosos, ou seja, pessoas com mais de 60 anos. Isso caiu progressivamente para 74,08% em fevereiro, 71,06% em março e 66,48% nos 20 primeiros dias de abril. Os Cartórios também enxergam o mesmo fenômeno: 78,5% em janeiro, 73,03% em fevereiro, 69,96% em março e 67,92% nos 15 primeiros dias de abril.
Faixas etárias
A faixa etária onde mais se enxerga redução nas mortes foi a com mais de 80 anos, os primeiros a serem vacinados. Em janeiro, segundo a Sesab, 32% dos óbitos por covid eram dos maiores de 80. Em abril, o percentual caiu pela metade para 16%. Os que estão entre 70 e 79 anos apresentaram uma leve redução: 27% em janeiro para 25% em abril. Já os que estão com 60 e 69 anos, justamente os que começam agora a tomar a segunda dose da vacina, são os únicos idosos que possuem crescimento nas mortes. Em janeiro eram 22% do total de óbitos e agora são 26% em abril.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os idosos são a população com 60 anos ou mais. Já os adultos são aqueles cuja idade varia de 26 a 59 anos. Jovens, por sua vez tem entre 18 e 25 anos. Na outra ponta dos dados, o aumento de mortes é registrado de forma mais expressiva na faixa etária dos adultos de 40 a 49 anos, segundo a Sesab. Abril nem terminou e as 144 mortes dessas pessoas já superam as 115 de todo fevereiro e 79 em janeiro de 2021. O mesmo ocorre com os adultos de 30 a 39 anos. Já são 69 mortes em abril, mais do que as 50 de fevereiro e as 30 de janeiro desse ano.
Outro adulto falecido, com apenas 34 anos, foi o estudante Jailton Almeida dos Santos Barbosa, mais conhecido como Jaime, que cursava Arquitetura e Urbanismo na Ufba. Natural de Amargosa, o rapaz contribuiu em vida na formação do Conselho Municipal de Juventude da cidade e ajudou na formação cultural de conterrâneos. “Ele contribuía com as aulas e pesquisas trazendo sempre reflexões repletas de curiosidade e inquietações", afirmou, em nota, a direção da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Já o professor Everton, aquele que você conheceu no início da reportagem, era admirado pelo seu compromisso e preocupação na formação dos alunos. “Ele parte deixando muitas lições de amor, amizade e solidariedade”, diz a nota do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Cícero Dantas (Sindic). Também em nota, José Aumir Batista, diretor do Colégio Municipal Monsenhor Galvão, onde Everton ensinava, se solidarizou com a perda. “Hoje ficamos com um vazio no peito, sufocados com essa partida”, disse.
Na prática
Diretor médico do Hospital Espanhol, o infectologista Roberto Badaró diz que esses números são observados cada vez mais na rotina prática da instituição, que há mais de um ano trabalha 24 horas por dia como um hospital de campanha para casos graves de covid. “No início da pandemia, nós recebíamos paciente com a média de idade de mais de 60 anos. Mas com as mutações do vírus, nós estamos recebendo mais pacientes jovens”, diz. Para o médico, isso é só mais um sinal de que as pessoas precisam se proteger do vírus.
“Mesmo com vacinação, ainda não podemos abrir mão das medidas de distanciamento e uso de máscara. O fenômeno da reinfecção é real, pois temos variantes diferentes circulando. Esperamos que as vacinas sejam capazes de parar essa pandemia”, argumenta.
Já Fábio Vilas-Boas, secretário da Sesab, diz que metade dos pacientes baianos possuem menos de 50 anos. “Há uma inversão no perfil demográfico dos internados, com a prevalência de mais jovens. A vacina tem ajudado a reduzir mortes nos idosos, os que tem mais de 70 anos principalmente. A gente espera que, ampliando a vacinação, os números melhorem cada vez mais”, relata.
Na tarde de quinta-feira (22), a Bahia recebeu mais 222.500 doses de vacina conta o coronavírus. Foram 180,5 mil doses da vacina Oxford/Astrazeneca e 42 mil doses da Coronavac. A remessa está sendo distribuída entre regionais de saúde pela Coordenação de Imunização do Estado através de aeronaves do Grupamento Aéreo da Polícia Militar e da Casa Militar do Governador. Em seguida, as vacinas seguem por meio terrestre para os municípios atendidos por cada regional de saúde.